Por gabriela.mattos
Rio - Para evitar o confronto, quadrilhas ligadas às maiores facções criminosas do Rio fizeram um acordo inédito: os bandos passaram a lotear e demarcar territórios onde atacam veículos de cargas. A informação, investigada pelos setores de inteligência das polícias Civil e Militar, e de conhecimento do Sindicato de Transporte Rodoviário de Carga e Logística, preocupa os empresários e trabalhadores do setor, que já amarga um recorde histórico: 7.439 casos registrados no estado de janeiro a outubro deste ano (22,7% a mais que o mesmo período de 2015).
Polícia Rodoviária Federal realiza monitoramento constante de rodovias que cortam a cidade para identificar ataques a motoristas de caminhãoDivulgação

De acordo com levantamento do Departamento de Segurança do Sindicargas, contando apenas os dias úteis, pelo menos uma carreta é levada a cada 20 minutos por traficantes, que passaram a “entrar no rentoso negócio”, além de traficar drogas, a partir de 2013. “Os prejuízos são incalculáveis. A situação está fora de controle”, lamenta o coronel Venâncio Moura, diretor de Segurança do Sindicargas.

De acordo com informações da polícia, as investidas das facções Comando Vermelho (CV), Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando Puro (TCP) aumentaram por conta de operações contra o tráfico nas favelas. Monitoramento confidencial mostra que enquanto bandidos levam uma semana para ganhar R$ 1 milhão vendendo drogas no Complexo da Maré, entre as comuniddes da Baixa do Sapateiro e Nova Holanda, o mesmo valor é faturado num só dia roubando cargas na região da Pavuna, por exemplo.

A violência imposta pelas quadrilhas já ameaça o abastecimento de alguns produtos na capital. “Motoristas de Santa Catarina (que geralmente transportam carnes), e de São Paulo (que carregam bebidas) estão se recusando a trafegar nas estradas do Rio. O desabastecimento de alguns itens pode ocorrer”, alerta Moura, lembrando que cigarros, frigoríficos e eletroeletrônicos também estão entre os produtos mais visados. O assunto foi um dos temas do Fórum de Combate e Prevenção ao Roubo de Cargas, na Associação Comercial do Rio, que reuniu autoridades e empresários do setor na sexta-feira.

‘Quase me mataram. E meus patrões e a polícia ainda ficaram desconfiados’

X., de 49 anos, que transporta 30 toneladas de frango de Santa Catarina para o Rio semanalmente, diz que vai parar de fazer a rota. “Fui rendido na Via Dutra no mês passado. Levaram meu caminhão para o Complexo da Pedreira (em Costa Barros) e eu para uma outra favela, de olhos vendados. Quase me mataram, pois não conseguiam abrir o baú, protegido por sistema eletrônico. Explodiram a lataria para roubar a carga. Pior: meus patrões e a polícia ainda ficaram desconfiados, insinuando um possível envolvimento meu com os ladrões. Parei”, desabafou.

A polícia se queixa de uma legislação mais rigorosa contra ladrões de cargas, alegando que muitos suspeitos costumam ser detidos roubando cargas até duas vezes em um período de três meses. Só nas dez rodovias federais que cortam o estado, onde ocorre um assassinato a cada dois dias e meio, conforme O DIA mostrou recentemente, foram recuperados 504 veículos pela PRF de janeiro a novembro, período em que a instituição efetuou a prisão de 3.686 (11 por dia, em média) suspeitos de envolvimentos com crimes, especialmente roubos de cargas. Três vezes mais que todo o ano de 2015.
A Polícia Civil, através de sua assessoria de imprensa, não retornou aos telefonemas e emails da reportagem com pedidos de informação sobre a atuação da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC).
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Crise afeta ações da polícia

Durante o Fórum de Combate e Prevenção ao Roubo de Cargas sexta-feira na Associação Comercial, o superintendente do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), George Freitas, afirmou que o aumento de roubos de carga ocorre pela “disseminação da cultura do medo" e que a maioria dos criminosos não é ligada às quadrilhas, mas recrutados por elas para ataques.
"Em alguns casos, eles assaltam até desarmados”, argumentou, admitindo que o número de roubos de cargas pode chegar a 9 mil até o final do ano.
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Durante o encontro, que reuniu empresários, representantes das polícias, além do deputado federal Hugo Leal (PSB), ficou claro que as dificuldades financeiras do estado estão atrapalhando as operações. De 16 blindados que as policiais do Rio possui, nove estariam parados por falta de manutenção, que não passaria de R$ 100 mil. Nova reunião para se discutir soluções foi marcada para o dia 16. Leal disse que a Câmara Federal batalha mudanças na lei, para diferenciar e aumentar as penas para ladrões de grandes cargas, entre outras iniciativas.