Muro do Instituto Zeca Pagodinho, em Xerém, pintado em homenagem à Santíssima Trindade do SambaDivulgação / Tayná Uruàz
Xerém ganha painel em homenagem a Pixinguinha, Donga e João da Baiana
Obra, produzida pelo projeto NegroMuro no Instituto Zeca Pagodinho, homenageia ícones dos primórdios da música brasileira
Rio - O projeto NegroMuro, conhecido por eternizar a memória de grandes personalidades da cultura brasileira, homenageou a "Santíssima Trindade do Samba", formada por Pixinguinha (1897-1973), Donga (1889-1974) e João da Baiana (1887-1974), em sua mais recente obra. O local escolhido para o 57º trabalho da série foi o muro do Instituto Zeca Pagodinho, em Xerém, Duque de Caxias, na Baixada.
Em clima de festa, com direito a roda de choro, a inauguração, na última terça-feira (6), contou com familiares dos homenageados, alunos do projeto social, moradores da região, além do próprio Zeca Pagodinho.
Um dos fundadores do projeto NegroMuro, o muralista Cazé, de 37 anos, revelou ao DIA que a ideia da homenagem aos sambistas surgiu de Louiz Carlos da Silva, presidente do Instituto Zeca Pagodinho e filho do bamba. Ele contou, ainda, que encarou o desafio como uma "grande responsabilidade".
"O projeto fala de território. A gente pinta onde a história daquela pessoa tem a ver, em um local que seja significativo para essa personalidade. Ali [Instituto Zeca Pagodinho] aparece toda a nata do samba. Os três são uma referência musical para todos os sambistas. Eles abriram caminho para que o Zeca Pagodinho existisse, o Bezerra da Silva, Arlindo Cruz, Fundo de quintal... Eles estarem ali é um monumento para lembrar sempre que esses caras abriram caminho", comentou o muralista.
A neta de Donga, autor de "Pelo Telefone", considerado o primeiro samba de sucesso gravado, Márcia Zaira, participou da cerimônia de inauguração do painel. Emocionada com a homenagem, ela reforçou a importância da obra para manter viva a memória da cultura brasileira entre os jovens.
"É muito importante eles tenham a noção do que a cultura popular e o samba representam como identidade cultural para o nosso país. Só tenho a agradecer o empenho de todos em homenageá-los, em levar adiante a nossa principal tradição cultural. A gente vive em um país onde a memória é muito curta, onde as coisas são substituídas rapidamente, então esse é um trabalho muito importante para preservar a memória de Donga, do samba e da nossa cultura", disse.
O percussionista Banana, neto de João da Baiana, também esteve presente. Através de sua conta no Instagram, o músico demonstrou sua gratidão aos idealizadores. "Linda homenagem ao meu avô, João da Baiana", escreveu.
Detalhes
Produzido através de estudos feitos pelo pesquisador e produtor do projeto, Pedro Rajão, com o apoio do pintor Cesola Mendes, o grafite conta a história - em ordem cronológica, da esquerda para a direita - da "Santíssima Trindade do Samba", cujos integrantes viriam a fundar o grupo Oito Batutas, em 1919.
Pintada em um espaço de 60 m², a obra é dividida em quatro cenas e começa com o trio se conhecendo em um terreiro de candomblé em um ritual com mães de santo. Na sequência, o grafite faz referência à música "Pelo Telefone".
Na terceira cena, que Cazé classifica como uma imagem "muito potente", o trio aparece como lideranças políticas em uma passeata contra um governo autoritário. Por fim, os três são eternizados no muro com seus instrumentos, tocando e cantando.
Projeto
Idealizado em 2018 por Pedro Rajão e Cazé, o NegroMuro tem a missão de transformar as ruas da cidade numa grande galeria a céu aberto, trazendo representatividade e resistência aos homens e mulheres negros e negras que fazem parte da história e cultura do Rio.
Pixinguinha, inclusive, já foi homenageado pelos artistas com um painel dedicado exclusivamente a ele. Pintado no alto de uma das paredes externas do Museu da Imagem e do Som (MIS), na Lapa, Região Central da cidade, o grafite ocupa um espaço de 150 m² e foi feito a partir de três retratos exclusivos cedidos pelo acervo do museu.
"Nosso sonho é colocar o Donga, o João da Baiana e a Clementina de Jesus ao lado do Pixinguinha lá no MIS. Tem mais três paredes vagas lá, e queríamos continuar aquele processo para fazer um grande mural dessa tríade com a presença da Clementina", revelou Cazé.
Para poder realizar os grafites, o projeto depende de parcerias para financiar os custos. De acordo com o muralista, a maioria dos trabalhos são realizados por meio de editais públicos e parcerias com instituições privadas. Além das dificuldades burocráticas - como autorizações da prefeitura -, eles esbarram, muitas vezes, em questões financeiras.
"É sempre um desafio, cada muro tem uma história. Para a gente pintar os muros são três, quatro meses de batalha para as coisas acontecerem. Estamos sempre precisando de tinta, material de obra, então todo apoio é bem-vindo. Até porque nós também temos a preocupação em deixar o muro em condições perfeitas para que a pintura tenha uma longevidade", reforçou.
Instituto Zeca Pagodinho
Construído em um espaço de 3 mil m², o Instituto Zeca Pagodinho foi fundado em 1999 com objetivo de proporcionar oportunidades a pessoas em situação de vulnerabilidade. O projeto oferece formação artística em música sinfônica e artes integradas, além de apoio social e odontológico, e já impactou mais de duas mil.
Trajetórias
Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga; Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha; e João Machado Gomes, o João da Baiana, fizeram história ao liderarem a formação do primeiro grupo de música popular brasileira a alcançar projeção internacional. O conjunto Os Oito Batutas fez grande sucesso na França e na Argentina, e se manteve até 1931.
Donga, que além de compositor era violonista, ficou marcado na história como autor do primeiro samba gravado de sucesso: "Pelo Telefone", escrito em 1916 em parceria com Mauro de Almeida (1882-1956). O músico tem outras grandes composições, como "Passarinho Bateu Asas", "Bambo-Bamba", "Cantiga de Festa", "Macumba de Oxóssi" e "Ranchinho Desfeito".
Compositor, instrumentista, arranjador e maestro, Pixinguinha tem, entre seus maiores sucessos, a canção "Carinhoso", escrita em 1916. Outras grandes obras do artista são "Sofres Porque Queres", "Rosa' e "Um a zero".
Percussionista, compositor, cantor e artista plástico, João da Baiana teve importância fundamental para o choro. Isso porque, antes, este gênero musical não tinha instrumento de percussão, era tocado apenas com violão, cavaquinho e flauta. Entre seus grandes sucessos estão "Batuque na Cozinha" e "Cabide de Molambo", eternizadas, entre outros artistas, por Martinho da Vila.
*Reportagem do estagiário João Pedro Bellizzi, sob supervisão de Raphael Perucci
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