Paulo Sérgio Niemeyer é arquiteto, presidente do Instituto Niemeyer, conselheiro estadual da Cau (Conselho de Arquitetura e Urbanismo). Divulgação

Convivi com o arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) e ele sempre me falava sobre sua opção religiosa. Contou que durante sua juventude tinha morado na casa de seus avós, os Ribeiro Almeida, no bairro de Laranjeira. Sua avó era muito católica, tinha um oratório, e a missa era rezada aos domingos em casa. Com 20 anos, ele trabalhou como voluntário no Socorro Vermelho, onde um grupo de comunistas recolhia donativos para distribuir entre os mais pobres pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro.

Já arquiteto, ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e se tornou militante de causas humanitárias. A ideia de um Deus todo-poderoso havia desaparecido do seu pensamento. Lembrava com carinho dos amigos daquele tempo, a maioria católicos, dizia que eram pessoas boas. Só não entendia por que eles não se revoltavam contra a pobreza como ele.

A Igrejinha da Pampulha, como é chamada carinhosamente pelos mineiros, obra do carioca Oscar Niemeyer, que se tornou símbolo do Estado de Minas Gerais, foi elevada a Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis recentemente, quase dez anos depois de sua morte. Ela é uma das principais obras de Niemeyer no Conjunto arquitetônico da Pampulha, reconhecido como Patrimônio Mundial desde 2016.

A história desse templo modernista se entrelaça com a história de Belo Horizonte no período em que Juscelino Kubitschek foi prefeito da capital mineira e convidou Niemeyer para fazer um projeto para a Pampulha, antes da construção de Brasília.

Obra nada convencional, a Igreja causou estranheza e muita polêmica quando foi erguida em 1943. Pela primeira vez traços e curvas em concreto foram utilizados em uma edificação católica no Brasil. Niemeyer se inspirou nas serras e montanhas de Minas para criar as cinco cúpulas. E colocou São Francisco ao lado de um cão, em vez do tradicional lobo, o que incomodou.

O fato de Niemeyer se declarar comunista agravou ainda mais a situação e ele foi acusado de fazer apologia política. Por isso, a Igrejinha ficou quase 16 anos fechada. Em 2018 foi restaurada e em 2019 foi reaberta ao público. Atualmente recebe cerca de 1.550 pessoas/mês, e com a elevação a santuário e o fim da pandemia, a expectativa é a de que mais pessoas visitem o espaço.

Fico imaginando o que diria Oscar Niemeyer se soubesse que a sua outrora rejeitada igreja agora é um santuário. Acho que ele ficaria feliz. E como ele valorizava o debate sobre as cidades, provavelmente estaria preocupado com os problemas ambientais no entorno da Igrejinha. Espero que esse título de Santuário ajude a resolver a poluição da Lagoa da Pampulha, que até hoje recebe esgoto de quase 20 mil famílias de Contagem e Belo Horizonte.
Quem diria que a obra projetada por um arquiteto “comunista” seria consagrada como santuário da religião católica!
Paulo Sérgio Niemeyer é arquiteto, designer, Conselheiro Estadual da CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), e presidente do Instituto Niemeyer, criado para divulgar a obra e legado do arquiteto.