Termo de contratação não previa salário para os funcionáriosReprodução/O DIA

Rio - Parentes e amigos de funcionários presos em flagrante no dia 26 de julho afirmam que os trabalhadores não tinham consciência de que os produtos que vendiam não existiam. A empresa Grupo Imperium pagava apenas a passagem dos colaboradores, provocando o nervosismo de quem não conseguia vender a desafiadora meta de R$ 280 mil por mês.
O DIA teve acesso ao roteiro de vendas e ao "termo de ciência" que era assinado na admissão dos funcionários. Cinco familiares ouvidos pela reportagem contaram que seus parentes estavam desde uma semana há três meses na empresa, em Rocha Miranda, e acabaram presos sem saberem que estavam praticando crime de estelionato.

Os funcionários eram atraídos por anúncios de vagas em redes sociais. O horário, de 8h30 às 18h, com 1h30 de almoço e a dispensa de experiência para contratação tornavam a oportunidade vantajosa. A publicação também prometia remuneração, com salário de R$ 1.712 mais bonificação e vale-transporte.
No entanto, ao serem admitidos, os funcionários recebiam apenas o valor da passagem e a promessa de que a remuneração anunciada viria apenas se alcançassem a venda de R$ 280 mil.
A dona da empresa não foi presa em flagrante. Ela acompanhou a audiência de custódia e esteve na delegacia, segundo os parentes dos funcionários presos.
Jefferson Barros, 28, é noivo de Jayanne de Jesus Reis, uma das presas. Os dois são religiosos, frequentadores da Assembleia de Deus, e estavam prestes a se casar. Ele relata que a noiva estava nervosa pois não conseguia vender e, com isso, não recebia remuneração. Na véspera de ser presa, ela comentou com o companheiro que queria uma renda fixa.
"Ela é mãe solo, tem uma filha de 7 anos, que está sofrendo muito, nunca ficou sem ela. Jayanne é inocente. Houve ilegalidade dos donos da empresa. Estamos unidos nessa causa, são todos inocentes", relata.
Jefferson conta que a noiva estava precisando de trabalho e foi atraída pelo anúncio. "Acompanhei de perto, ela estava doida para trabalhar. Parecia o emprego dos sonhos, não era preciso experiência, ela enviou currículo. Era uma empresa bonita, para quem não tem maldade, não tem como saber. Se ela soubesse, tenho certeza que não faria", afirmou.
Dhanuza Tomas é amiga e já foi gerente de Marlene Castro, 30. Ela conta que as famílias estão se desdobrando para tentar a defesa pela Defensoria Pública ou por advogados particulares. A amiga conta que o trabalho não tinha carteira assinada e que recebeu uma foto de Marlene chorando porque não estava conseguindo vender.
”Marlene trabalha desde os 13 anos, é mãe sozinha. Assim que ela entrou nessa vaga, ela me mandou. Eu só não fui porque estou cuidando do meu pai. Já fui gerente da Marlene, sempre trabalhei com vendas. Ela falou que era venda de consórcio. Mas ela estava nervosa. Não conseguiu vender nada", contou.
A mãe de Alyne Dias, 19, conta que a filha também chorava em casa porque não conseguia vender e que recebeu apenas R$ 300 pelo primeiro mês de trabalho. "Ela contava que tinha que vender, se não vendesse, ela não recebia. Eles ficavam na ansiedade para conseguir vender. Recebia a passagem e a gente também complementava o valor. Ela levava comida de casa", conta. "Ela enviou currículo para várias empresas, essa que chamou ela. Ela não tinha noção", conta a mãe, Karen Cristina, 39, que trabalha com vendas e tentava acalmar a filha.
Kathleen Santos, relata que o irmão Vitor, de 21 anos, era funcionário no Vivendas do Camarão, do Rio Sul, em Botafogo. Ele havia trocado o trabalho em 8 de julho em busca das folgas aos finais de semana para ficar mais próximo da família, e também foi preso. "Arrumou o trabalho, ficou muito feliz que não trabalhava domingo. Chegava às 19h em casa, até o dia que aconteceu isso. Ele nem sabe porque estava preso, foi entender depois o que a empresa fazia", conta a irmã.
Juan de 18 anos estava há apenas 9 dias no trabalho quando foi preso. Estudante do turno noturno do Ensino Médio, ele procurou a empresa após ver o anúncio no Facebook. O pai, Orlando Tavares, disse que chegou a desconfiar da regularidade da empresa, mas não houve tempo para entender que se tratava de uma associação criminosa. "Ele dizia que era uma empresa normal. Pegava o número das pessoas e as pessoas tinham que ir na empresa, trabalhava como telemarketing. Eu desconfiava de alguma coisa, ele dizia que a empresa falava pros funcionários que eles tinham licença do Banco Central para funcionar. Eu já desconfiava, mas ele estava só há nove dias e não fez nenhuma venda", contou Orlando, que afirmou que tentou defesa na Defensoria Pública.
Karinne Souza, 28 anos, foi chamada para trabalhar por WhatsApp, mas foi demitida após uma semana. Ela afirma que a rotatividade era alta na empresa e que quem não conseguia vender era demitido. A rotina de trabalho passava a impressão de profissionalismo para os trabalhadores e havia uma sala de treinamento. "Treinavam a gente, falavam o que a gente tinha que fazer. Só fiquei uma semana. Eu não conseguia vender nada para ninguém. Foi um livramento porque na semana seguinte todo mundo foi preso. Conversavam com a gente de uma forma que não tinha como você se ligar que era golpe. Falavam que o consórcio existia há 60 anos", relata.
A Defensoria Pública afirmou que não atua no caso.
O Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) informou que a decisão da juíza Mariana Tavares Shu, que rejeitou o pedido de habeas corpus para os acusados, foi realizada no último dia 30. "A organização criminosa é extremamente organizada, possuindo complexa divisão de tarefas, para realizar o golpe da seguinte forma: Após anunciarem pelo Facebook veículos para venda e atraírem os clientes para o estabelecimento comercial, os consultores os induzem a efetuar o pagamento de uma entrada para a aquisição do bem, acreditando tratar-se de financiamento de veículo", explica um trecho da decisão.
A juíza disse ainda que os custodiados participam de organização estruturada para a prática de estelionato e falsidade ideológica, com o anúncio de venda de veículos, que jamais eram entregues aos compradores, a despeito do pagamento do sinal. "Portanto, a prisão é imprescindível para a desarticulação do grupo, evitando-se a reiteração da prática criminosa", disse.
Relembre as prisões
Policiais da 17ª DP (São Cristóvão) fecharam no último dia 26, um escritório onde uma quadrilha aplicava golpes em vendas de consórcios, no bairro de Rocha Miranda, na Zona Norte. Na ocasião, 22 pessoas foram presas em flagrante acusadas de organização criminosa.
De acordo com a Polícia Civil, o grupo prometia oferecer cartas de crédito, que são documentos financeiros que podem ser usados para comprar bens, como motocicletas, automóveis, caminhões, entre outros. As vítimas eram induzidas a pagar um valor de aproximadamente 10% do bem que desejavam como forma de depósito, a fim de supostamente garantir sua compra.
Os valores obtidos eram creditados em uma conta indicada pelo funcionário responsável pela venda do consórcio, por meio de pix, transferência bancária e boletos. Além do contato com clientes via telemarketing, a empresa utilizava anúncios em redes sociais. No local, foram encontrados diversos documentos que permitiram identificar inúmeros clientes que teriam adquirido consórcios dos investigados. Também foram apreendidos notebooks, celulares e documentos contendo um passo a passo de como os atendentes deveriam atender os clientes.