Rio - A Polícia Civil e a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), com apoio da PM, realizaram nesta sexta-feira (23) o quinto dia seguido – sétimo no total – de operação no Parque União e Nova Holanda, no Complexo da Maré, Zona Norte, para demolição de um condomínio de luxo com 40 imóveis construídos pelo tráfico. As ações também têm afetado serviços prestados à população, com o fechamento de clínicas da família e escolas da região, o que provocou protestos e indignação por parte dos moradores.
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Inclusive, segundo o Centro de Operações Rio (COR), somente por volta de 15h30, a Avenida Brigadeiro Trompowski, no sentido Ilha do Governador e o acesso pela Avenida Brasil foram liberados após serem ocupados por manifestantes. A Polícia Militar, que prestou apoio à operação conjunta, confirmou o fim dos protestos um pouco antes e ressaltou que seguia com o policiamento intensificado na região. Não houve registros de prisões e apreensões.
Consequências
De acordo com a Secretaria de Estado de Educação, as duas escolas estaduais na Maré, o Ciep 326 César Pernetta e o Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, que juntas atendem 1.424 alunos, não abriram desde a última segunda-feira (19). Apesar de completar cinco dias sem aula, a pasta informou que conteúdos pedagógicos perdidos serão repostos para evitar prejuízos aos alunos.
Já as 46 escolas municipais no Complexo da Maré seguiram nesta sexta com atendimento presencial, segundo a Secretaria Municipal de Educação – profissionais chegaram a protestar contra a abertura. Mas na última quarta, 24 unidades foram fechadas. A Ong Redes Maré divulgou que ao todo 9 mil alunos foram prejudicados.
Em relação à Saúde, as clínicas da Família Jeremias Moraes da Silva e Diniz Batista dos Santos mantiveram o atendimento à população ao longo do dia. Apenas as atividades externas realizadas no território, como as visitas domiciliares, estão suspensas.
Após o quarto dia seguido de operação, na noite de quinta-feira (22), um aviso supostamente enviado por traficantes passou a circular nas redes sociais determinando o fechamento de comércios das comunidades em represália às constantes operações. "O fechamento das lojas é uma forma de protesto de tudo que está acontecendo em nossa comunidade. Lembrando que as farmácias e padarias ficaram abertas a meia porta", diz o comunicado.
Ainda na mensagem, os traficantes também teriam ordenado uma manifestação na manhã desta sexta-feira (23). "Pedimos a todos os comerciantes e moradores ‘a se unir’ em forma de protesto às 10h no espaço lazer".
Procurada, a PM informou apenas que agentes do Comando de Operações Especiais e do 22º BPM (Maré) apoiam a ação da Civil com a Seop.
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Demolições
Sobre o saldo da operação, a Seop divulgou que, até o momento, já derrubou 32 prédios, o que totaliza mais de 162 apartamentos. Nesta fase, o trabalho está sendo feito a mão, considerando a altura dos prédios e a dificuldade para acessar algumas unidades. No entanto, o trabalho de preparação para utilização das máquinas já está sendo feito. A pasta informou que as demolições seguirão nos próximos dias.
Apesar do avanço da operação, a ONG Redes da Maré relatou que a população do local não foi amparada durante as demolições. “Moradores afirmaram que, apesar de ter havido um aviso sobre a possível demolição, não foi ofertado qualquer outro tipo de suporte ou orientação acerca de seus direitos ou passos a serem seguidos diante desta situação. Pelo contrário, neste contexto das operações, são diversos os relatos de abordagens hostis, acompanhadas de xingamentos, desinformação e falta de alternativas para a demanda habitacional”.
No entanto, segundo a Seop, desde o início das demolições, a Secretaria Municipal de Assistência Social, por meio da equipe técnica do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da região, acompanha a operação para prestar assistência às famílias. “Até o momento, não houve solicitações de acolhimento, mas a SMAS segue pronta para atender às necessidades da população”, disse em nota.
Ao todo, esse é o sétimo dia de operação na região contra lavagem de dinheiro do tráfico. De acordo com investigações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), o Parque União vem sendo utilizado há anos, por meio da construção e abertura de empreendimentos, para lavar o capital acumulado com o comércio de drogas. Os agentes apuraram ainda a participação de funcionários de órgãos representativos da comunidade no esquema.
Os imóveis foram erguidos sem nenhuma autorização da prefeitura e não possuem responsável técnico pelas obras. Engenheiros da Prefeitura estimam prejuízo de R$ 30 milhões aos responsáveis pelas construções.
Ainda no início das operações, os agentes localizaram imóveis de luxo que eram usados por traficantes. Dentre eles, duas coberturas, avaliadas em R$ 5 milhões, chamaram a atenção. Uma delas possuía dois andares, acabamento em mármore e porcelanato, além de uma grande área de lazer, com churrasqueira e uma piscina de 40 mil litros de água. O imóvel possuía vista privilegiada para a comunidade, para um campo de futebol e uma área onde eram realizadas festas.
Já a segunda era um quadriplex com acabamento de luxo, jacuzzi e closet, escadas com lâmpadas de led automático, além de uma piscina com cascata e churrasqueira. No térreo da unidade os agentes encontraram um quarto com dezenas de caixas de vinho e champanhe.
Segundo a Polícia Civil, as ações sequenciais no Parque União revelam uma estratégia da facção criminosa de colocar ao menos uma pessoa em cada unidade habitacional para fingir que são moradores e dificultar as demolições.
Denúncias
O protesto desta sexta, que durou cerca de cinco horas, teria sido motivado por uma alteração na rotina da comunidade pelo quinta dia seguido: "Dias sem aulas, sem atendimento médico, sem direito de ir e vir. Comércio fechado, trabalhadores não conseguem trabalhar. Cinco dias de um filme de terror. Não temos estrutura mental, psicológica e física para isso tudo", alega Caitano Silva, mídia social da Associação de Moradores do Parque União (Ampu), acrescentando: "Esse é um relato do que vi. Mas também representa o sentimento da maioria".
Além disso, ficou uma indignação em relação a como a Polícia Civil tem conduzido a relação com os moradores durante a operação: "Policiais e delegados com um tratamento totalmente hostil e muita arrogância. Se utilizam do poder, expulsando e ameaçando os moradores que estavam dentro das casas", conta o integrante da Ampu, explicando porque a associação, com tais denúncias, não registrou ocorrência na delegacia: "Eles sabem onde a gente mora".
Sobre ameaças, ele complementa: "Ameaçaram uma mãe de tirar o filho, criança de colo, da guarda dela, por maus tratos, se a família não saísse do imóvel. Mas ninguém teve tempo suficiente para sair de lá. E ainda ameaçaram um outro filho dela, de 17 anos, de ser preso porque ele estava filmando o que estava acontecendo dentro da sua casa. E ele já tinha sido preso no segundo dia de operação, por desacato, mas depois solto e orientado a tirar os conteúdos das redes".
Polícia Civil responde
Procurada, a Polícia Civil retornou com uma nota reforçando que a ação em parceria com a Seop tem a finalidade de combater a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas no Complexo da Maré a partir da demolição de imóveis construídos pela facção criminosa.
A corporação destaca que há tempos os criminosos utilizam “a comunidade Parque União para lavar o capital acumulado com o comércio de drogas por meio de construções e abertura de empreendimentos”.
A Polícia Civil afirma ainda que investigações apontam “a participação de funcionários de órgãos representativos da comunidade no esquema” e revelaram “uma estratégia da facção criminosa de colocar ao menos uma pessoa em cada unidade habitacional para fingir que são moradores e dificultar as demolições”. Confira a nota na íntegra:
“A Polícia Civil ressalta que a ação conjunta, realizada com a Polícia Militar e com a Secretaria de Ordem Pública (Seop), visa combater a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas no Complexo da Maré. O principal objetivo é dar continuidade às demolições de imóveis construídos pela facção criminosa, que há anos utiliza a comunidade Parque União para lavar o capital acumulado com o comércio de drogas por meio de construções e abertura de empreendimentos. As investigações apontam, ainda, a participação de funcionários de órgãos representativos da comunidade no esquema e revelaram uma estratégia da facção criminosa de colocar ao menos uma pessoa em cada unidade habitacional para fingir que são moradores e dificultar as demolições.
A ação conjunta resultou na descaracterização de 32 prédios, totalizando mais de 160 unidades, entre apartamentos e lojas. Além disso, os agentes que participam da operação recuperaram mais de dez veículos produtos de roubo ou furto e apreenderam grande quantidade de entorpecentes, como maconha, cocaína, crack e ecstasy, que estão sendo periciados. Foram arrecadados um fuzil, três pistolas, uma espingarda, um silenciador, seis artefatos explosivos, 22 carregadores e munições. Os policiais ainda encontraram material roubado, incluindo 500 caixas de produtos de beleza, 37 galões e latões de tinta e peças de carros”.
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