Caso aconteceu dentro do Tribunal de Contas do Estado em junho de 2023Reprodução

Rio - O processo envolvendo uma denúncia de racismo contra o coronel da reserva do Exército, Héracles Zillo, pode terminar em acordo na Justiça sem que a vítima seja consultada. O militar virou réu em setembro do ano passado depois de ser denunciado por um comentário preconceituoso contra o auditor Carlos Leandro dos Santos na época em que o coronel trabalhava como diretor do setor de transportes do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
A defesa de Zillo entrou com diferentes pedidos de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no MPRJ. Primeiramente, dois promotores negaram o acordo. Um deles justificou que o pedido sobre o caso em questão não é válido, pois se trata de uma situação que viola valores sociais. 
"Instrumento inaplicável quando estamos diante de crimes raciais, pois desproporcional e incompatível com a infração dessa natureza, violadora de valores sociais", escreveu.
No segundo pedido, outro promotor manteve a recusa ao acordo justificando que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que, em casos de crimes raciais, não se pode ser aplicado o ANPP.
Ambas as decisões foram encaminhadas para a Assessoria Criminal do Procurador-Geral de Justiça. No setor, uma promotora entendeu que, em tese, a celebração do acordo para crimes tipificados na Lei nº 7716/89, onde se encaixa os casos resultantes de discriminação ou preconceito de raça e cor, deve ser vista casos a casos. Segundo o MPRJ, há precedentes desse entendimento em pareceres de assessorias criminais de outros estados. O órgão ainda destacou que o tema ainda não foi julgado pelo plenário do STF.
"O ANPP é uma medida que não implica na despenalização. Ao contrário, dá ao MP a possibilidade de análise do fato e o efeito da norma penal pode ser alcançado diante daquele caso concreto, caso o acusado aceite o acordo. O MPRJ reafirma o seu compromisso com a defesa das questões sociais, notadamente as raciais", explicou em nota o órgão.
Ainda de acordo com o MPRJ, a decisão da Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais não determina que o promotor de Justiça aceite o acordo, mas que inicie as tratativas e verifique a presença ou não dos requisitos para sua celebração, ressaltando que eventual recusa não pode se dar de forma genérica ou baseada no precedente judicial citado.
Questionado, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) informou que o novo parecer da Procuradoria-Geral de Justiça foi entregue à 16ª Vara Criminal da Comarca da Capital na última terça-feira (16) junto com a devolução do processo. Ainda não há uma decisão sobre.
Defesa do auditor pretende recorrer
Ao DIA, o advogado Djeff Amadeus, que representa o auditor Carlos dos Santos, informou que pretende recorrer no STF caso o acordo seja aprovado pelo MPRJ. Para a defesa, a vítima de racismo precisa ser ouvida antes de qualquer decisão.
"Nesse parecer, o Ministério Público entendeu que varia de caso a caso e nesse caso caberia. Como assim? O outro absurdo é que a vítima não vai ser ouvida. O acordo é feito com o Ministério Público e o acusado sem a participação da vítima? Um crime de racismo? Então, quer dizer, se eles arbitrarem um salário mínimo, uma prestação de serviço para a comunidade, como é que fica? A vítima jamais aceitaria uma coisa dessas. Você está tirando o direito da vítima de participar sobre algo que diz respeito a ela. Não faz sentido nenhum. Por conta desse motivo, nós vamos ao STF, até por conta do que foi dito pelos dois promotores que recusaram a possibilidade de acordo", explicou.
Relembre o caso
Em junho de 2023, o auditor Carlos dos Santos, que trabalhava no Tribunal de Contas do Estado (TCE) denunciou ter sofrido racismo dentro da sede do órgão, no Centro do Rio. De acordo com a queixa, o servidor, que é negro, teria sido alvo de comentários preconceituosos feitos por Herácles Zillo, diretor do departamento de transportes do órgão.
Na denúncia, a vítima, que estava há mais de 11 anos no TCE, disse que sofreu racismo ao solicitar um carro para uma agenda de trabalho. Ao chegar para pedir o veículo, ele teria discutido com Héracles e ouvido dele o comentário preconceituoso. "A viatura, para ele, somente após cortar o cabelo", teria dito o militar da reserva do Exército.

Segundo a denúncia, a situação foi presenciada por outras pessoas que estavam no local e incluiu ainda uma comparação do auditor com um macaco-prego.
Após o ocorrido, o auditor pediu transferência para o Ministério Público de Contas. Em setembro, a Justiça do Rio aceitou a denúncia do MPRJ e tornou Zillo réu pelo crime de racismo. Na decisão, a juíza Beatriz de Oliveira Monteiro Marques pontua que há elementos nos autos que sustentam o recebimento da denúncia e descreve o ocorrido como "fato criminoso em todas suas circunstâncias", afirmou a magistrada.
Na época, o TCE informou que instaurou uma comissão de processo administrativo disciplinar para apurar o caso em questão e que ouviu as partes envolvidas e testemunhas, além de encaminhar o processo administrativo disciplinar (PAD) para a Procuradoria-Geral do órgão. 
A reportagem questionou o TCE sobre atualizações do processo disciplinar e se Héracles segue trabalhando no órgão, que respondeu dizendo apenas que o caso em questão segue sob análise da sua Procuradoria-Geral.