Por thiago.antunes
Rio - Enquanto cerca de 800 mil mulheres interrompem a gravidez todo ano, milhares de famílias aguardam nas intermináveis filas de adoção para realizar o sonho de ter um filho: este é o retrato de um país insuflado de contradições chamado Brasil.
Ao criminalizar ambas as práticas, o aborto e a adoção direta, o Estado brasileiro, numa absurda soma de ignorância e autoritarismo, gasta mais de R$ 140 milhões por ano em internações no SUS por conta de complicações médicas decorrentes de abortos clandestinos, ao mesmo tempo em que frustra casais que gastam milhares de reais em clínicas de fertilização humana ou em morosos, burocráticos e mesmo cruéis procedimentos de adoção.
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Uma sociedade que se pretende democrática não pode ‘criminalizar’ o desejo legítimo de não ter filhos, até porque a proibição não evita a prática, como bem demonstram os assustadores números envolvidos: cerca de nove milhões de mulheres interromperam a gestação no Brasil entre 2004 e 2013.
Essa proibição penaliza, sobretudo, a mulher de baixa renda, que realiza o procedimento em condições sanitárias péssimas, colocando a vida em risco.
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A própria Suprema Corte, em inédita e recente decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, entendeu que o aborto, até o terceiro mês de gestação, não constitui crime, a exemplo de praticamente todas as legislações dos países democráticos desenvolvidos, pois viola os direitos fundamentais da mulher, além de afrontar o princípio da proporcionalidade.
Polêmicas à parte, há de se reconhecer que é plenamente possível conciliar o direito da mulher em não ter filhos com o direito à preservação da vida do nascituro, o que não vem sendo alcançado com a criminalização do aborto.
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Destarte, o caminho mais seguro para resolver essa questão passa por afastar a nefasta ingerência do Estado, permitindo que casais interessados em ter filhos possam ‘adotar’ o nascituro diretamente das mulheres dispostas a abortar, financiando todos os custos envolvidos em uma gravidez, demovendo-as deste desejo que, no íntimo, não é verdadeiro, considerando que nenhuma mulher deseja realmente encerrar a vida fetal (ou mesmo embrionária), mas apenas exercer o legítimo direito de não ter filhos.
Reis Friede é desembargador federal, vice-presidente do TRF-2 e ex-membro do MP

reisfriede@hotmail.com