Stacy foi a vencedora do Slam que aconteceu na FLUPPedro Ivo/ Agência O Dia
O evento, que teve sete dias de duração, reuniu as maiores competições de slams das Américas e contou com uma programação de mesas de debate em homenagem às obras de Lima Barreto, com transmissão dos jogos do Brasil e shows diversos.
Antes, Otávio ter a ideia de criar a primeira biblioteca comunitária no Complexo do Alemão e na Penha ao ver o desinteresse dos amigos na leitura. "Eu trabalho há mais de 15 anos com projetos de incentivo à leitura. Iniciei minha trajetória no Complexo da Penha e Alemão e, como grande apaixonado por livros, não via o mesmo desejo dos meus primos e amigos da mesma faixa etária que eu, ou até mais novos. Então, minha ideia era levar a movimentação do que eu via nas apresentações culturais para a favela", disse. Antes, a biblioteca era itinerante, mas, atualmente, ela está localizada em uma creche dentro do Alemão, em uma salinha de leitura.
Além da biblioteca, o escritor também destacou outro projeto de sua autoria chamado "Ler é 10", criado em 2003 mas oficializado apenas em 2007. "A ideia era viabilizar o acesso à leitura na Penha e no Alemão. Eu percebi que uma forma de trazer as crianças para o universo da leitura era a partir de atividades lúdicas, como contação de histórias e tudo mais, mesclando interatividade" declarou.
Otávio tem o costume de dizer que sua história é de um menino que tinha outros sonhos, ligados ao esporte, mas que foi encantado pela literatura. "O campinho, lugar onde achei o livro que me mudou, era um cenário que eu visualizava um futuro através das minhas práticas esportivas. Como todo menino brasileiro, que sonha em jogar em uma equipe profissional, a influência da arte era muito forte em mim também. Quando a minha chave virou, me vi imerso no universo dos livros e percebi como foi importante para mim essa transformação. Depois, comecei a pensar em ações para promover a leitura em regiões periféricas, justamente porque eu vi o benefício na minha vida".
As batalhas de slam são competições de poesia, realizadas no espaço público, em roda e de forma gratuita. Apesar da existência de diversos tipos de formatos, o objetivo é, em geral, declarar poemas de autoria própria da pessoa que recita. Nesta edição da Flup, a atividade foi um dos principais eventos, contando com artistas do ensino médio de escolas públicas da Maré.
"O ambiente popular da Maré, das favelas, é cultural e tem sido também o lugar das ações afirmativas. Existe algo que está mudando neste país e que passa para essa juventude escolarizada. A gente encontrou muitos poetas no ensino médio das escolas públicas da Maré. Precisamos dar destaque a isso, o mundo precisa ver o talento deles", acrescentou Júlio. "A lógica que a Flup segue é oferecer rede para esses jovens para que possam operar e circular nas cidades. É o debate do território, não tem ônibus, não tem metrô na Cidade de Deus que os leve até o Teatro Municipal, por exemplo. Acredito que a arte influencia, o livro não vai ser esquecido, assim como um filme. Há conteúdos que não são apagados da nossa cabeça, por isso fazemos essa troca", concluiu.
Thainã ressaltou ainda que as festas nas favelas são mais democráticas, como o baile funk, que não precisa pagar nada, diferente de outros tipos de eventos que não acontecem nas comunidades. "O maior baile funk do Rio é o da gaiola e não precisa pagar nada para ir. No entanto, se você faz essa versão de festa fora da favela, é necessário pagar. Onde está a democracia nisso? Há muitos movimentos literários dentro das favelas, mas eles são pouco reconhecidos. Seja uma biblioteca comunitária que alguém fez, uma simples arrecadação de livro para distribuir ou escritores maravilhosos. O próprio livro na favela é um elemento de distinção. Tenho amigos que colocam livros dentro de casa para que a polícia, quando invadir, veja que ali mora um estudante", finalizou.
Posto da Polícia Militar vira biblioteca
Nascido e criado na favela de Antares, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, Jessé da Silva Dantas, 41, nunca foi muito interessado por literatura, até ler seu primeiro livro aos 24 anos, um romance chamado "No Coração do Comando". De tanto que gostou, ele leu de uma vez em um dia. A partir disso, Jessé passou a comprar outros livros, principalmente aqueles que abordavam o cotidiano da favela.
A paixão pela leitura passou também para a escrita. O jeito de Jessé contar histórias era diferente do tradicional, fazendo-o ficar conhecido como autor marginal, por causa da literatura marginal. Por causa de seu estilo literário, passou a ser convidado para alguns eventos culturais também, até que em 2014 criou um projeto chamado "Marginow", com o objetivo de dar visibilidade a artistas marginalizados.
Em 2019, quando estava gravando um filme sobre o assunto, ele foi informado pelos moradores da comunidade que um posto policial havia sido desativado. Foi então que surgiu a ideia de montar uma biblioteca no local. "Quando terminamos a filmagem, eu fui falar com a associação de moradores, depois conselho de segurança da região, fui até o batalhão, prefeito, governador, perguntei para todo mundo se eu poderia usar o espaço como um espaço cultural, uma biblioteca. Como ninguém disse que não, eu decidi dar prosseguimento e assim surgiu o primeiro centro cultural de Antares", informou.
Jessé não concordava com o fato do Brasil ser conhecido por ser um país de pessoas que não leem, então, passou a criar ações de militância para incentivar a leitura. "Muita das vezes é falta de acesso a livros e não falta de interesse. Esse desafio de pegar um posto policial, voltado para a segurança, para fazer a paz com armas de fogo, me motivou muito. O lugar agora é um ambiente de cultura, de paz feita com livros, arte, dança e filme".
O escritor contou que a sua maior felicidade foi ouvir uma mãe, ao brigar com a sua filha, falar que o castigo seria não deixá-la ir a biblioteca. "Quando eu ouvi isso fiquei surpreso. Antigamente, o meu castigo era justamente ir para a biblioteca, mas hoje não. Aquele foi o dia mais importante para mim porque eu vi que o projeto estava alcançando as pessoas".
Diversas atividades são organizadas no espaço, como sarau, batalha de rima, contação de histórias, apresentações e, no período de natal, a visita do Papai Noel. Tudo é feito com a ajuda dos moradores.
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