Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação

A guerra na Ucrânia completa um ano e não há ainda nenhum sinal de acordo de paz no horizonte. Na verdade, após dezenas de milhares de mortos, milhões de refugiados e toda sorte de abusos e violações do direito internacional humanitário, não parece haver qualquer disposição por parte dos governos russo ou ucraniano em buscar uma solução negociada para o conflito. Os dois lados seguem trocando acusações e fazendo demonstrações de força por meio de discursos carregados de retórica belicista e inflamada.

Os países ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, mantêm o apoio econômico e militar à Ucrânia, com pacotes de vários bilhões de dólares e envio recorrente de armamento, fatores fundamentais para a resistência ucraniana e para impedir a vitória russa. Faltam, contudo, ações concretas a favor da paz, buscando-se apenas o isolamento crescente da Rússia por meio de sanções e resoluções aprovadas em espaços multilaterais como a ONU.

De fato, o discurso ocidental limita-se a apontar responsabilidades russas, revelando um tom acusatório e maniqueísta que divide o mundo entre aqueles que defendem as liberdades e a democracia, de um lado, e a Rússia e demais países com inclinações despóticas e autoritárias, de outro. É a velha e desgastada lógica do bem contra o mal que em nada contribui para paz e estabilidade internacionais.
À margem dessa lógica coloca-se o Brasil, que embora tenha condenado a invasão russa, por considerá-la contrária ao direito internacional e atentatória contra os princípios de soberania, não intervenção e integridade territorial, opta por uma postura mais equilibrada em favor da busca por uma solução negociada. Assim, a diplomacia brasileira tem resistido às pressões de parceiros europeus e dos Estados Unidos para o envio de armamento à Ucrânia, bem como mantém-se distante da política de sanções e isolamento da Rússia. O novo governo Lula tem insistido, inclusive, na necessidade de se atuar em favor de uma "paz abrangente, justa, e duradoura”, com a possível mediação do país ao lado de outros como México, Índia, África do Sul e Emirados Árabes.

O Brasil tem, de fato, larga tradição em defesa da paz e da solução pacífica de controvérsias, desempenhando papel relevante na mediação de conflitos, mas essencialmente no espaço latino-americano. Uma disputa entre Rússia e Ucrânia parece extrapolar as capacidades do país, até por ocorrer em geografia distante da nossa influência e protagonismo, algo semelhante ao que se dá na questão israelo-palestina, onde também já nos colocamos diversas vezes como potenciais mediadores, mas nunca tivemos qualquer incidência maior. De qualquer forma e apesar de todas as dificuldades, vale o esforço em favor da criação de espaços de diálogo e entendimento entre as partes beligerantes, além de o Brasil ter boas relações com ambos os lados.
Ao longo dos doze últimos meses, o mundo certamente ficou mais perigoso e os antagonismos entre potências nucleares se acentuaram. A Rússia decidiu há pouco suspender sua participação no Novo Start, o último acordo de controle de armas estratégicas que mantinha com os Estados Unidos; a China foi acusada por Washington de estar cogitando transferir armamento letal para os russos no contexto da guerra, algo negado pelo governo chinês; e, enquanto Biden faz nova viagem à Europa para afirmar a unidade da OTAN diante de ameaças à ordem internacional, Beijing e Moscou reafirmam parceria sólida e objetivos compartilhados em favor de um mundo mais pós-ocidental.

Definitivamente, a guerra na Ucrânia é apenas um dramático espaço de tensões para disputas muito mais amplas e ameaçadoras.
Paulo Velasco é professor de Política Internacional da Uerj