Militares não entoaram grito contra petistas em desfile de 7 de Setembro, ao contrário do que afirma postArte/Comprova
Onde foi publicado: TikTok.
Conclusão do Comprova: Tropas militares que participaram do desfile do 7 de Setembro em Brasília (DF), na última semana, não gritavam contra petistas, nem exaltavam Jair Bolsonaro durante a cerimônia. Um vídeo que viralizou no TikTok nos últimos dias trocou o áudio ambiente do desfile por uma espécie de paródia de uma canção de Treinamento Físico Militar (TFM), feita por um grupo que participava de um treinamento nas dependências da Polícia Militar do Pará, em 2018.
O vídeo de onde o áudio foi retirado circula nas redes pelo menos desde 5 de setembro de 2021. Ele mostra um grupo de militares fazendo um treinamento físico, enquanto outra pessoa exclama algumas frases, repetidas pelo restante do grupo, que bate palmas enquanto entoa o grito de guerra.
O áudio original do treinamento físico no Pará foi usado em 384 vídeos diferentes apenas no TikTok até o início da tarde desta quinta-feira (15). A maioria das publicações foi feita após o desfile do 7 de Setembro deste ano.
O desfile dos 200 anos da Independência foi transmitido ao vivo pela TV Brasil. Fica evidente que as tropas que passavam pelo local não proferiram nenhum ataque verbal ao PT nem defesa a Bolsonaro. As imagens mostram os soldados marchando, mas sem bater palmas ou entoar qualquer canto (TV Brasil, Poder 360).
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 15 de setembro, o vídeo teve 7,2 milhões de visualizações, 675,7 mil curtidas, 10,4 mil comentários e 71,8 mil compartilhamentos.
O que diz o autor da publicação: O conteúdo foi publicado pelo perfil do Clube de Pesca e Pousada Boa Sorte, localizado em Itauçu, Goiás. Como o TikTok não permite o envio de mensagens entre contas que não se seguem mutuamente, o Comprova localizou outras redes sociais do estabelecimento (Instagram e Facebook) e encontrou um endereço de e-mail. Entramos em contato com o clube, mas não houve retorno até o fechamento desta checagem.
Como verificamos: O primeiro passo foi investigar a origem do vídeo. Para isso, comparamos a cena exibida no conteúdo investigado com as imagens oficiais da transmissão feita ao vivo pela TV Brasil. O Poder 360 retransmitiu o desfile, e o vídeo mostra a passagem das tropas entre 1:37:50 e 1:39:50. Esse é o mesmo momento que o vídeo investigado mostra.
Em seguida, buscamos o áudio. Na parte inferior do post, há um link para o que seria o “som original” do vídeo – ao clicar nele, o TikTok leva a uma página que mostra outros vídeos que utilizaram o mesmo som. Esse é um recurso popular da plataforma, muito usado em vídeos de dublagem, que permite que um mesmo som seja usado em diversos vídeos. O TikTok informa onde o mesmo som foi utilizado. No início da apuração, em 12 de setembro, havia 304 vídeos com o mesmo áudio, número que saltou para 384 até a tarde do dia 15. O mais antigo deles foi postado por um usuário no dia 28 de junho deste ano, o que já indica que o áudio não poderia ter sido registrado durante os desfiles deste 7 de Setembro.
Ao identificar que o áudio original pertencia a esse vídeo, gravado nas dependências da Polícia Militar do Pará, o Comprova entrou em contato com a corporação e com a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) para saber quando o vídeo tinha sido feito, em quais circunstâncias e se alguém tinha sido punido.
O Comprova buscou contato, por fim, com o autor da postagem no TikTok, também sem retorno.
Áudio pertence a vídeo feito em treinamento militar no Pará
Entre os segundos 11 e 12 dos diversos vídeos postados no YouTube, é possível ver que um homem segura o mastro de uma bandeira de tecido preto com brasão e letras brancas. Uma parte do que está escrito é visível: “Pela ordem, Choque!”. A parte inferior do brasão que aparece na bandeira também pode ser vista, assim como dois ramos nas laterais, mas a baixa qualidade das imagens não permite identificar a que corporação a bandeira pertence.
O documento está nomeado em diversos sites como “Canções de TFM – SD Magno PMPA”, mas o conteúdo em si não faz menção a um soldado em específico. Um texto de apresentação diz que a finalidade é “reunir canções militares, especialmente, aquelas utilizadas no decorrer das atividades físicas da 1ª Companhia ROTAM e da 2ª Companhia ROTAM MOTOS pertencentes ao Batalhão de Polícia Tática – BPOT”. Ainda segundo o documento, ele deve servir “como uma fonte de consulta para os futuros Cursos, Nivelamentos e Estágios no âmbito da Polícia Militar do PARÁ”.
O Comprova, então, conseguiu localizar um vídeo de treinamento de campo das Rondas Ostensivas Táticas Motorizadas (Rotam) do Pará. As imagens, publicadas no YouTube em 2013, mostram o mesmo local que aparece nas imagens do vídeo com o grito de guerra. É um campo de futebol ao lado de um prédio que serve como sede da Banda de Música da PM do Pará. Ao fundo, há uma cobertura ligeiramente arredondada, que pertence ao prédio do Almoxarifado Central, bem perto da sede da Rotam, que fica na Avenida Brigadeiro Protásio, no bairro Marco, em Belém.
Na transmissão ao vivo feita pela TV Brasil e repercutida pelo Poder 360, é possível ver as diferentes tropas do Exército que aparecem no vídeo postado no TikTok. O desfile das tropas é mostrado entre 1:37:50 e 1:39:50. Apesar da narração dos comentaristas da TV Brasil, não há, em nenhum momento do desfile, o grito de guerra em apoio ao presidente Bolsonaro como sugere o vídeo investigado.
O vídeo foi postado no TikTok a partir da conta do Clube de Pesca Boa Sorte, que fica em Itauçu (GO). O proprietário do clube, Gleybson Cesar da Silva, estava no desfile. Ele aparece nesta publicação no TikTok e também em diversos vídeos no perfil do clube no Instagram.
De acordo com reportagem do G1, cerca de 3,1 mil militares desfilaram, sendo, aproximadamente, 600 da Marinha, 2 mil do Exército e 500 da Aeronáutica – além de veteranos da Força Expedicionária Brasileira (FEB), integrantes do Programa Força no Esporte (Profesp), e ex-integrantes das Forças de Paz.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Publicações que envolvem candidatos e foram editadas para mudar o seu significado original podem influenciar na imagem construída pelos eleitores sobre determinado político. Isso é prejudicial para o processo democrático e para os cidadãos, que têm o direito de fazer sua decisão com base em informações verídicas e confiáveis.
Outras checagens sobre o tema: Em verificações recentes a respeito do bicentenário da Independência, o Comprova mostrou que post usa imagens de ângulos diferentes para depreciar ato pró-Bolsonaro de 7 de Setembro e que é falso áudio em que presidente xinga Michelle Bolsonaro antes do desfile de 7 de Setembro.
Anteriormente, o Comprova verificou peças de desinformação que, assim como essa, traziam áudios adulterados. Por exemplo, mostrou que vídeo com áudio falso enganou ao sugerir que ex-governador da Paraíba teria humilhado Lula e elogiado Bolsonaro, que post adulterou áudio e mentiu ao afirmar que Lula foi xingado em Caruaru e que pessoas gritavam a favor de Lula, e não contra ele em vídeo na Sapucaí.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.