’Essa em especial, mostra quem era a jovem de 20 anos cheia de vida’, diz irmã de jovem sobre a fotoArquivo Pessoal
'Cinco anos com o sentimento de que fomos esquecidos', diz irmã de jovem eletrocutada no Terreirão do Samba
Eva Gabriella Lima foi testemunha na primeira audiência do caso, nesta terça-feira (2). Maria Fernanda morreu em 2019
Rio- Após cinco anos, a família da jovem Maria Fernanda Ferreira de Lima, de 20 anos, que morreu eletrocutada em uma festa em 2019, segue clamando por justiça. Eva Gabriella Lima, de 31 anos, irmã da menina, foi uma das testemunhas na primeira audiência do caso, que aconteceu apenas nesta terça-feira (2).
Ao DIA, Eva confessou acreditar que o julgamento pode não ir a lugar nenhum. "Quero que tenha justiça, que ontem meio que ficou claro que não chegaria a algum lugar, a não ser que o Ministério Público faça alguma coisa", cobrou. A estudante de medicina veterinária faz cobranças ao MP nas redes sociais e em entrevistas desde a morte da irmã.
"Sempre falei que queria justiça. No velório da minha irmã, na minha primeira entrevista, eu falei que queria justiça para que não acontecesse com outras pessoas, para que outras famílias não passassem pela sensação de vazio que passamos, de chegar em casa e não ter a Maria Fernanda com a gente. Não foi só por ela, mas para que outras Marias Fernandas não fossem para dentro de um caixão, como a minha irmã foi", disse Eva. O órgão efetuou a denúncia apenas quase 4 anos depois, em março de 2023.
Sobre a audiência, Eva Gabriella elogiou a juíza, Daniela Barbosa Assumpção de Souza, mas disse ainda não sentir segurança em relação ao MP. "O que eu vi foi uma juíza excelente, com muita firmeza e senti que ela realmente queria cumprir a lei. Mas infelizmente ela não consegue fazer sozinha. Do Ministério Público eu senti a mesma insegurança de sempre. Tenho medo de não fazerem nada. Tenho 1% de esperança e com ele eu vou seguir lutando", afirmou.
Ao fim do julgamento, a irmã da jovem pediu a palavra e se dirigiu diretamente aos réus: "Estou aqui e queria deixar registrada a minha dor. Enquanto os responsáveis vivem as vidas normalmente e têm a família completa, a minha vive na escuridão, nas incertezas e na dor. A gente chega em casa e a nossa Fefe não está lá e nunca mais vai estar. É muito fácil para todos que estão aqui e os que não estão e deveriam estar, viverem a vida deles agora normalmente, chegando em casa e tendo a família completa."
"Pedi a palavra e falei aos réus porque tinham apenas dois lá, além dos quatro que sequer foram denunciados. A impunidade continua e por que? Por que os quatro promotores do evento não foram denunciados? Perguntei isso ao promotor do caso e ele não me respondeu. Ele também não tinha a resposta. Cinco anos se passaram, eu estava esperando alguma coisa e não teve nada", afirmou Eva.
"Foram cinco anos esperando por respostas. Cinco anos com o sentimento de que fomos esquecidos, que a vida da minha irmã foi tirada e que ninguém ligava. Cinco anos que tiraram a vida da minha irmã por negligência e dinheiro. Escutei a juíza lendo a denúncia e tive que ouvir a frase "onde ocorreu a morte da jovem Maria Fernanda Ferreira de Lima, de 20 anos" e revivi o dia que recebi a notícia", contou. "Minha irmã morreu. Isso assombra nossa vida pra sempre. Minha mãe não vive mais, acabou a vida dela. E eu só to aqui hoje pela minha mãe e pela minha outra irmã, que está em depressão profunda", complementou.
Com saudades, Eva Gabriella dividiu imagens nunca divulgadas de Maria Fernanda com o DIA. "Todos os jornais colocam a mesma. Eu ontem peguei o celular dela pra ver, e tem cada foto linda que ninguém tem e nunca foram nem postadas por ela", contou. "Essa em especial, mostra quem era a jovem de 20 anos cheia de vida", disse Eva a respeito a foto de capa escolhida para esta reportagem.
Maria Luiza Lomeu, 24 anos, estava com "Fefe", como prefere chamar a amiga, no momento do ocorrido. A jovem também levou um choque, mas felizmente resistiu. Maria Luiza nunca havia falado sobre o assunto, mas após a audiência, decidiu se abrir ao DIA.
"É muito difícil colocar em palavras tudo o que eu sinto em relação ao que aconteceu com a Fefe e comigo aquele dia e tudo o mais que envolve o caso. Depois do acidente eu nunca mais fui a mesma. Nada mais foi igual. A minha vida mudou absurdamente. Além de ter perdido a minha melhor amiga, de ter que lidar com a toda a dor, o luto e o trauma, eu sofro até hoje alguns transtornos. Eu sofri com transtorno de estresse pós-traumático e até hoje faço uso de medicamentos para ansiedade e depressão", disse a jovem.
Maria também falou sobre a tensão na demora do processo: "Eu não falo muito sobre, porque é muito difícil pra mim, é muito angustiante toda essa demora para resolver o caso, até porque enquanto ele não é resolvido, eu continuo revivendo aquela noite na minha cabeça. Mas quando vi a notícia da primeira audiência ontem senti um misto de alívio e ansiedade pra que isso acabe e a justiça seja feita."
Embora o relatório conste a ausência da jovem no julgamento, ela disse não ter sido convocada. "Consto como ausente porque de fato eu não estive presente, mas não porque faltei a audiência, e sim porque não fui convocada. Em março, um oficial de justiça esteve no meu antigo endereço, no entanto, mesmo o meu tio tendo insistido para saber do que se tratava, ele nada disse, nem deixou nenhum documento. Eu imaginei que pudesse ser algo relacionado ao caso, mas como não houve mais contato, não tive como saber. Também não sabia quando seria a audiência, fiquei sabendo pelo jornal", justificou.
A próxima sessão da audiência está marcada para o dia 14 de maio deste ano.
Procurado, o Ministério Público do Rio de Janeiro ainda não se posicionou. O espaço segue aberto para manifestações.
O julgamento
Quatro testemunhas de acusação foram ouvidas durante a primeira audiência do caso, realizada nesta terça-feira (2). A juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza julgou extinta a punibilidade do réu Sergio Luiz Noronha Pinto, em razão da confirmação da sua morte. Na ocasião, ele era gestor do Terreirão do Samba e violou o dever objetivo de cuidado, ao permitir a realização do evento de hip hop "Puff Puff Bass" sem a apresentação da fiscalização dos órgãos competentes, como a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros.
De acordo com o TJRJ, na próxima sessão ocorrerá as oitivas das testemunhas de acusação faltantes, testemunhas de defesa e interrogatórios dos Réus.
A denúncia apresentada pelo Ministério Público foi aceita pela Justiça do Rio em março de 2023, onde seis pessoas viraram rés, sendo além do Sérgio, quatro responsáveis pela montagem da estrutura do evento e um bombeiro civil. Segundo a denúncia, todos agiram de forma negligente ao não observar as normas técnicas que causaram a morte da jovem.
Gerson de Almeida Faria, proprietário da empresa contratada para montar a estrutura metálica, subcontratou três pessoas (Gustavo da Silva Pereira, Reymar Alcides da Silva Alves e Jorge Luiz dos Santos Soares, também denunciados) não qualificadas para a instalação das placas metálicas, além de não realizar nenhuma fiscalização após a montagem das estruturas.
O documento aponta também que o bombeiro Wellington Garcia Cruz foi negligente no exercício de sua função por não comunicar o fato às autoridades legais ou tentar encerrar o evento.
O caso
Maria Fernanda Ferreira de Lima, de 20 anos, morreu na madrugada do dia 14 de abril de 2019 depois de encostar em uma grade energizada e sofrer um choque. A vítima estava na festa Puff Puff Bass, no Terreirão do Samba, quando aconteceu a tragédia. Ela chegou a ser socorrida no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, mas teve duas paradas cardiorrespiratórias e não resistiu.
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