Rio - "Saber que estão livres é assustador". Esta é a forma que Nathaly Flausino, tia do adolescente morto na Cidade de Deus, descreve a decisão que mandou soltar os policiais militares envolvidos na morte. Na última quinta-feira (28), a Justiça substituiu a prisão preventiva de Roni de Lima, Diego Leal, Aslan de Faria e Silvio dos Santos por medidas cautelares.
Ao DIA, Nathaly relatou que a família está indignada com a decisão. "Estamos tristes vendo a Justiça trabalhando contra a vítima. O sentimento é de revolta. Muita tristeza em saber que o T.M.F foi só mais um", lamentou a tia do jovem de 13 anos, que foi morto durante uma operação do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq), na madrugada do dia 7 de agosto.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou os militares pelo crime de fraude, pois, segundo a investigação, eles apresentaram uma pistola atribuída à vítima, indicando que o jovem estaria armado naquela madrugada. No entanto, o pedido de liberdade dos agentes foi realizado pelo próprio MPRJ.
De acordo com a decisão do juiz Leonardo Picanço, da Auditoria da Justiça Militar, não há mais a necessidade da manutenção da prisão preventiva dos policiais, já que todas as testemunhas foram ouvidas. Ainda segundo o magistrado, o crime de fraude é de menor potencial.
Em nota, o MPRJ informou que o "fundamento da prisão preventiva no caso de fraude processual, requerida pela Polícia Militar (PM) e endossada pelo MPRJ, era a conveniência da instrução criminal. Esta fase se encerrou com o depoimento das testemunhas de acusação". Por isso, o MPRJ explicou que o "Juízo da Auditoria de Justiça Militar entendeu substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares, como o Código de Processo Penal autoriza".
Com a decisão, Nathaly Flausino afirmou que acredita cada vez menos na Justiça. "Só confirma que trabalham sempre pro lado opressor e contra o pobre. Se o T.M.F fosse rico ou filho de famoso, os policiais estariam presos", afirmou.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) é a única defesa que representa a família do adolescente. Após a decisão da Justiça, o DIA procurou a DPRJ e a instituição informou que, por enquanto, "não vai se manifestar sobre o assunto".
Mesmo com suas solturas, os quatro policiais terão que cumprir uma série de medidas cautelares, como suspensão parcial do exercício de função pública e do porte de arma, proibição de contato com testemunhas ou qualquer pessoa relacionada aos objetos do processo, além da proibição de se ausentar do Estado do Rio de Janeiro.
Já Diego Geraldo de Souza, que comandava a equipe do BPChq, foi denunciado pelo crime de prevaricação e fraude processual por omissão. Segundo a denúncia do MPRJ, "ele omitiu-se diante do dever de vigilância sobre seus comandados, autorizando que eles atuassem de modo irregular, utilizando veículos e drones particulares durante a operação". O agente não foi preso, mas segue afastado de funções públicas.
Os policiais militares envolvidos na morte do adolescente ainda não foram denunciados pelo crime de homicídio e, por isso, ainda não há processo no Tribunal do Júri.
A mãe de T.M.F, Priscila Menezes, disse que já esperava esta decisão, mas ainda acredita na acusação de homicídio. "Eu esperava, mas as investigações de homicídio não acabaram. Eles foram soltos e isso não quer dizer que o processo chegou ao fim. Ainda tenho esperança na Justiça", disse Priscila.
Relembre o caso
T.M.F, de 13 anos, morreu depois de ser baleado por policiais do BPChq durante uma operação, na madrugada do dia 7 de agosto, na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio. Segundo o pintor Hamilton Menezes, tio do adolescente, a família teve acesso a uma câmera de segurança da região, cujas imagens mostrariam o momento em que um agente atira contra o jovem.
"Ele estava passeando em moto com um amigo por uma rua da Cidade de Deus, quando foram abordados já a tiros. Uma bala pegou na perna dele e ele caiu. [Pelas imagens], dá para ver o T.M.F no chão, ainda vivo, e o policial vai lá e executa", disse.
Um dia depois da morte do jovem, a PM retirou do ar uma postagem que criminalizava o menino. A exclusão aconteceu após a Defensoria Pública do Rio (DPRJ) entrar com uma ação judicial. Segundo a PM, o comando da corporação decidiu retirar a publicação, pois entendeu que o caso está sob análise e investigação. O post, feito às 5h44 do dia 7 de agosto, afirmava que "um criminoso [havia ficado] ferido ao entrar em confronto". Mais de um milhão de pessoas viram.
Em agosto, a Corregedoria da PM indiciou os policiais envolvidos na ação. A investigação apurou que houve fraude processual, omissão de socorro e abuso de autoridade. O inquérito apontou que os agentes omitiram o socorro do menino e divulgaram informações incompletas "por livre e espontânea vontade" para atrapalhar a investigação sobre o caso. Na decisão, a Corregedoria destacou que, se os policiais ficassem soltos, eles seriam capazes de apagar evidências do crime e pressionar testemunhas.
A investigação descobriu que os PMs usaram um carro descaracterizado durante a ação. O veículo era de um dos policiais. O fato foi relatado por familiares da vítima que conseguiram imagens de uma câmera que gravou uma perseguição entre o carro e a moto onde o menino estava na carona.
Sob forte comoção, T. M. F. foi enterrado no início de agosto, no Cemitério da Pechincha. O caixão ficou coberto por desenhos e recados escritos por colegas do rapaz, além de camisetas de futebol. Alguns dos presentes levaram balões e flores brancas. Abalados, Diogo Flausino e Priscila Menezes, pais do menino, se emocionaram durante a cerimônia.
*Reportagem do estagiário Leonardo Marchetti, sob supervisão de Iuri Corsini
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