Na mesma calçada do hotel em que eu estava hospedado, havia um pequeno restaurante com mesas antigas e quadros com fotos de outros tempos na parede. Havia uma caixa registradora, também antiga, e uma porta de madeira que dava para a cozinha. E, também, uma divisória com treliças leves de vidro, que separavam o caminho para os banheiros. O piso era de ladrilhos geométricos, muito bem limpos, como se preparados para receber.
As luzes, em alguns pontos, beiravam a um breu. Em um dos cantos, uma poltrona vazia, com alguns livros ao lado; e, em um outro, um piano e uma cantora. Foi a voz da cantora que me fez entrar. Um velho garçom sugeriu uma mesa, eu escolhi outra. Queria ficar mais perto da cantora. A penumbra sobre ela dificultava maiores identificações. Eu via a voz. Eu ouvia a voz. O resto, eu sentia.
Pedi quase nada de comida. Já havia comido antes, no próprio hotel. Além do garçom, um senhor no caixa. Que ia até a cozinha com alguma frequência e, com a mesma frequência, olhava pela porta a noite passando. Fiquei curioso de conhecer quem cozinhava. Esqueci a curiosidade e fantasiei histórias sobre a cantora.
Não estava muito tarde nem muito cedo e não havia ninguém. O calor do dia já havia amainado. Uma lua bonita enfeitava o céu e se deixava ver pela janela aberta não muito distante da porta de entrada do restaurante. Perguntei ao garçom se ela cantava sempre. Ele respondeu que só quando ela queria. Eu insisti perguntando se não havia alguns dias fixos, como é comum em restaurantes. Ele apenas disse que não. Pedi um purê de batatas com cogumelos e água. Ele perguntou se eu queria pão. Eu disse que sim. Nem sei por quê. Eu sei que não queria dizer ‘não’.
A voz da cantora era bonita, mas não era extraordinária. O cenário era. A penumbra. O que eu via da roupa. Fui ao banheiro para passar mais perto. E consegui sentir uma face bela que não se deixava apanhar pelas letras duras das canções de amor que ela cantava. Havia maquiagem em excesso, certamente, e que, certamente, combinava com a noite. Cílios colocados. Um tule preto no cabelo, combinando com o vestido de pedrarias. E o perfume que me lembrava de algum perfume de algum outro lugar.
Fiquei esperando que ela parasse de cantar, o que é comum aos cantores que cantam em restaurante. Alguma pausa. Pedi manteiga, não sei por quê, embora goste de pão com manteiga. Ela costurava uma música na outra sem muito espaço para interrupções. Apenas eu aplaudia. E ela não reagia. O garçom e o senhor do caixa pareciam estar acostumados com o vazio.
Perguntei ao garçom se eu poderia pedir alguma música a ela. Era uma noite de luar bonito. O garçom disse apenas que não. Era ela quem decidia o que cantava. Eu gostei da resposta. Gostei dos caprichos da cantora. Pedi dois cálices de vinho. Ele trouxe. Pedi que levasse um a ela. Ele franziu a testa e levou.

Ela olhou para o vinho colocado sobre o piano e prosseguiu sem demover de si nem o canto, nem o dedilhar pelas teclas que faziam música. Pedi um doce qualquer de sobremesa. Perguntei ao garçom o horário que ela encerrava. E a resposta foi previsível, quando ela quisesse. Fui mais enfático perguntando se eles não fechavam o restaurante. Ele disse apenas que sim. Eu insisti, perguntando o horário. Ele não disse.
Quem é essa mulher que canta para ninguém? Que parece não precisar de aplausos? Finalmente, ela parou de cantar, tocou o encerramento da música e fechou o piano. Meu coração bateu em descompasso. Ela pegou o cálice com o vinho e olhou para mim. E bebeu sem sorrisos.

Eu, imediatamente, peguei o meu, com o pouco que restava e bebi sorrindo para ela. Ela deixou o restante na minha mesa e partiu, antes que eu tivesse a ousadia de algum convite. Eu pedi a conta e decidi ir atrás dela. O tempo da conta foi o suficiente para ela desaparecer na noite.
Andei mais rapidamente sem saber para onde. Ela estava parada em uma esquina. Nos olhamos. Nenhuma palavra. A luz mostrava um perfurado feito cicatriz no caminho entre o seio e o rosto. Nos caminhos, há cadafalsos, há pedras, há deslizes. E há, também, desistências. Nem sempre desistimos.
Ela percebeu que eu percebi. Levou as mãos e me fez entender que não era assunto meu. Elogiei o seu canto. Ela perguntou exclamando sobre o seu canto. Talvez dissesse não o canto da voz, mas o canto da dor. Beijou um beijo leve e disse que precisava ir, quando o sino da Igreja badalou o fim do dia.
Quis ter alguma iniciativa e salvar a mulher do que eu nem sabia. Nada fiz. Voltei para o hotel. Abri a janela do quarto e, deitado, olhando para a lua, fui desligando os olhos. E, no vazio, entre os olhos abertos e os olhos fechados, a imagem dela prometia um sonho sem respostas.