Moradores realizam um protesto contra demolição de imóveis no Complexo da Maré; Comércios foram fechados na comunidadeReginaldo Pimenta/Agência O DIA

Rio - Moradores do Complexo da Maré, na Zona Norte, realizam uma manifestação, nesta sexta-feira (23), durante o quinto dia seguido de operação para demolição de um condomínio de luxo com imóveis construídos pelo crime organizado. No protesto, que reuniu mais de 1 mil pessoas, faixas foram expostas com pedido de paz e informações de que os apartamentos demolidos são propriedades da população local e não do tráfico. Ainda em represália às ações policiais, os comércios da comunidade permanecem fechados.
Segundo o Centro de Operações Rio, os manifestantes ocupam parte da Avenida Brigadeiro Trompowski, no sentido Ilha do Governador. O acesso pela Avenida Brasil também está interditado no momento.

Com início por volta das 10h, em um espaço próximo aos imóveis, o ato também contou com a participação de professoras e funcionários de empresas da região. Carregando cartazes, os profissionais pediram por mais segurança: "Protejam nossas escolas"; "A educação é o caminho para paz"; "A educação é a arma mais poderosa para salvar o mundo".
Em um dos imóveis, uma faixa estendida também dizia: "Somos trabalhadores, estamos cansados de injustiça". Enquanto outras eram carregadas com os seguintes dizeres: "Revestimento, piso e blindex não é luxo, é dignidade"; "Estamos sendo expulsos dos nossos imóveis".
Durante o fim da manhã e início da tarde, os manifestantes saíram pelas ruas em busca de respostas das autoridades. O clima na região é de tensão, apesar de grande policiamento no entorno das comunidades.  
De acordo com relatos das redes sociais, a manifestação teria sido convocada ainda na noite de quinta-feira (22), na mesma ocasião em que o fechamento dos estabelecimentos foi anunciado. A ordem teria partido de traficantes.

"O fechamento das lojas é uma forma de protesto de tudo que está acontecendo em nossa comunidade. Lembrando que as farmácias e padarias ficaram abertas a meia porta. Pedimos a todos os comerciantes e moradores ‘a se unir’ em forma de protesto", diz um comunicado que circulou nas redes sociais.

Os moradores, no entanto, negam qualquer envolvimento com a organização criminosa que domina a região. "Não existe condomínio do crime, aqui temos casas de moradores do bem. Maré pede paz!".

Serviços impactados

Com as operações sequenciais na Maré, escolas e clínicas da família tiveram o funcionamento afetado ao longo da semana.

De acordo com a Secretaria de Estado de Educação, duas unidades estaduais, o Ciep 326 César Pernetta e o Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, que juntas atendem 1.424 alunos, não abriram desde a última segunda-feira (19). Apesar de completar cinco dias sem aula, a pasta informou que conteúdos pedagógicos perdidos serão repostos para evitar prejuízos aos alunos.

Já as escolas municipais, que chegaram a ser afetadas na última quarta-feira, com 24 unidades fechadas, funcionam normalmente desde quinta-feira (22). Segundo a Ong Redes Maré, ao todo 9 mil alunos foram prejudicados.

Com as aulas municipais mantidas, profissionais da educação chegaram a realizar uma manifestação em frente à prefeitura do Rio alegando que o protocolo de segurança não foi mantido.

Em relação à Saúde, nesta sexta (23) a Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva mantém o atendimento à população. Apenas as atividades externas realizadas no território, como as visitas domiciliares, estão suspensas.
O que diz a Secretaria Municipal de Educação?
Procurada, a Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que 24 escolas municipais ficaram fechadas na segunda, terça e quarta-feira na Maré. Na quinta e nesta sexta as escolas reabriram em horários alterados. Neste ano, já foram 25 dias letivos com ao menos uma escola fechada na Maré.

"A abertura ou fechamento das escolas é conduzido pela Secretaria seguindo o protocolo Acesso Mais Seguro, em parceria com a Cruz Vermelha Internacional, o qual envolve critérios técnicos como o monitoramento permanente da situação em cada território e a atualização das forças policiais", disse em comunicado.

Ainda em nota, a SME respondeu que a dinâmica das operações policiais na Maré foi avaliada diversas vezes ao longo de cada dia desta semana com diversas atualizações. "Cada dia apresentou uma dinâmica diferente, razão pela qual a Secretaria, seguindo o protocolo, adotou procedimentos específicos de acordo com as especificidades ocorridas em cada um dos dias de operação policial", finalizou.
Investigações

Ao todo, esse é o sétimo dia de operação na região contra lavagem de dinheiro do tráfico. De acordo com investigações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), o Parque União vem sendo utilizado há anos, por meio da construção e abertura de empreendimentos, para lavar o capital acumulado com o comércio de drogas.
Os agentes apuraram ainda a participação de funcionários de órgãos representativos da comunidade no esquema. Os imóveis foram erguidos sem nenhuma autorização da prefeitura e não possuem responsável técnico pelas obras. Engenheiros da Prefeitura estimam prejuízo de R$ 30 milhões aos responsáveis pelas construções.

Segundo a Polícia Civil, as ações no Parque União revelam uma estratégia da facção criminosa de colocar ao menos uma pessoa em cada unidade habitacional para fingir que são moradores e dificultar as demolições.
Até esta sexta-feira (23) foram descaracterizados 32 prédios, com mais de 150 apartamentos, sendo 10 comerciais e mais de 140 residenciais. Nesta fase, o trabalho está sendo feito a mão, considerando a altura dos prédios e a dificuldade para acessar algumas unidades. No entanto, o trabalho de preparação para utilização das máquinas já está sendo feito.
Além disso, os agentes que participam da operação recuperaram mais de dez veículos produtos de roubo ou furto e apreenderam grande quantidade de entorpecentes, como maconha, cocaína, crack e ecstasy, que estão sendo periciados. Foram arrecadados um fuzil, três pistolas, uma espingarda, um silenciador, seis artefatos explosivos, 22 carregadores e munições. Os policiais ainda encontraram material roubado, incluindo 500 caixas de produtos de beleza, 37 galões e latões de tinta e peças de carros.

Imóveis de luxo

Ainda no início das operações, os agentes localizaram imóveis de luxo que eram usados por traficantes. Dentre eles, duas coberturas, avaliadas em R$ 5 milhões, chamaram a atenção. Uma delas possuía dois andares, acabamento em mármore e porcelanato, além de uma grande área de lazer, com churrasqueira e uma piscina de 40 mil litros de água. O imóvel possuía vista privilegiada para a comunidade, para um campo de futebol e uma área onde eram realizadas festas.

Já a segunda era um quadriplex com acabamento de luxo, jacuzzi e closet, escadas com lâmpadas de led automático, além de uma piscina com cascata e churrasqueira. No térreo da unidade os agentes encontraram um quarto com dezenas de caixas de vinho e champanhe.
*Colaboração de Reginaldo Pimenta