Cozinha Comunitária Carioca, na Ilha do GovernadorCleber Mendes / Agência O Dia

Rio - A comida é uma grande responsável por mudar vidas. Enquanto produto, alimenta e gera saúde, energia e bem-estar. Enquanto ferramenta de trabalho, possibilita superações e inclusão social. O Cozinha Comunitária Carioca, do programa Prato Feito Carioca, gerido pela Secretaria Municipal de Trabalho e Renda (SMTE), prova o ponto: ele abre portas para contratações dentro dos espaços em que está estabelecido e mostra que o envolvimento da comunidade em torno da comida pode levar a uma melhor qualidade de vida para todos.
O programa serve, gratuitamente para a população em situação de vulnerabilidade econômica, de segunda a sexta-feira, 280 refeições de 560 gramas cada, todas balanceadas e supervisionadas por nutricionistas. Para ter direito às refeições, é preciso estar inscrito. Os interessados podem se cadastrar com as assistentes sociais do projeto no horário de entrega dos almoços, das 11h às 13h. As pessoas precisam se encaixar nas regras do programa, e critérios como renda e situação de vulnerabilidade econômica são avaliados pela equipe.
Atualmente, o projeto inclui 17 cozinhas nos bairros da Maré, Realengo, Mangueira, Andaraí, Catumbi, Bento Ribeiro, Tanque, Costa Barros, Anchieta, Acari, Recreio dos Bandeirantes, Vila Kennedy, Guaratiba, Campo Grande, Vila Aliança, Nova Sepetiba e Ilha do Governador, inaugurada no último dia 20, e a estimativa da secretaria é de que sejam 55 até o fim do governo do prefeito Eduardo Paes (PSD), em 2024. A Secretaria de Trabalho e Renda é a responsável pelo fornecimento de equipamentos e alimentos. O investimento é de aproximadamente R$ 60 milhões, distribuídos ao longo dos quatro anos de mandato de Paes.
O programa se baseia em ocupar espaços dentro das comunidades, em contradição a restaurantes populares que estão estabelecidos em áreas centrais, de mais acesso ao trabalhador, excluindo, de certa forma, quem não frequenta aquelas regiões:
"O programa Cozinha Comunitária Carioca é democrático, pois leva o serviço para dentro da comunidade pobre. Assim, o beneficiário tem acesso à alimentação sem precisar fazer um grande deslocamento. A maioria dos usuários está desempregado, então a forma de garantir alimentação é colocar lá dentro da comunidade onde eles estão. O programa consegue atender idosos e crianças, não apenas adultos que estão na área de trabalho", afirma o secretário de Trabalho e Renda Everton Gomes.
As equipes de cozinha são formadas por pessoas da própria comunidade onde está instalada, uma forma de gerar renda para a região, uma possibilidade de criar renda para as pessoas pobres da área: "Antigamente, este era um programa da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMDAS), então era um projeto de auxílio, até ir para a Secretaria de Trabalho e Renda. Com esta mudança, agora também oferecemos políticas de trabalho, para buscar romper o círculo de pobreza de famílias", diz o secretário.
São entre 3 e 4 cozinheiras e ajudantes de cozinha por Cozinha Comunitária, e aproximadamente 52 pessoas empregadas diretamente pelo programa. A média de pagamento é de um salário mínimo (R$ 1.320), visto que os funcionários trabalham apenas três horas por dia, de segunda a sexta-feira. O honorário é determinado pela organização onde a cozinha está instalada. Elas ficam localizadas em espaços de referência em cada território, lugares onde o beneficiário se sente acolhido. Pode ser uma igreja, uma escola, uma associação de moradores ou uma organização não-governamental (Ong).
O emprego de ajudante de cozinha no programa abriu um universo novo para Roberta Freire da Silva, de 35 anos. Mãe de cinco filhos, Roberta perdeu uma criança há quatro anos, e entrou em depressão profunda. Casada com Douglas dos Santos de Azevedo, a renda da família era de apenas R$ 500, salário do trabalho de Douglas no Programa Hortas Cariocas, , uma iniciativa de agricultura urbana também administrada pela Prefeitura do Rio. Quando está implantada em comunidades, a equipe do ‘Hortas’ comercializa 50% da produção para complemento de renda e os outros 50% são doados para famílias em situação de vulnerabilidade dentro da própria comunidade ou algum equipamento público, como abrigo e escola.
Em 2022, a família de Roberta passou a ser beneficiária da Cozinha Comunitária de Bento Ribeiro, na Zona Norte, e, na mesma época, a matriarca começou a trabalhar na cozinha: "Desde que eu comecei a trabalhar, muita coisa mudou na minha vida. Eu pegava cinco refeições por dia, a nossa situação financeira era bem ruim. Agora, posso sair com os meus filhos e tenho até vontade de comprar uma casa, penso em guardar um dinheirinho”, conta. Roberta lembra que, antes de fazer parte da equipe da cozinha de Bento Ribeiro, sempre teve apoio para conseguir pegar os almoços: "Como moro em Honório Gurgel, muitas vezes era difícil eu ir para lá com chuva, com as crianças. A assistente social do programa me ajudava, às vezes pagava para eu voltar com carro de aplicativo”.
Douglas concorda que a mulher teve uma melhora significativa com o emprego: "A Roberta estava sempre triste, olhando para o nada, pensando na filha que perdemos. Agora, ela está mais ativa e são pouquíssimas as vezes que vejo a Roberta amuada".
Os beneficiários do projeto são acompanhados por assistentes sociais do programa Prato Feito Carioca, que auxiliam no encaminhamento às políticas públicas da SMTE. Toda semana, a secretaria envia uma relação de vagas de emprego com cerca de mil postos em empresas privadas parceiras da prefeitura. Esses trabalhos são oferecidos aos beneficiários das Cozinhas Comunitárias Cariocas por meio de cadastro para participação em processos seletivos: "Além de combate à fome e à desigualdade social, o programa também entrega como serviço políticas de emprego através dos bancos de oportunidades", afirma Everton.
Na medida em que o beneficiário ganha emprego formal, a vaga é preenchida por outro usuário. O número de 280 refeições diárias é limitado. Por isso, há uma fila de espera. A escolha é feita de acordo com a vulnerabilidade socioeconômica e alimentar do morador da comunidade. As pessoas são cadastradas após análise se estão no perfil do programa, e precisam ter renda per capita mensal de até R$ 105.

As refeições são a estrela do programa
O programa explora proteínas e vegetais para oferecer pratos robustos e nutritivos. O cardápio é montado diariamente com arroz, feijão, uma proteína, legumes cozidos e fruta de sobremesa, e tem controle de quantidades de sal, açúcar e gordura, avaliadas de perto pelos nutricionistas do Programa Prato Feito. Além disso, a sensação de afetividade está presente na refeição, garante a beneficiária Marli Santos de Oliveira, de 56 anos: "Dá para perceber que a comida foi feita com dedicação e carinho. Eu chorava muito, porque não tinha uma alimentação adequada, mas o problema foi resolvido. A comida é boa e não tem gordura. A minha pressão era alta e agora está bem. Lá, a gente tem tudo que precisa, comida, amor e carinho. Não é em qualquer lugar que a gente consegue algo assim", afirma.
Infectada pelo vírus do HIV, Marli teve um resultado positivo com rotina baseada no almoço da Cozinha Comunitária Carioca de Acari, na Zona Norte, somado a exercícios físicos praticados na ong onde fica a cozinha. A carga viral, quantidade do vírus presente no sangue da paciente, chegou a zero, e ela não precisa mais tomar os medicamentos cedidos na farmácia do Hospital Federal dos Servidores do Estado, no bairro Saúde, região Central. Antes de ser usuária do projeto, Marli conta que se alimentava de comidas gordurosas, como salgados fritos, pois era o possível. Desempregada, a única renda para ela, a filha e o neto é de R$ 600, correspondente ao Bolsa Família.
Daniele da Silva, de 39 anos, retira seis refeições, todos os dias, na Cozinha Comunitária da Ilha do Governador, na Zona Norte, e é só elogios ao programa. Ela, o marido, quatro filhos e um neto contam diariamente com o almoço: "O projeto é a única garantia que os meus filhos terão o que comer no dia, pois não é sempre que temos alimento em casa. Fora que a comida é tudo de bom, é bem temperada e também tem fruta. Não tenho do que reclamar", conta.
O marido de Daniele é garimpeiro de garrafas, latas e alumínio, e o casal ainda tem uma bebê de cinco meses. Com as recentes quedas de energia elétrica no bairro onde a família mora, em Bancários, na região da Ilha do Governador, Daniele perdeu a geladeira e ventilador. Ela conseguiu comprar botijão de gás, mas não tem como cozinhar, pois não tem recursos para comprar um eletrodoméstico novo e comida todo dia.
Família unida na cozinha e no bem social
Na Cozinha Comunitária de Catumbi, na região Central, os fogões são comandados pela família Matias, composta por avó, mãe e filha. Marli Matias da Silva, de 75 anos, Flávia Matias, 46, e Flávia Cristina, 30, tinham uma pensão no ponto e, no ano passado, receberam uma proposta da prefeitura para mudar para cozinha comunitária. Não pensaram duas vezes: "Foi uma mudança muito importante, pois moramos aqui na área, conhecemos 80% dos assistidos de regiões como Santa Teresa, Catumbi e Rio Comprido. Vemos a diferença na vida das pessoas assistidas pelo programa. Não é só a questão de matar a fome das pessoas, é também assistencialismo e emprego”, afirma Flávia Matias.
Ela lembra o caso da beneficiária Emanuelle, uma das primeiras assistidas da cozinha que, ganhando o almoço da cozinha comunitária, pôde economizar e colocar internet em casa: "Quando inauguraram a cozinha, no fim da pandemia da Covid-19, a Emanuelle vinha pegar comida para os três filhos e voltar a ter dignidade, pois conseguia alimentar os filhos. Com a economia, pagou internet para a casa dela, ela e a filha estudaram todos os dias e passaram no vestibular da UERJ. Ela para administração e a filha para matemática".

Emanuelle ficou 11 meses como inscrita no programa e, com a melhora em sua renda financeira, não precisou mais ser assistida. Ela fazia parte da lista do programa Prato Feito, que atende 280 pessoas por dia em casa cozinha. No entanto, na cozinha do Catumbi, mais 40 pessoas recebem refeição diariamente. Isto porque a família Matias fez uma lista à parte, com pessoas que não possuem documento e outras que não passaram na análise da assistência social da prefeitura. O custo das refeições dessas pessoas sai do bolso das três mulheres: "Nós somos uma família e não uma ong, não temos doação de ninguém, só mesmo o dinheiro da prefeitura. Esses extras são feitos com dinheiro nosso", conta a mãe.

A dona Marli cozinha com chuva, com sol, com tiroteio e com operação da polícia na comunidade, nunca deixa de cozinhar para garantir o alimento de todos os beneficiários: "É muito bom, eu sempre tive vontade de trabalhar ajudando o público. Sou cozinheira há 19 anos, e agora veio essa oportunidade com o programa da prefeitura para eu conseguir ajudar mais quem precisa", relata.

No início, as filas eram grandes e preocupavam a Flávia, que conseguiu combinar um esquema com a prefeitura para melhorar a qualidade de vida dos beneficiários: "Eu ficava incomodava por causa do sol e da chuva. Tinham senhoras idosas, mães com crianças no colo, e todas ali em pé, aguardando. Combinei, então, com a prefeitura de começarmos mais cedo. À medida que as pessoas vão chegando, já vão retirando a refeição. Nunca mais teve fila grande", afirma.
Flávia e Flávia Cristina começaram a estudar serviço social após estrearem na cozinha comunitária: "Me sinto bem, feliz, estudo serviço social justamente por causa do programa. Mesmo antes da cozinha minha família gostava de ajudar as pessoas", diz Flávia Cristina.
As refeições são a estrela
O programa explora proteínas e vegetais para oferecer pratos robustos e nutritivos. O cardápio é montado diariamente com arroz, feijão, uma proteína, legumes cozidos e fruta de sobremesa, e tem controle de quantidades de sal, açúcar e gordura, avaliadas de perto por nutricionistas do Programa Prato Feito. Além disso, a sensação de afetividade está presente na refeição, garante a beneficiária Marli Santos de Oliveira, de 56 anos: "Dá para perceber que a comida foi feita com dedicação e carinho. Eu chorava muito, porque não tinha uma alimentação adequada, mas o problema foi resolvido. A comida é boa e não tem gordura. A minha pressão era alta e agora está bem. Lá, a gente tem tudo que precisa, comida, amor e carinho. Não é em qualquer lugar que a gente consegue algo assim", afirma.
Infectada pelo vírus do HIV, Marli teve um resultado positivo com rotina baseada no almoço da Cozinha Comunitária Carioca de Acari, na Zona Norte, somado a exercícios físicos praticados na ong onde fica a cozinha. A carga viral, quantidade do vírus presente no sangue da paciente, chegou a zero, e ela não precisa mais tomar os medicamentos cedidos na farmácia do Hospital Federal dos Servidores do Estado, no bairro Saúde, região Central. Antes de ser usuária do projeto, Marli conta que se alimentava de comidas gordurosas, como salgados fritos, pois era o possível.

Desempregada, a única renda para ela, a filha e o neto é de R$ 600, correspondente ao Bolsa Família.
Daniele da Silva, de 39 anos, retira seis refeições, todos os dias, na Cozinha Comunitária da Ilha do Governador, na Zona Norte, e é só elogios ao programa. Ela, o marido, quatro filhos e um neto contam diariamente com o almoço: "O projeto é a única garantia que os meus filhos terão o que comer no dia, pois não é sempre que temos alimento em casa. Fora que a comida é tudo de bom, é bem temperada e também tem fruta. Não tenho do que reclamar", conta.
O marido de Daniele é garimpeiro de garrafas, latas e alumínio, e o casal ainda tem uma bebê de cinco meses. Com as recentes quedas de energia elétrica no bairro onde a família mora, em Bancários, na região da Ilha do Governador, Daniele perdeu a geladeira e ventilador. Ela conseguiu comprar botijão de gás, mas não tem como cozinhar, pois não tem recursos para comprar um eletrodoméstico novo e comida todo dia.
Família unida na cozinha e no bem social
Na Cozinha Comunitária de Catumbi os fogões são comandados pela família Matias, composta por avó, mãe e filha. Marli Matias da Silva, de 75 anos, Flávia Matias, 46, e Flávia Cristina, 30, tinham uma pensão no ponto e, no ano passado, receberam uma proposta da prefeitura para mudar para cozinha comunitária. Não pensaram duas vezes: "Foi uma mudança muito importante, pois moramos aqui na área, conhecemos 80% dos assistidos de regiões como Santa Teresa, e Rio Comprido. Vemos a diferença na vida das pessoas beneficiadas pelo programa. Não é só a questão de matar a fome das pessoas, é também assistencialismo e emprego", afirma Flávia Matias.
Ela lembra o caso da beneficiária Emanuelle, uma das primeiras assistidas da cozinha que, ganhando o almoço da cozinha comunitária, pôde economizar e colocar internet em casa: "Quando inauguraram a cozinha, no fim da pandemia da Covid-19, a Emanuelle vinha pegar comida para os três filhos e voltar a ter dignidade, pois conseguia alimentar os filhos. Com a economia, pagou internet para a casa dela, ela e a filha estudaram todos os dias e passaram no vestibular da UERJ. Ela para administração e a filha para matemática".
Emanuelle ficou 11 meses como inscrita no programa e, com a melhora em sua renda financeira, não precisou mais ser assistida. Ela fazia parte da lista do programa Prato Feito, que atende 280 pessoas por dia em casa cozinha. No entanto, na cozinha do Catumbi, mais 40 pessoas recebem refeição diariamente. Isto porque a família Matias fez uma lista à parte, com pessoas que não possuem documento e outras que não passaram na análise da assistência social da prefeitura. O custo das refeições dessas pessoas sai do bolso das três mulheres: "Nós somos uma família e não uma ong, não temos doação de ninguém, só mesmo o dinheiro da prefeitura. Esses extras são feitos com dinheiro nosso", conta a mãe.
A dona Marli cozinha com chuva, com sol, com tiroteio e com operação da polícia na comunidade, nunca deixa de cozinhar para garantir o alimento de todos os beneficiários: "É muito bom, eu sempre tive vontade de trabalhar ajudando o público. Sou cozinheira há 19 anos, e agora veio essa oportunidade com o programa da prefeitura para eu conseguir ajudar mais quem precisa", relata.
No início, as filas eram grandes e preocupavam a Flávia, que conseguiu combinar um esquema com a prefeitura para melhorar a qualidade de vida dos beneficiários: "Eu ficava incomodava por causa do sol e da chuva. Tinham senhoras idosas, mães com crianças no colo, e todas ali em pé, aguardando. Combinei, então, com a prefeitura de começarmos mais cedo. À medida que as pessoas vão chegando, já vão retirando a refeição. Nunca mais teve fila grande", afirma.
Flávia e Flávia Cristina começaram a estudar serviço social após estrearem na cozinha comunitária: "Me sinto bem, feliz, estudo serviço social justamente por causa do programa. Mesmo antes da cozinha minha família gostava de ajudar as pessoas", diz Flávia Cristina.