Orquestra Voadora: bloco criou oficina musical para democratizar o Carnaval do RioRenan Areias / Agência O Dia

Rio – O Rio de Janeiro já está em contagem regressiva para o Carnaval. Neste fim de semana, os blocos já vão para a rua com a Abertura do Carnaval Não Oficial 2024, evento organizado pelo Desliga dos Blocos, com cortejos e apresentações paradas de blocos e fanfarras. Além da abertura não oficial, a cidade respira, o ano inteiro, o clima carnavalesco e a experiência de viver a folia em uma dinâmica coletiva e plural.
A festa oficial está prevista para acontecer entre os dias 9 (sexta-feira) e 14 de fevereiro (quarta), mas blocos e fanfarras se preparam meses antes para colocar na rua sua ode à criatividade e à alegria. Os ensaios e as oficinas musicais são ininterruptos, e os trabalhos artísticos sempre finalizados a tempo. Os desafios, ano após ano, são as exigências burocráticas da Riotur (Empresa de Turismo do Rio de Janeiro), do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil e da Polícia Militar, para autorizarem a participação dos grupos.
Carnaval de Rua do Rio não é para amadores
Como o Carnaval de rua não é regulamentado, não existe uma legislação própria para os blocos e fanfarras, e eles acabam sendo enquadrados nas notas técnicas específicas para eventos e boates. Rodrigo Dutra, diretor do bloco "Que pena, amor", afirma que, como não há esta regulamentação específica, os requisitos mudam todos os anos.
Além disso, segundo o diretor, a Riotur costuma demorar para conceder a autorização preliminar e, assim, os grupos ficam com pouco tempo para correr atrás das demais permissões. A dos bombeiros chega a exigir saída de emergência para os blocos e fanfarras. É o que ela chama de rota de fuga estabelecida. Para passar por este crivo, os grupos artísticos contratam engenheiros, que elaboram uma planta do local e traçam a rota. Todo o custo é arcado com recursos dos blocos.
"Os blocos não recebem verba da prefeitura e não podem negociar patrocínio com outras cervejarias que não sejam a empresa que patrocina o Carnaval via prefeitura. Ainda assim, recebemos várias exigências que demandam dinheiro para cumpri-las. Caso aconteça algum problema, somos os responsáveis. Bancamos toda a festa, mas quem recolhe a verba não somos nós. E ainda somos enquadrados como grandes eventos, enquanto somos uma expressão cultural carioca. A gente faz porque ama, mas ninguém aguenta essa pressão eternamente. Tudo sai do nosso bolso com as oficinas de música e os shows que fazemos durante o ano”, reclama Rodrigo. 
A Riotur divulgou que são 453 blocos oficiais cadastrados para o Carnaval 2024. A previsão é de que 5 milhões de pessoas participem da festa nas ruas da capital. A empresa de turismo da cidade também já liberou o planejamento de saúde para os bombeiros: quantos postos médicos, maqueiros e ambulâncias estarão disponíveis para o Carnaval. No entanto, ainda não houve a entrega do número desse aparato para o Corpo de Bombeiros, o que também dificulta o 'nada a opor' do órgão.
Rita Fernandes, presidente da Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul e Centro (Sebastiana), diz que a corporação sempre ajuda a solucionar os casos pendentes: "Eles não têm a intenção de nos prejudicar. É só uma questão de tempo de a Riotur acelerar o processo e entregar do planejamento de saúde para os bombeiros".
Para mais, Fernandes afirma que a tratativa com o Corpo de Bombeiros é cansativa, mas sempre positiva. Rita declara que todo ano a Sebastiana tenta convencer o Corpo de Bombeiros de elaborar uma nota técnica que defina prerrogativas específicas para o carnaval de rua: "As dificuldades são as exigências postas nas notas pelos bombeiros, colocam muitas porque não existe uma legislação para blocos. Blocos de rua têm características próprias. Como o nome diz, é na rua, não tem lugar fixo e não cobra ingresso. Mas já combinamos com o comandante do Corpo de Bombeiros que no ano que vem a instituição faça uma nota técnica adequada para que esses apertos não aconteçam mais".
O presidente da empresa de turismo do município Ronnie Costa alegou, em coletiva de imprensa na última quinta-feira, sobre o Carnaval de Rua do Rio 2024, que não vai haver repressão contra os blocos que desfilarem sem autorização. "A gente faz um esforço enorme para que os blocos possam ter condições de dar conforto e segurança para os seus foliões. O aparato da prefeitura vai estar pronto se precisar limpar ou organizar alguma coisa que não esteja no nosso planejamento. Não vai ter nenhum tipo de repressão. A gente vai ajudar a organizar o que está desorganizado".

Paixão de Carnaval
Fora todos os impasses que os blocos de rua enfrentam, eles também compartilham das alegrias de ver o espaço público ocupado por pessoas se divertindo. Kiko Horta, diretor artístico do Cordão do Boitatá, diz que vale a pena: "A maior alegria do Boitatá é ver as ruas tomadas pelo povo feliz apesar de todas as dificuldades, cantando, dançando, reverenciando sua cultura, sua arte, e seus ancestrais, se reenergizando com esperança no futuro". Neste ano, o bloco, que se reúne no Cortejo da Orquestra de Rua no domingo que antecede a folia, e no Baile Multicultural da Praça XV, no domingo de Carnaval, fará homenagens aos artistas Chiquinha Gonzaga, Rita Lee e Lecy Brandão, e aos 80 anos de Edu Lobo.
Em 2022, o Cordão do Boitatá recebeu da Câmara dos Vereadores a medalha de Mérito Pedro Ernesto, entregue a pessoas e entidades que possuem atuação destacada na sociedade brasileira ou internacional, e foi reconhecido como Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
A Orquestra Voadora, bloco instrumental que completa 15 anos em 2024, divide da mesma empolgação ao conseguir colocar o bloco na rua: "A maior alegria ao desfilar é ver o quanto isso impacta na vida das pessoas, o quanto muda a vida delas. As pessoas que vão assistir, ano após ano, as que estão tocando com a gente, e as pessoas que fazem a festa acontecer. É maravilhoso ter um retorno tão caloroso e imediato, ver o sorriso das pessoas, as pessoas dançando, se divertindo, estando no espaço público de uma maneira totalmente diferente do cotidiano, que é compartilhando uma festa", afirma André Ramos, diretor musical do grupo.
O tema da Orquestra para o Carnaval 2024 é sobre os 15 anos de existência, com 15 desfiles, momento em que está resgatando diversas memórias e reencontrando pessoas que foram e são importantes para a Orquestra. A fanfarra abordará o tema começando pela ocupação dos espaços públicos, passando pelo uso dos instrumentos de sopro nos blocos de rua e indo até a construção de um carnaval mais democrático, inclusivo e acessível a pessoas com deficiências.
"Faremos uma retrospectiva bacana, entendendo quais foram os impactos positivos de tudo o que a gente fez até aqui. Será um desfile muito lindo, pois conseguiremos trazer toda a energia e beleza deste grupo que já atravessou 15 anos. Estamos muito empolgados com este desfile", conta André.
O coletivo foi um dos primeiros a oferecer uma oficina musical para que foliões aprendam a tocar instrumentos. Trata-se de uma proposta de acolhimento de músicos de variados níveis de experiência e uma colaboração para o fomento do Carnaval de rua carioca.
"A Orquestra Voadora tem uma energia muito agregadora. A gente sempre abraçou as pessoas que chegam querendo tocar, e muitas sem nem saber manusear instrumento. Nunca afastamos essas pessoas, ao contrário, sempre buscamos formas de agregar e estar junto, tanto é que criamos a oficina musical para receber essas pessoas e democratizar o tocar no carnaval. Acredito que contribuiu e contribui para a festa ficar mais democrática", afirma Tiago Rodrigues, também diretor musical do grupo.
Foi acolhida e aceita que Renata Naegele se sentiu ao começar a participar das oficinas da Orquestra, no Circo Voador. A administradora escolheu o surdo como seu instrumento por causa da marcação forte e, mesmo tímida, sem conhecer ninguém, foi com a cara e a coragem para as aulas, para poder 'viver o Carnaval o ano inteiro': "Fiquei cinco anos fora do Carnaval. Voltei em 2023 e, foi uma força tão grande, que entendi que precisava viver o Carnaval o ano inteiro. Eu aluguei um surdo, não sabia nem como encaixar o instrumento, só fui com um desejo muito forte, mas na oficina já me senti à vontade", conta, feliz.
Para além da reconexão consigo mesma, Renata acrescenta que o encontro com novas pessoas por meio da oficina também lhe deixa agradecida: "As amizades com pessoas abertas, acolhedoras e felizes vivendo uma coisa tão bonita como o Carnaval é o que me dá mais gratidão. É isso o que está por trás das oficinas".
"Uma das coisas mais legais dos blocos e oficinas de Carnaval é dar a oportunidade de muita gente ter seu primeiro contato com um instrumento, de poder fazer parte de um grupo musical e se apresentar para milhares de pessoas na maior festa do mundo”, diz Rodrigo Dutra, diretor do Que pena, amor. "No final da temporada, além do folião tocar, ele faz muitas amizades, até formam-se casais e um pouco de treta. Praticamente uma família", diverte-se.
De todas as alegrias do Carnaval, a arquiteta Carolina Leonardo também destaca as amizades como um fator importante na vida de folia: "A música é uma das principais motivações no Carnaval, mas depois que comecei a tocar em bloco e escola de samba, fiz amigos que gostam da mesma coisa! A alegria das pessoas no Carnaval é incrível, a energia é muito boa! Sinto as pessoas mais livres e leves". A arquiteta reserva um tempo antes do Carnaval começar para se preparar para os desfiles: "Paro e me organizo de verdade, defino para quais blocos eu vou, faço fantasias para mim e para amigos, fora cabelo, maquiagem e unha. É como se tivesse me preparando para uma festa mesmo", empolga-se.
Purpurina, música popular e homenagens
Não economizar no brilho, na alegria e na batucada da melhor qualidade parecem ser também escolhas acertadas dos blocos Que pena, amor e Fogo & Paixão. O primeiro se dedica ao pagode, e todo ano homenageia um grupo diferente, mas com versões próprias das músicas eternizadas pelo gênero musical, que se empresta do termo que designa festas com bastante cantoria, comida e bebida.
Para o Carnaval 2024, o Que pena, amor fará um tributo ao grupo Soweto, e ele será prioridade no repertório. Rodrigo, que toca cavaquinho no bloco, revela que já tem mais de dez arranjos criados para as músicas da banda, trabalhadas durante o ano de 2023 na oficina do Que pena, amor. Os arranjos serão em ritmos como funk, marchinha, samba-reggae, pagode baiano e ljexá, oriundo da Nigéria e por usado em composições de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Além das músicas, a bateria se organiza para tocar com fantasias temáticas.
O grupo surgiu durante o Carnaval de 2017, em um bar no Centro. Alguns amigos reunidos tocaram canções do grupo de pagode Raça Negra. Como o público se empolgou e cantou junto, animado, os amigos quiseram levar a brincadeira para a folia oficial. O nome foi criado rapidamente, inspirado na música "É tarde demais", um clássico do Raça Negra. Agora, ele é o hino oficial do Que pena, amor.
O 'Que pena' já tocou em espaços importantes do Rio, como o Teatro Rival e o Rio Scenarium, além de dividir palco com Maria Rita, Kelly Key e a Bateria da Mangueira. Sua próxima apresentação é na Rua do Mercado, neste domingo (7), às 15h, no Carnaval não oficial do Rio.
Se a Orquestra Voadora debuta este ano, o Fogo & Paixão está prestes. Com o desfile “Brega é pra Brylhar”, inspirado na canção ‘Gente’, de Caetano Veloso, o bloco aposta em clássicos da música popular considerada brega reinventados com novos arranjos de samba, xote, ciranda, funk e maracatu, e em novidades do brega contemporâneo.
"A escolha do tema é porque esse é o Carnaval que vai se consolidar após a pandemia da Covid-19. O do ano passado foi o primeiro, mas ainda com algumas questões e cuidados. Este tem a promessa de ser o Carnaval da retomada das ruas, dos blocos e dos investimentos. Acreditamos que o Carnaval tem o lugar de regenerar e recuperar laços e o coletivo. É uma festa que impacta a economia do país todo, principalmente no estado do Rio de Janeiro, que exporta criatividade para todos os lugares. O tema ‘Gente é para Brylhar’ é para colocar as pessoas que fazem a festa no centro do movimento, é também sobre renovar a esperança no período de crise, e um desejo de que a criatividade e inovação pulsem para soluções para o ano todo", conta Babi Bono, estrategista criativa do Fogo & Paixão.
O bloco homenageia o cantor Wando, que inspirou o nome de batismo do grupo, e outros artistas nacionais como Reginaldo Rossi, Rosana, Sidney Magal, Beto Barbosa e Roupa Nova. Todas as músicas do repertório ganham arranjos que combinam ritmos como xote, ciranda, coco, maracatu e samba, executadas por uma bateria de mais de 100 ritmistas, batizada de Bateria Sem Limites. O desfile acontece no dia 4 de fevereiro (domingo), às 9h, no Largo São Francisco de Paula, Centro.