Menos da metade das casas do Norte e no Nordeste tinha garantia de alimento - AFP
Menos da metade das casas do Norte e no Nordeste tinha garantia de alimentoAFP
Por AFP
Rio - Uma mensagem que propõe o consumo de alguns alimentos supostamente alcalinos para aumentar o nível do pH do organismo e, assim, combater o novo coronavírus circula desde meados de abril e foi compartilhada centenas de vezes nas redes sociais em português. Especialistas consultados pela AFP, contudo, concordam que não é possível alterar o pH de uma pessoa e que consumir determinados alimentos não tem incidência no combate ao novo coronavírus.
“O COVID-19 é imune a organismos com um PH maior que 5,5. Precisamos consumir mais alimentos alcalinos que nos ajudem a aumentar o nível de PH, para combater o vírus. Alguns dos quais são: Limão - 9,9 PH, Abacate - 15,6 PH, Alho - 13,2 PH, Manga - 8,7 PH, Tangerina - 8,0 PH, Abacaxi - 12,7 PH, Laranja - 9,2 PH. Não guarde essa informação apenas, para você. Passe para toda a sua família e amigos. Tome cuidado e Deus te abençoe [sic]”, diz o texto de uma imagem publicada no último dia 22 de abril e compartilhada centenas de vezes no Facebook. Uma série de outras postagens também circulou nesta rede social e no Instagram.

Com um texto semelhante, mas acrescentando que a informação procede do “VIROLOGY Center, Moscou, Rússia”, a mensagem viralizou no Twitter. Em espanhol esta mensagem circula desde o início do mês e acumula mais de 40 mil compartilhamentos.

Embora na Rússia existam vários centros de virologia, não há registro na Internet de que algum deles tenha se pronunciado sobre os efeitos do pH no combate à COVID-19.

Alimentos contra a COVID-19?
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Os especialistas consultados concordam que não há nenhum alimento que impeça uma pessoa de contrair o novo coronavírus, como asseguram as publicações viralizadas. “Não existe nenhum alimento, alcalino ou ácido, nenhum, que combata a infecção da COVID-19”, afirma o decano do Colégio de Nutricionistas do Peru Antonio Castillo Carrera.

O especialista sustenta que mesmo que a pessoa tenha um bom estado nutricional, o vírus pode atingi-la: “Não importa se ela se alimenta bem. Mesmo que a pessoa tenha boas defesas e seu sistema imunológico esteja bem, mesmo consumindo alimentos alcalinos, o vírus pode atacá-la porque até agora não existe cura nem vacina possível para não ser infectada, e os alimentos não podem prevenir o contágio por um vírus”.

O pH, ou potencial hidrogeniônico, é uma “medida que expressa o grau de acidez ou basicidade de uma solução em uma escala de varia de 0 a 14. Uma solução com o pH menor que 7 se diz ácida, enquanto se for maior do que 7 é classificada como básica. Uma solução com pH 7 será neutra”, como indica um estudo sobre o tema.

O pesquisador da Associação Argentina de Virologia Juan Carballeda concorda com Castillo: “De maneira nenhuma um alimento varia o pH do corpo humano” e, menos ainda, “fornece um tipo de defesa para impedir que fique doente”.

“Por mais que consumamos alimentos ácidos e básicos, isso não muda o pH do corpo humano. De maneira nenhuma qualquer alimento, por variação de pH ou porque faça algo em nosso sistema digestório, irá combater a infecção, ou o contágio do coronavírus, ou de um vírus em geral. O pH do nosso organismo é muito estável. Está sempre entre 7,35 e 7,42, e não se modifica por consumirmos alimentos”, assegura o especialista.

E Carballeda conclui: “Nada pode modificar o pH do corpo humano. Nada. O pH está finamente regulado e é impossível alterá-lo. Se o pH de um organismo mudar, mesmo que apenas por um momento, gerará imediatamente uma condição patológica”.

Em sua página de informação sobre a COVID-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que até o momento não existe vacina, remédio, ou tratamento, que possa prevenir ou curar o novo coronavírus.

Os especialistas concordam que uma vacinação maciça permitiria imunizar uma alta porcentagem da população mundial, o que poderia frear a pandemia, mas, por enquanto, os cientistas não sabem se a vacina estará pronta este ano.

Alimentos alcalinos e ácidos
O professor do Departamento de Farmácia da Universidade Nacional da Colômbia e pesquisador do grupo de Farmacologia de Medicina Tradicional e Popular (FaMeTra), Giovanny Garavito, explica que um dos erros das publicações viralizadas é o valor de pH atribuído aos alimentos.

“Beiram o absurdo os valores colocados nessa mensagem. A escala de pH vai de 0 a 14 e diz-se que o abacate tem um pH de 15,6. Quanto aos outros valores indicados nas publicações [virais], se fossem verdadeiros - o que não é o caso - seriam demasiado alcalinos e, quando consumidos, teriam um efeito cáustico nas membranas da boca e do trato digestivo superior, impossibilitando o seu consumo”, afirmou o especialista.
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Castillo, por sua vez, exemplifica: “Se eu comer limão, tangerina, toranja, ou alimentos que são ácidos, ou de sabor ácido, isso não quer dizer que o pH do meu organismo se tornou ácido. E o mesmo acontece com os alimentos tipificados como alcalinos”.

O Serviço ao Consumidor do Departamento de Agricultura da Carolina do Norte explica esta classificação em um documento: “Os alimentos são classificados como ácidos, ou alcalinos, de acordo com o efeito que têm no organismo humano depois da digestão, e não de acordo com o pH que têm em si mesmos. É por essa razão que o sabor que têm não é um indicador do pH que gerarão em nosso organismo uma vez consumidos”.

Os alimentos ácidos são os que “têm um pH natural de 4,6 ou menos”, define a FDA, a agência do governo norte-americano para regulação dos alimentos. E os alcalinos devem “ter um valor final de 4,6 ou mais, excetuando-se as bebidas alcóolicas”.

Tabelas de alimentos
Nem a FDA nem a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) têm tabelas de valores de pH dos alimentos em suas páginas na Internet.

“Dado que a FDA não tem os recursos para examinar adequadamente esta informação, eliminou-a de seu site oficial”, explicou à AFP por e-mail a equipe de suporte do LACF (Low-acid canned Foods, ou alimentos enlatados baixos em ácido, na tradução livre para o português), dependência da FDA encarregada da avaliação do processamento de alimentos.

Alguns centros de pesquisa, no entanto, como o Serviço ao Consumidor do Departamento de Agricultura da Carolina do Norte desenvolveram algumas aproximações.

Neste documento, este departamento assegura que a sua lista inclui apenas os alimentos “sobre os quais a maioria dos analistas concorda em classificar como ácidos, ou alcalinos, depois de serem digeridos [...] pois existe uma discordância a respeito do pH de certos alimentos”.

Também existem tabelas com pH dos alimentos no site do Ministério da Agricultura de Quebec, do Canadá, em páginas de universidades, como a de Clemson, na Carolina do Sul, nos Estados Unidos, ou do Centro de Pesquisa de Alimentos e Produtos de Agricultura da Universidade de Oklahoma.

Embora nem todos os alimentos mencionados nas mensagens virais estejam nestas listas, a AFP realizou uma comparação dos mesmos com a informação disponível.
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Os dados de pH dos produtos nestas listas são minimamente diferentes entre si, mas a diferença é muito grande com relação aos que aparecem nas publicações viralizadas.

Imunidade contra o novo coronavírus?
O texto viralizado também menciona uma suposta imunidade da COVID-19, mas, segundo os especialistas consultados pela AFP, os vírus não podem ser imunes.

Os vírus são “organismos simples que não têm capacidade de regular o seu pH e estão expostos ao pH da célula hospedeira, por isso não podem ser imunes”, explica Garavito, da Universidade Nacional da Colômbia.

“O vírus [todos, em general] não pode ser imune, já que não conta com um sistema imunológico nem gera uma resposta imune a nada [...] mas pode ser mais suscetível quando perde a sua camada e fica exposto a condições extremas de pH, temperatura e baixa umidade. É nisso que se baseiam os métodos de limpeza e desinfecção existentes: em tentar remover a cápsula protetora do material genético do vírus e, desta maneira, torná-lo mais suscetível, mas isso só se aplica quando o vírus está em materiais inertes, não quando está no corpo humano”, detalha.