Rio – "Olha o mate!", "Cerveja gelada?", "Queijo coalho douradinho só comigo". Tem sons que são inconfundíveis nas areias da cidade. Somados à imagem de jovens bronzeados praticando esportes com bola à beira-mar, o imaginário popular de um dia de praia no Rio está completo. Só que há coisas erradas nesta história. Para a segurança e a boa convivência reinarem no espaço democrático da orla, existem algumas regras que são leis a serem cumpridas.
No último mês, o prefeito Eduardo Paes (PSD) sancionou um decreto que proíbe a comercialização e fornecimento de comida e bebida em recipientes de vidro nas praias cariocas. Isto quer dizer que a cerveja em garrafa, seja long neck, com 330 ml, ou a maior, com 600 ml, agora pode apenas no calçadão. A mesma restrição vale para qualquer outro produto. Se os pés estão na areia, nas mãos só bebidas e comidas em embalagens descartáveis. O Decreto Rio nº 54.082 foi publicado no Diário Oficial do município no último dia 20, e tem como premissa conservar o meio ambiente, garantir a limpeza das praias e preservar a vida dos frequentadores. Vidros são vilões dos pés descalços nas areias.
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O subinspetor da Guarda Municipal Jorge Guedes esclarece que no caso de flagrante dos agentes municipais, o material é apreendido e levado para o depósito público, além de ser aplicada uma multa. Já o frequentador que levou os vidros de casa é advertido a deixar a praia com os itens. Caso se recuse, o material é retido e levado ao depósito da prefeitura.
Os protocolos de comportamento vão além: esporte com bola na areia, segundo o Código de Posturas da cidade, só é permitido em uma área delimitada, perto do calçadão. A galera do frescobol, invencionice genuinamente carioca, do futevôlei e da "altinha", que os mais antigos insistem em chamar de "altinho", pode se reunir na parte da areia próxima ao calçadão. A prática de esportes com bolas, raquetes, petecas e discos na beira da água das praias é proibida entre 8h e 17h. Fora deste horário não há restrições.
O perrengue do som alto na praia é outra possibilidade de conflito entre os frequentadores, portanto, aparelhos de som, alto-falante e outros aparelhos elétricos e eletrônicos são proibidos por lei. O decreto que silenciou a amplificação do som nas areias é o 50. 671, sancionado em 2022. Neste caso, há a advertência pelo guarda municipal e multa que vai desde R$ 522 a consideráveis R$ 5.521. "O que eleva o valor é a reincidência. Não há prisão, pois é um episódio de conduta social, mas o banhista pode ser conduzido à delegacia por desobediência ao guarda", afirma o subinspetor.
Levar ou não levar o cachorro para a praia? Se o bichinho estiver devidamente vacinado e não for portador de zoonoses, o passeio está liberado. Para que não se torne dor de cabeça para o tutor, ele tem que ter à mão o documento de vacinação, físico ou digital, do pet. Sem o certificado, o animal não pode permanecer na areia. Além disso, o animalzinho tem que estar com coleira e guia, seja na areia ou na calçada: "E se o cachorro atacar alguém, o tutor responde pelo dano causado ao banhista", alerta Jorge. A lei de circulação e permanência de cães nas praias do Rio é a 6.642, de 2019, que também estabelece que as fezes do bicho devem ser recolhidas pelo tutor.
E não tem o queijo coalho mencionado no primeiro parágrafo? Esquece! Alimentos vendidos na praia só podem ser industrializados. Camarão, milho e queijo coalho, por exemplo, são proibidos por uma questão de saúde pública. Guedes conta que, uma vez, a fiscalização descobriu itens deste tipo em um lugar inusitado:
"Essa lei existe, pois não é possível saber a procedência dos alimentos. Em operação da Guarda Municipal, já encontramos milho e queijo coalho enterrados na areia, como se fosse uma espécie de armazém".
O uso descuidado de álcool e carvão pode causar acidentes terríveis em qualquer lugar, por isso, é proibido fazer churrasco na praia, tanto para venda como para consumo próprio. E se existe um ponto em comum em todas estas restrições é a exigência de respeito ao próximo.
Dicas de comportamento para uma boa convivência na praia
Vamos combinar que o mais novo decreto da prefeitura sobre a proibição de recipientes de vidros não precisaria existir se todos recolhessem o seu próprio lixo após curtir o dia na praia. Porém, essa conduta, que parece óbvia para uma boa parcela da população, ainda permanece pouco assimilada para a grande maioria.
Em uma manhã na Praia de Copacabana, Zona Sul, na última quarta-feira (10), o DIA ouviu banhistas para investigar os comportamentos alheios que perturbam a paz de quem frequenta a praia. O incômodo com o lixo deixado na areia parecia um mantra de tão repetido por eles. "Vejo muitas pessoas sujando a praia, não tomam conta do ambiente e não têm noção do quanto é maravilhoso para nós, aqui no Rio, ter esse privilégio de ter várias praias lindas à disposição”, reclama o policial civil Pietro Conte, de 42 anos. Ele conta que o comportamento inadequado de jogar lixo na areia o incomoda tanto que, muitas vezes, ele mesmo recolhe a sujeira, ali na frente de quem a descartou na areia, e coloca na lata do lixo: "É uma forma de tentar ensinar a viver em sociedade", afirma.
A babá catarinense Juliana Regina Flores, 39, disse que, assim que chegou à praia, naquele dia, já avistou copos e canudos na areia: "Me incomoda muito as pessoas não se tocarem de que o lixo deve ser jogado na lata do lixo!".
Um pouco mais à frente, a empresária Gabriele Fernandes, 33, tomava banho de sol com a sua sogra, Cleci, gaúcha de Porto Alegre. Gabriele vai à Praia de Copacabana quase todos os dias pela manhã, que é um horário com movimento mais tranquilo, e ainda assim se surpreende com a quantidade de resíduos à beira-mar: "As pessoas são muito sem noção, saem da praia e deixam o lixo. O lugar fica organizado só porque a Comlurb passa no fim de tarde fazendo a limpeza", comenta.
Outras regras básicas para a boa convivência continuam valendo. A altinha, proibida próximo ao mar, faz a bola subir aos céus, mas não é possível controlar a queda. Em uma ocasião, a universitária Luma do Couto, 23, foi atingida por uma bola nas costas enquanto andava pela Praia de Copacabana: “A bola bateu em uma outra menina e depois rebateu em mim. Doeu bastante! Fico chateada, porque era algo que poderia ter sido evitado, já que é proibido jogar altinha nesta área da praia. Vejo também muitas pessoas praticando vôlei na beira da água".
Vira e mexe, a designer Rafaella Cordeiro, 24, tem que desviar de uma bola. A jovem frequenta as praias de Copacabana e Ipanema e tem o hábito de estender sua canga perto do mar: "A bola da altinha vem bastante em minha direção, é um aborrecimento. Aos fins de semana, o espelho d’água fica cheio de gente jogando e eu nunca vi fiscalização nenhuma, exceto por uma vez, em 2017, quando presenciei guardas municipais abordando um grupo. Depois disso, nunca mais vi agente nenhum na areia", recorda.
Rafaella ainda pondera sobre os cachorros soltos na praia: "Incomoda bastante, pois a maioria não é adestrada e vem em cima de mim, que estou sem cadeira na areia. Quando eu trago o meu cão, ele fica com coleira o tempo todo".
O melhor dos mundos, nesse caso, é seguir as regras e manter o bichinho com coleira e guia. Lila Carolina Camilo, 32, bióloga, estava na praia em companhia de Tim-Tim, seu pinscher, e garante que o bichinho é manso, pois ele é mineiro: "As pessoas têm medo, porque ele é pinscher e acham que ele pode avançar em outros cachorros. Mas ele é manso, ele é diferenciado", diverte-se. De porte pequeno, a raça é conhecida por latir bastante e ser capaz de avançar para proteger o seu tutor. Neste dia, ele estava solto, pois Lila ainda não conhecia as regras para levá-lo à praia. Agora, diz que só colocará os pés na areia com o Tim-Tim encoleirado.
Sobre regras de boa convivência na orla, a bióloga diz que o futevôlei e o frescobol, considerado patrimônio cultural imaterial do Rio, são perigosos para todos, especialmente para crianças e idosos: "Corremos o risco de uma bola cair em cima de nós quando queremos ir para o mar. Chega a ser um desafio chegar até lá. É complicado ter que lidar com isso, pois as pessoas não levam a sério que só pode jogar lá em cima, perto do calçadão", reclama.
O subinspetor da Guarda Municipal Jorge Guedes assegura que há um grupo especifico só para a praia, chamado de "agrupamento de praia", com 30 a 35 guardas para a Zona Sul e para a Zona Oeste, cada. Nos fins de semana, esse número sobe. De acordo com Guedes, os agentes das praias possuem treinamento especifico e uniforme diferente dos demais, e pode auxiliar os bombeiros em caso de afogamento, além de alertar os banhistas quando o mar está perigoso.
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