PMs saíram da viatura armados para abordar adolescentes negros e estrangeiros em IpanemaReprodução / Redes Sociais
PMs que abordaram adolescentes negros em Ipanema viram réus por constrangimento ilegal
Luiz Felipe dos Santos Gomes, que também irá responder por ameaça, e Sérgio Regattieri Fernandes Marinho chegaram a ser investigados por racismo
Rio - Os policiais militares Luiz Felipe dos Santos Gomes e Sérgio Regattieri Fernandes Marinho, que foram acusados de racismo por causa de uma abordagem a adolescentes em Ipanema, na Zona Sul, em julho, viraram réus, nesta segunda-feira (9), pelo crime de constrangimento ilegal. O primeiro também irá responder por ameaça.
O juiz Leonardo Rodrigues da Silva Picanco, da Auditoria da Justiça Militar, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ), aceitou a denúncia do Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) considerando que há, até o momento, indícios suficientes da materialidade e autoria dos agentes sobre os delitos.
"Com efeito, ao examinar a denúncia, pode-se concluir que além do fato criminoso, a introital descreveu todas e as demais circunstâncias necessárias à apreciação da prática delituosa, e, em especial, o lugar do crime, o tempo do fato e a conduta objetiva em que teriam incorrido os denunciados. Por outro lado, a exordial acusatória veio acompanhada de suporte probatório mínimo, ou seja, da prova mínima exigida para sua instrução, de forma a dar ao julgador condições de proferir um diagnóstico provisório sobre a viabilidade da pretensão punitiva. As questões pertinentes ao mérito da ação, de outro giro, serão analisadas oportunamente quando do julgamento, entretanto há indícios de materialidade e autoria suficientes a autorizar o início da ação penal", escreveu o magistrado.
Procurada, a Polícia Militar informou que a Corregedoria Geral ainda não foi notificada sobre a denúncia contra os agentes. A corporação destacou que o procedimento apuratório instaurado pela CGPM ainda está em andamento, acompanhando os resultados da investigação sobre o caso. A PM reiterou que colabora integralmente com o processo de apuração dos fatos.
Racismo
Em agosto, a Delegacia Especial de Apoio ao Turismo (Deat) concluiu que não houve o crime de injúria racial e o de racismo na abordagem policial aos quatro adolescentes, sendo três deles negros, em Ipanema, na Zona Sul, no início de julho.
Segundo as investigações, os adolescentes não relataram, em depoimento, o uso de palavras ofensivas, de xingamentos e de palavras com cunho social ou discriminatórias por parte dos policiais.
Antes da abordagem aos jovens acontecer, a investigação identificou que uma equipe de quatro PMs foi comunicada por um estrangeiro, que avisou que teria sido vítima de roubo de um cordão. Outro turista corroborou a versão apresentada e uma testemunha disse à equipe que os autores usaram uma faca e fugiram. As pessoas deram as características dos criminosos aos policiais e as buscas começaram.
Conforme consta no relatório final do inquérito, Luiz e Sérgio, que realizaram a busca pessoal nos adolescentes, na Rua Prudente de Morais, estavam atrás dos suspeitos do roubo aos turistas. Para a investigação, os PMs não se excederam.
"Note-se que, na abordagem, não houve tratamento diferenciado para ninguém. O grupo abordado era composto por adolescentes pretos e brancos. Todos foram revistados, inclusive o adolescente branco teve a revista padrão da bolsa escrotal, enquanto um dos menores pretos não sofreu a revista. Outrossim, como os policiais procuravam um cordão roubado e comumente os criminosos engolem cordões ou escondem na cueca, a revista se deu também nas partes íntimas seguindo o padrão de abordagem nesses casos em que se busca esse tipo de 'rés furtiva'", diz o texto.
Relembre o caso
A abordagem aconteceu na noite do dia 3 de julho. Uma câmera de segurança gravou o momento que os agentes desceram da viatura apontando as armas para os jovens, de 13 e 14 anos, na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, na Zona Sul.
As imagens mostram que os policiais mandaram os adolescentes encostar na parede e revistaram cada um. O grupo, formado por três pessoas negras – filhos de diplomatas – e duas brancas, foi ao local deixar um deles em seu prédio.
Conforme relatou Rhaiana Rondon, mãe de um dos abordados, em suas redes sociais na época, os adolescentes negros não entenderam as perguntas dos policiais pelo fato de serem estrangeiros. Os PMs ainda teriam dito para que os jovens tomassem cuidado quando andassem na rua, pois seriam abordados novamente.
"Há anos frequentamos o Rio e nunca presenciei nada parecido no quadradinho privilegiado de Ipanema com meus filhos. É um lugar aparentemente seguro. Depende pra quem! Antes da viagem, fiz inúmeras recomendações, alertas e conselhos de mãe preocupada: 'Não ande com o celular na mão, cuidado com a mochila, não fiquem de bobeira sozinhos'. Pensei em diversas situações, mas jamais que a polícia seria a maior das ameaças”, escreveu Rhaiana.
O incidente envolveu quatro países (Canadá, França, Gabão e Burkina Faso) e chegou até o Itamaraty.
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