Eugênio Rosa de Araujo, Juiz federal e mestre em Direito Constitucional EconômicoDivulgação

Não há um governo no Brasil que, por desconhecimento talvez, deixe de confundir microcrédito com programas de endividamento puro e simples do microempreendedor, com quantias aparentemente pequenas. Existe uma ideia básica do microcrédito que é oferecer a pessoas na pobreza extrema, em situação desesperadora, uma oportunidade de empreender conhecendo sua vocação para um determinado negócio (serviço/comercio/indústria), através do acesso a um valor muito pequeno a ser emprestado por uma instituição financeira - pública ou privada - onde são cobrados juros muito pequenos, há ausência de garantias e prazos maiores para pagamento do valor emprestado.
A experiência do banco dos pobres em Bangladesh pelo economista Yunus foi um sucesso. O banco ia ao encontro de mulheres chefes de família em situação de miséria absoluta, oferecia ajuda para entender a vocação a um determinado negócio, o contexto das necessidades dos eventuais clientes, elaboração do plano de negócio, empréstimo de dinheiro e acompanhamento do desenrolar da atividade da empreendedora. Detalhe importantíssimo: o índice de adimplemento do pagamento do empréstimo é de 97%, lembrando que não são exigidas garantias.
O que tem sido oferecido no Brasil - por instituições públicas e privadas - com o nome de microcrédito nada mais é do que um empréstimo comum com juros normais, prazos pequenos, garantias comuns e valores altos para uma pretensa clientela de poucos recursos. O que mais impressiona é que, de regra, já se exige que o negócio esteja em andamento. Ora, se já está em andamento o banco não se engaja no sucesso do empreendedor. Apenas espera que ele pague ou que a garantia seja acionada.
Por outro lado, exigir garantia de uma mulher chefe de família em situação de extrema pobreza, que não tem onde morar e geralmente com filhos para alimentar chega a desafiar nossa capacidade de entender até onde pode chegar o descompromisso com a sociedade. É verdade que o Congresso Nacional editou em 2019 a Lei Complementar 167, disciplinando o microcrédito e a criação da Empresa Simples de Crédito (ESC). O que chama atenção, no entanto, é a completa ausência de qualquer indicação que se aproxime da realização de orientação conjugada com investimento de prazo de pagamento longo, ausência de garantias, juros muito baixos e o direcionamento para empreendedores em estado de miséria absoluta.
O Brasil está, há décadas, lutando com índices alarmantes de analfabetismo, miséria e corrupção. Não há mais como esperar por governos que se sucedem no poder. Esse modelo no Brasil está esgotado. A esperança fica por conta de, no caso do microcrédito, a sociedade se organizar para implementar iniciativas que viabilizem, ao menos, empréstimos com orientação para negócios voltados para mulheres chefes de família que estejam em situação de extrema pobreza.
Se alguma instituição financeira privada puder iniciar um pequeno projeto piloto, em um pequeno e pobre município, oferecendo orientação e recursos (muito pequenos) para pequenos grupos de mulheres chefes de família, em situação de miserabilidade extrema, talvez, em algumas décadas, possamos resgatar um pouco os séculos de miséria extrema existente no Brasil.
Em resumo: mais microcrédito e menos empréstimos.

Eugênio Rosa de Araujo é juiz federal e mestre em Direito Constitucional Econômico