Caso Marielle: delegado diz que não tinha dúvidas da participação de Suel no crime: 'Tem muito mais perfil'
Giniton Lages, responsável pelo começo da investigação da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), destacou a proximidade do ex-bombeiro com Ronnie Lessa
Suel é réu em um processo sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes - Arquivo / Agência O Dia
Suel é réu em um processo sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson GomesArquivo / Agência O Dia
Rio - O delegado Giniton Lages, responsável pelo começo das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, disse, em depoimento realizado na tarde desta terça-feira (10), que não tinha dúvidas da participação do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, no crime. O ex-militar é réu no processo e passa por sua primeira audiência de instrução e julgamento.
Lages iniciou a investigação sobre os assassinatos pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) em 2018. Segundo o delegado, a proximidade do réu com o ex-policial militar Ronnie Lessa, condenado por ser o executor do crime, contribuiu para que a polícia chegasse até ele.
Giniton contou que uma denúncia recebida pelos agentes no dia 17 de outubro de 2018, sete meses após o crime, indicou que quem estaria no carro usado para os homicídios seria a dupla. O apurado constatou que quem dirigia o veículo era o também ex-PM Élcio de Queiroz, mas a informação fez com que a polícia estabelecesse uma relação entre Lessa e Maxwell. Para o delegado, o importante primeiro era prender o executor e depois outros participantes, além do mandante.
"No caso aqui, demoraram alguns anos para acontecer o que esperávamos. Nunca tivemos dúvida que Suel estava envolvido. Ninguém estava tão próximo de Lessa como Suel, que tem muito mais perfil. Ele não foi para execução, mas que ele tenha participado eu não tenho nenhuma dúvida", declarou.
De acordo com as investigações, Suel recebeu o carro usado no crime e ficou responsável pelo desmonte. Além disso, ele é apontado como dono do veículo usado para esconder as armas que estavam em um apartamento de Ronnie Lessa e ainda teria ajudado a se desfazer do armamento, jogando-o no mar.
Segundo a delação premiada de Élcio de Queiroz, o ex-bombeiro planejou a morte de Marielle, junto com Lessa, durante o segundo semestre de 2017. Ele seria responsável por fazer tocaias onde a vereadora estava e acompanhar os seus traslados, além de ter participado de uma tentativa frustrada de homicídio da parlamentar no final daquele ano.
Vereadora vigiada e aversão à esquerda
Durante seu depoimento, Giniton afirmou que o modo de operação do grupo a qual Lessa, Suel e Queiroz faziam parte se assemelhava a execuções praticadas pela contravenção. "Mais limpas, com pouco efeito colateral, difícil de chegar. Tinham investigações desse tipo que Ronnie aparecia", contou.
O delegado ressaltou que, em quatro datas de fevereiro de 2018, um mês antes do assassinato, o carro com a mesma placa clonada utilizada na execução já tinha feito trajetos semelhantes, passando pelo Alto da Boa Vista em direção à Tijuca, ambos na Zona Norte do Rio, demonstrando que os executores já estavam de campana contra a vereadora.
"Em quatro datas de fevereiro o carro já era utilizado no encalço da vítima. O veículo já rodeava a vereadora", disse Lages.
O investigador também constatou que Ronnie Lessa fazia pesquisas sobre lugares que Marielle frequentava e os locais correspondiam à agendas diárias da parlamentar, como curso de inglês, faculdade e aula de pré-vestibular. Até mesmo um endereço pesquisado na Rua do Bispo, em Rio Comprido, região central do Rio, correspondia ao local onde a vereadora esteve em data próxima à sua morte, na casa do ex-companheiro.
"Vários locais em que ela esteve coincidiam com pesquisas de Ronnie. Ele estava monitorando. No encalço. Sempre pesquisando onde ela estava e quando. Verificamos na agenda dela, que era o Google Agenda. O local dava 'match' com o que ele pesquisava", afirmou o delegado.
Giniton ainda contou que, além de fazer pesquisas sobre os lugares frequentados por Marielle Franco, Ronnie Lessa demonstrava ódio por personalidades da esquerda. O delegado citou Marcelo Freixo, o partido PSOL e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
"Ele tem aversão a toda e qualquer pessoa do espectro da esquerda: Freixo, Psol, Dilma. Ele odiava qualquer pessoa à esquerda. Tudo tinha a ver com terrorismo, morte. Havia várias personalidades pesquisadas, inclusive Marcelo Freixo", completou.
Acusação de extorsão
Élcio de Queiroz, que dirigiu o carro usado nas execuções, acusou, durante depoimento antes do delegado, os policiais da DHC de extorsão a Ronnie Lessa e ao também ex-PM Adriano da Nóbrega, morto em 2020 em uma ação policial na Bahia. Esses seriam fatores que não o levaram a colaborar com as investigações da Polícia Civil sobre o caso.
"Só três por cento dos homicídios da DH são esclarecidos. Como vou confiar na polícia? Ronnie Lessa e Capitão Adriano foram extorquidos. A PF me passou confiança. Não tenho medo. Pelo contrário", afirmou ao responder à defesa de Maxwell sobre o motivo que o levou a delatar para a Polícia Federal.
O delegado Giniton Lages negou ter notícias de que policiais da DHC praticaram extorsão contra os suspeitos do crime. Ele disse que essa prática é comum entre criminosos da milícia. "Não me recordo [de extorsão]. Colocar em dúvida o trabalho sério da DHC é muito próprio da milícia", afirmou.
Lages disse ainda que tentou uma colaboração com Élcio, mas que na época ele "estava muito forte".
"Quando optamos em prendê-los, o único que faria delação, pelo perfil, seria o Élcio. No instante que prendemos, ele estava forte. Mas o Élcio, sabia que era questão de tempo. Se a 'organização' não cuidasse, ele iria delatar", disse o delegado que conduziu a primeira parte do inquérito.
Giniton também lembrou que decidiu deixar a investigação fora do sistema da polícia para evitar vazamento, o que não deixou de acontecer. Mais cedo, Queiroz indicou que Lessa já sabia de uma operação para prendê-lo e tentaria fugir, sem avisa-lo. O executor foi preso saindo de casa sem a prótese, denotando pressa, já que ele não costumava sair sem a perna mecânica.
"Élcio não fugiria. A informação [da operação] não chegaria nele. Ele recebeu a informação privilegiada. Nós antecipamos em um dia e ele não tinha como saber", finalizou Giniton.
Outros depoimentos
Quem também depôs nesta terça-feira (10) foram as viúvas de Marielle Franco e Anderson Gomes: Mônica Benício e Ágatha Arnaus, respectivamente. A viúva do motorista revelou que o marido nunca relatou medo ou preocupação com a segurança ao acompanhar a vereadora.
Fernanda Chaves, assessora de Marielle, que sobreviveu ao ataque, também prestou depoimento. Ela também disse que não havia preocupação com ameaças contra a vereadora. "Se você não sabe de onde veio, não sabe do que se protege", comentou.
A assessora, que mora fora do Rio devido ao impacto que sofre até hoje com o crime, não quis depor na frente de Maxwell, alegando medo e constrangimento.
O comissário da DHC, Marco Antônio de Barros Pinto, foi dispensado como testemunha pelas defesa e pela acusação. Durante a noite desta terça-feira (10), outras pessoas ligadas à investigação seguem sendo ouvidas.
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