Justiça encurtou prazo de 20 dias para 24 horas em ordem de despejoReprodução

Rio - Cerca de 70 famílias que ocupam há 28 dias um imóvel abandonado há anos no Centro do Rio foram surpreendidas nesta quinta-feira (15) com uma ordem de despejo com prazo de 24 horas. A determinação ocorre em meio a negociações para que o grupo seja acomodado em moradias pelas secretarias municipal e estadual de Habitação.

A Justiça tinha dado um prazo de 20 dias para a desocupação do imóvel, que se encerraria no dia 10 de janeiro. "As negociações estão andando. A Secretaria Estadual de Habitação havia garantido a construção de 150 moradias no Centro ou a designação de algum imóvel como opções provisórias, com a locação social de algum prédio público", afirma Paula Guedes, coordenadora do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).
Na decisão desta quarta-feira (14), no entanto, o desembargador Francisco de Assis Pessanha Filho reviu o que havia arbitrado a 1ª instância da Justiça. A 50ª Vara Cível da Comarca da Capital havia concedido 20 dias para a desocupação. Na 2ª instância, o magistrado da 14ª Câmara Cível encurtou o prazo para 24 horas. Ele afirmou que o tempo conferido na 1ª instância era "exagerado".
"Não é plausível esperar que quem ocupa um imóvel, ao arrepio da legislação pátria, o desocupe em ato voluntário, mormente quando se estabelece um exagerado prazo de 20 dias úteis, cujo efeito prático equivale a manutenção irregular da posse", escreveu.
PM cerca ocupação Luiz Gama no Centro do Rio - Reprodução
PM cerca ocupação Luiz Gama no Centro do RioReprodução
O Ministério Público Federal enviou um ofício ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro defendendo a manutenção do prazo de 20 dias úteis para desocupação pacífica e voluntária do imóvel localizado na Rua Alcântara Machado, no Centro do Rio. A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, do MPF, afirmou que busca estabelecer um diálogo com todos os atores envolvidos, inclusive com a Polícia Militar e os ocupantes.
O objetivo é estabelecer com os órgãos de habitação uma alternativa aos ocupantes ou inclusão em políticas públicas de moradia. Na avaliação do procurador regional dos direitos do cidadão Julio Araujo, a decisão do juízo de primeiro grau "tem se mostrado bastante eficaz para oferecer uma solução pacífica para o caso, pois permitiu o diálogo entre os atores sociais e institucionais envolvidos e a construção prévia de um acordo que não só viabilize a desocupação, mas também evite que as forças de segurança tenham de valer-se do uso da força para retirar os ocupantes."

Duas reuniões já foram realizadas com órgãos públicos e representantes da ocupação, e uma terceira está agendada para esta quinta (15). No ofício ao desembargador Francisco de Assis Pessanha Filho, a procuradoria ressalta a importância da manutenção do prazo de 20 dias úteis, da Justiça do primeiro grau, como oportunidade para a construção de uma solução dialógica com todos os autores envolvidos para desocupação pacífica e voluntária do imóvel.
O prédio de quatro andares fica na Rua Alcântara Machado, 24, na região entre a Praça Mauá e a Candelária, no Centro do Rio. As famílias em situação de déficit habitacional são compostas por trabalhadores como ambulantes, domésticas, cuidadores de idosos, pedreiros, crianças e aposentados. O grupo ocupou o imóvel em 16 de novembro e busca uma solução permanente ou transitória com o Estado do Rio.
"Queremos dialogar com o desembargador para que seja respeitado o prazo de negociação. O nosso objetivo não é ficar nesse prédio ou depredá-lo. Nosso objetivo é conseguir alojar essas famílias. Não deixá-las despejadas durante o Natal", reivindica a coordenadora do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Paula Guedes.
Na decisão que antecipou o despejo para 24 horas, o desembargador Francisco de Assis acrescentou que casos referentes a ocupações têm sido frequêntes no tribunal e afirma que os atos "vilipendiam o direito fundamental à propriedade". O magistrado autoriza inclusive o arrombamento e auxílio de força policial durante o despejo.
"Nesse ponto, é mister asseverar que casos referentes a ocupações irregulares por grupos vulneráveis têm se tornado corriqueiros nesta Egrégia Corte de Justiça, em que se vilipendia o direito fundamental à propriedade, sendo necessária a imediata intervenção do Poder Judiciário, com o desiderato de manter a ordem pública", afirmou o desembargador Francisco de Assis.
Na outra ponta, o movimento social conclama o direito humano à moradia digna. Nesta quinta-feira, as famílias denunciam que foi reforçado o policiamento no local. "Hoje estão impedindo a circulação na rua e isolando as famílias", diz Paula.

O grupo é apoiado juridicamente pela Defensoria Pública, pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ e por núcleos de advocacia popular.
O Governo do Estado afirmou que continua participando das negociações e segue com o compromisso de construir novas unidades habitacionais no Centro do Rio a fim de atender as famílias que se enquadram nos critérios do Programa Casa da Gente, criado para combater o déficit habitacional do estado. O Governo acrescenta que conta com a participação do município na identificação de um terreno disponível na região para que a construção dessas moradias possa ser efetiva.
Procurada, a Polícia Militar disse que desde o dia 16 de novembro até a manhã desta quinta-feira (15), policiais do 5° BPM (Praça da Harmonia) intensificaram o policiamento na Rua Alcântara Machado, localizada na região Central da Cidade do Rio de Janeiro, devido a uma invasão em um edifício localizado no referido endereço. De acordo com o comando da unidade, os agentes estão "reforçando o policiamento no entorno do prédio e evitando que um novo grupo de invasores acesse o interior do imóvel, a fim de garantir o cumprimento de uma decisão judicial que estabeleceu um prazo de 24h para a desocupação do imóvel".
A PM informou ainda que a propriedade invadida está localizada nos arredores do cofre do Banco Central e portanto, a Corporação segue atuando para "preservar a segurança pública nacional, bem como a integridade física de todos os envolvidos no conflito, principalmente de crianças e idosos". Até o momento, não foi necessário o uso da força.
A Justiça do Rio afirmou que a decisão da 14ª Câmara Cível no recurso para retomada do imóvel foi enviada para conhecimento do juízo da 50ª Vara Cível.
A Secretaria Municipal de Assistência Social disse que só atua em casos de desocupação em propriedade privada mediante determinação judicial. Mesmo sem receber essa determinação, a SMAS em alinhamento com a Secretaria Municipal de Habitação fez o diagnóstico socioassistencial e identificou 22 famílias sem Cadastro Único no prédio.
"O CRAS Dodô Portela está articulando com as famílias para realizar a inscrição de todas, prestando todo o atendimento socioassistencial necessário", informou a secretaria, que ainda reforçou não ter recebido qualquer informação ou notificação judicial sobre "despejo".