Presidente da Ucrânia, Volodymyr ZelenskyAFP PHOTO / UKRAINIAN PRESIDENTIAL PRESS SERVICE / HANDOUT

Kiev - O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, denunciou, nesta quinta-feira, 17, que a Rússia está criando um novo "muro" na Europa, "entre a liberdade e a escravidão", depois que seu governo acusou Moscou de bombardear um teatro que abrigava civis refugiados e no qual estava escrita a palavra "crianças", visível do céu.

"Não é um muro de Berlim, é um muro na Europa Central entre a liberdade e a escravidão, e este muro fica maior a cada bomba lançada sobre a Ucrânia", disse Zelensky em uma mensagem de vídeo exibida na Câmara Baixa do Parlamento alemão.

Zelensky discursou aos parlamentares da Alemanha um dia depois de falar ao Congresso dos Estados Unidos, cujo governo anunciou um bilhão de dólares em ajuda militar, incluindo mísseis terra-ar Stinger, como os que eram usados contra as forças soviéticas no Afeganistão.

"Querido sr. chanceler (Olaf) Scholz, derrube este muro. Dê à Alemanha o papel de liderança que merece", afirmou ao chefe de Governo alemão, ao evocar o apelo feito durante a Guerra Fria pelo então presidente americano, Ronald Reagan, em Berlim.

Nesta quinta-feira, Kiev, onde o cerco das tropas russas é cada vez mais intenso, saiu de um toque de recolher de 35 horas.

Durante a manhã, após um ataque russo, jornalistas da AFP observaram um homem, desesperado, agachado ao lado de um corpo ensanguentado diante de um prédio de apartamentos atingido por um foguete.

'Crianças' escrito no telhado
Em outra mensagem de vídeo divulgada durante a noite, Zelensky pediu à Rússia um cessar-fogo, três semanas após o início de uma invasão que levou os países ocidentais a impor duras sanções contra a Rússia e seu governo, liderado por Vladimir Putin.

"Se a sua guerra, a guerra contra o povo ucraniano, continuar, as mães da Rússia perderão mais filhos que nas guerras do Afeganistão e Chechênia juntas", declarou, em referência às milhares de vítimas dos dois conflitos.

O ministério russo da Defesa negou ter atacado o teatro na cidade portuária de Mariupol, sul da Ucrânia, onde segundo as autoridades locais estavam mais de mil refugiados. A ONG Human Right Watch (HRW) cita a presença de pelo menos 500 pessoas no local.

Moscou afirma que o edifício foi alvo de um ataque de militantes do grupo ucraniano de extrema-direita Batalhão Azov, o que foi negado pelos países ocidentais, que acusam a Rússia de gerar desinformação.

Zelensky disse que "ainda não se conhece o número de mortos", mas que o ataque demonstra que a "Rússia virou um Estado terrorista".

De acordo com imagens de satélite do teatro captadas em 14 de março pela empresa privada Maxar, na frente e nos fundos do prédio, no chão, a palavra "crianças" estava escrita em russo.

As autoridades publicaram uma foto do edifício, com a parte central completamente destruída.

"A única palavra que descreve o que aconteceu hoje é 'genocídio', genocídio de nossa nação, de nosso povo ucraniano", denunciou o prefeito de Mariupol, Vadim Boyshenko.

Mais de 1,2 mil pessoas morreram em ações violentas em Mariupol desde o início da guerra, segundo fontes ucranianas.

As pessoas que conseguiram fugir da cidade descrevem uma situação humanitária crítica e relataram que tiveram que beber neve derretida e fazer fogo para cozinhar a pouca comida disponível.

"Piorava a cada dia. Não tínhamos energia elétrica, água ou comida. Não era possível comprar nada, em lugar nenhum", disse à AFP uma mulher que se identificou apenas como Darya.

Após o bombardeio, o presidente americano, Joe Biden, chamou Putin de "criminoso de guerra", o que provocou uma grande indignação no Kremlin.

'Puramente econômico?'
Zelensky também criticou a Alemanha, que durante anos resistiu a romper os laços econômicos, em particular no setor de energia, com a Rússia.

"Caro povo alemão: como é possível que, quando dissemos que o Nord Stream 2 (gasoduto entre Rússia e Alemanha, cuja entrada em operação foi finalmente suspensa por Berlim) era uma forma de preparar a guerra, ouvíamos em resposta que 'era puramente econômico'?", questionou.

O chanceler alemão aplaudiu as "palavras contundentes" do presidente ucraniano, mas não respondeu diretamente aos pedidos de Zelensky.

"Estamos vendo: a Rússia continua a cada dia com sua guerra cruel, com perdas terríveis", escreveu no Twitter.

A Otan rejeitou os pedidos da Ucrânia de envolvimento direto no conflito, pelo temor de provocar a Terceira Guerra Mundial entre beligerantes com enormes arsenais nucleares.

Até o momento os países ocidentais forneceram ajuda militar. Joe Biden anunciou que os Estados Unidos também apoiarão a Ucrânia para adquirir novos sistemas de defesa antiaérea.

Apesar do cenário, Putin repetiu em uma reunião do governo que a operação é um "sucesso".

O chefe de Estado russo também condenou as sanções impostas pelos países ocidentais depois que Moscou foi excluído da maior parte do sistema financeiro ocidental e afirmou que as medidas fracassaram.

Nesta quinta-feira, o Kremlin rejeitou a ordem da Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal tribunal da ONU, para interromper imediatamente a invasão da Ucrânia.

O ministério russo das Finanças afirmou que pagou juros de 117,2 milhões de dólares pela dívida externa e evitou, no momento, o default.

A nível global, a guerra pode custar um ponto percentual ao crescimento mundial ao longo de um ano caso os efeitos sobre os mercados de energia e financeiros perdurem, advertiu a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE).

A Europa será a região mais afetada pelas consequências econômicas da ofensiva, segundo a organização.

'Modelo ucraniano'
Mais de três milhões de pessoas fugiram do país, a maioria mulheres e crianças, segundo a ONU.

Zelensky afirmou nesta quinta-feira que 108 crianças morreram na guerra.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que um "compromisso" pode ser alcançado para acabar com o conflito se a Ucrânia aceitar virar um país neutro, com base nos modelos da Suécia ou Áustria.

Mas o negociador ucraniano, Mikhailo Podolyak, destacou que "o modelo só pode ser ucraniano".

As duas partes negociaram por videoconferência até quarta-feira. Zelensky destacou nas últimas horas que as prioridades nas conversações são "claras: fim da guerra, garantias de segurança, soberania, restabelecimento de nossa integridade territorial, garantias reais para nosso país, proteção real para nosso país".