Paciente teve o braço amputado, mas não sabe o que levou a perda do membroArquivo pessoal

Rio - "O que mais me dói é não poder cuidar do meu filho como eu cuidei dos outros", relatou Gleice Kelly, de 24 anos, que teve a mão e o punho esquerdos amputados após ir ao Hospital da Mulher Intermédica de Jacarepaguá, na Zona Oeste, dar à luz em outubro do ano passado.

Mãe de três filhos, ela contou, em entrevista ao DIA, que o seu mais velho, hoje com oito anos, não entende bem a situação e ainda fica retraído. No início, a criança precisou passar por um psicólogo para lidar com as mudanças.

"O meu filho de quatro anos não entende muito, então, para ele, qualquer coisa é certo. Ele acha que a minha mão foi dar uma volta, se perguntar 'cadê a mão da mamãe?', ele vai responder que está andando. Já o de oito anos teve uma resistência, no hospital, quando ele foi me visitar, não chegou perto de mim. Ele não chegava do lado do meu braço de jeito nenhum. Ele já me perguntou se minha mão ia crescer e até hoje não passa perto do braço. O de quatro anos, por não entender, fica mais próximo, brinca, passa a mão. Agora o meu de oito anos? De jeito nenhum. Não bota a mão, fica sempre do meu lado direito, nunca do esquerdo", lamentou.

Para ela, a situação a deixa constrangida, não só pela dificuldade de aceitação do seu filho, mas também por conta dos olhares que recebe na rua. "Para mim é difícil, porque eu não sei como está a mente dele. Ele estava indo no psicólogo, eu dei uma parada de levar porque ir na rua, para mim, é complicado. As pessoas olham e eu fico constrangida, porque eu tinha a minha mão. Mesmo que eu vá na rua e ninguém me olhe, eu já acho que está olhando, que vão zombar dos meus filhos".

Gleice também comentou sobre a sua nova rotina após a perda da mão e as dificuldades que vem enfrentando para se adaptar a realidade. Segundo ela, até mesmo prender os cabelos se tornou uma tarefa complicada.

"Eu não faço metade do que eu fazia, na verdade, eu não faço nada do que eu fazia. Por que eu não consigo dar banho no neném, eu já tinha dado banho nos meus outros filhos, eu não tenho como ir para a rua com ele sozinha para pegar ônibus. Então, agora eu tenho despesa com carro de aplicativo e levar meu marido para qualquer lugar que eu vou. Eu mudei a minha rotina e das pessoas mais próximas a mim. Isso me frustra, porque até para pegar meu filho no colo eu preciso pedir a alguém", desabafou.

Gleice Kelly trabalha como fiscal de caixa e precisava de suas duas mãos para o trabalho. No momento, em licença-maternidade, ainda não sabe como será seu futuro no emprego.

Além de todo o sofrimento, a mulher lamentou não ter conseguido amamentar o seu filho caçula por conta do tempo que ficou internada. "Eu não tive mais produção de leite, era como se eu tivesse sofrido um aborto".

Em seu relato, Gleice falou sobre precisar lidar com a dor de ter ficado longe dos filhos e precisar ser forte na frente deles, para que as crianças não acabem culpando o irmão mais novo pelo sofrimento da mãe. "Eu senti muita dor mesmo no braço, quando ele estava aberto, mas a minha dor maior foi ter que ficar longe dos meus filhos. E aí depois voltar com monte de dificuldade que eu não tinha, é mais difícil ainda. E o pior é que eu não posso sofrer, ficar demonstrando fraqueza, nem tristeza, porque eu não sei como o meu filho mais velho vai reagir. Se ele começar a ter uma raiva do irmão porque a mãe sofre depois de ter ele?"

Ação contra o hospital

A mulher ainda falou sobre a decisão de registrar um boletim de ocorrência contra o Hospital da Mulher de Jacarepaguá, na Zona Oeste, e entrar na Justiça contra a unidade após meses do ocorrido. Na época, o medo de perder o convênio ou ser maltratada por uma equipe era maior do que a vontade de exigir seus direitos.

"O boletim eu só fiz quando tive certeza de que não iria correr mais risco nenhum de emergência. Então eu dei andamento. Depois de tudo, como eles mudaram muito a minha vida e eu já tinha visto alguns relatos de que realmente aconteciam alguns tipos de erros lá e que ninguém passava para frente porque não tinha repercussão, não tinha nada, a minha história, eu nunca ouvi ninguém falar que foi ganhar um neném e perder a mão, eu, então, resolvi procurar uma advogada", assume.

Nesta segunda-feira (16), Gleice realizou um exame de corpo de delito na 41ª DP (Tanque), para apuração de lesão corporal culposa cometida pela unidade de saúde. O inquérito policial foi aberto na última quinta-feira (12).

Questionada se ela se arrependeu de ter procurado a unidade, a vítima se diz "amargamente arrependida" de sua escolha. "Eu me arrependo amargamente de ter escolhido aquele hospital e não foi por falta de aviso da minha família. Eu colocava aquela maternidade como a melhor e perdi minha mão. Tive meus dois primeiros filhos no SUS e nunca tive dor de cabeça. Eu não pude nem ficar com o meu filho. Eles me tiraram tudo que eles podiam. Tiraram a minha mão, tiraram o meu filho de mim, tiraram o meu direito de amamentar. Eles tiraram tudo, de todas as maneiras".

Por meio de nota, o Hospital da Mulher Intermédica de Jacarepaguá declarou que "está totalmente solidário com a vítima, e lamenta profundamente o ocorrido. Reitera o empenho em apurar com toda seriedade, transparência e atenção os procedimentos médicos e hospitalares adotados durante seu atendimento. Para tanto, solicitou ao Comitê de Ética Médico a coordenação desses trabalhos. Independente de tal apuração, o hospital vem mantendo contato com a paciente e seus representantes para prestar todo acolhimento possível e atender suas necessidades, assim como se mantem à disposição para que todos os esclarecimentos necessários sejam realizados."