André Esteves - Diretor Executivo do Instituto Cyclusdivulgação

O momento sublime da liderança é a demissão — frase que não canso de repetir em todas as aulas, treinamentos, capacitações, palestras e lives de que participo. Virou um mantra. Ao longo da pandemia da covid-19, isso ficou muito mais evidente. Inclusive porque o modelo de trabalho híbrido ou em home office, implementado com ênfase nesse período, abriu uma oportunidade para que colaboradores fossem dispensados e/ou “descartados”, de forma virtual.
A regra número um em gestão de pessoas é que ninguém deve ser demitido de surpresa. A demissão é o último estágio de um processo que envolve várias etapas de sinalização, que começa com uma periódica avaliação de desempenho.
Para organizações e líderes sem empatia foi a oportunidade ideal para fugirem de sua responsabilidade social. Demitir, normalmente, dá muito trabalho para os líderes. Principalmente, nos casos em que o colaborador trabalhou muito tempo na organização, criou vínculos e identidade. Quando seu liderado sai te agradecendo e reconhecendo que no momento e nas circunstâncias expostas não havia uma alternativa, isso não tem preço. Missão cumprida com louvor, caso cada vez mais raro.
Ao contrário, os relatos contam de demissões sendo feitas por terceiros, ou seja, alguém que não conhece sua história e trajetória. Pior, a pessoa começa dizendo: “Você não me conhece e eu não tenho uma notícia muito boa para te dar”. Como assim? Se não me conhece já é um bom motivo para não fazer tal contato. O que vai dizer? Que critério foi utilizado? Quem vai responder às eventuais dúvidas que eu tiver? É muito importante saber o motivo pelo qual você está sendo desligado de suas funções. É o mínimo que se espera num momento como esse.
Vishal Garg, presidente da Better.com, anunciou em um webinar pelo Zoom na semana passada: “Se você está nesta conferência, faz parte do grupo azarado que está sendo demitido”. Estavam 900 colaboradores. Azarado foi ele que teve esse episódio gravado pela rede CNN e correu o mundo. Depois disso, veio a público, em 48h, e se desculpou pela forma vergonhosa e desrespeitosa como procedeu. Casos como esses acontecem todos os dias no varejo das empresas e instituições mundo afora.
Pesquisas apontam grande frustração de subordinados com seus líderes. A principal reclamação é a falta de inspiração. Muitas vezes o que está em questão não é o conteúdo e sim a forma. É absolutamente compreensível que as organizações precisam melhorar sua performance, desenvolver potenciais, buscar talentos, reduzir custos, aperfeiçoar continuamente seus produtos e serviços. Sempre foi assim. Faz parte do jogo.
Claro que há colaboradores acomodados, na zona de conforto e sem motivação. Evidente que vários precisam ser substituídos. Alguns já deveriam ter saído há muito tempo. A questão não é corporativista. É humana, acima de tudo. Esgotadas as tentativas de melhoria de desempenho, os feedbacks sobre performance técnica e comportamental, a avaliação de meritocracia e as perspectivas futuras, não haverá outra posição a tomar. Ou mesmo que o corte seja decorrente de uma redução de custos, ou substituição de mão de obra mais em conta, será inevitável demitir.
O colaborador demitido precisa entender os motivos que o levaram à demissão. Refletir sobre isso e corrigir eventuais gaps. Sair do processo fortalecido para um novo ciclo e com a autoestima elevada para enfrentar os futuros desafios. Nesse contexto a presença do líder é essencial. Um recado para aqueles que estão se prestando ao papel de demitir colaboradores sem o menor respeito e dignidade: amanhã pode ser você a estar do outro lado da linha, da tela, ou da mesa. A vida corporativa não é plana e dá muitas voltas. Pense nisso e tenha mais empatia.
André Esteves é professor universitário e diretor executivo do Instituto Cyclus