A 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa aconteceu na orla de Copacabana2Reginaldo Pimenta/Agência O Dia

Rio – A orla de Copacabana, na altura do posto 5, na Zona Sul do Rio de Janeiro, recebeu na manhã deste domingo (15) a 17ª edição da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, que teve a presença da ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo. O evento, que buscou defender os direitos religiosos, foi prestigiado por representantes das mais correntes religiosas diversas com um propósito único: exaltar a diversidade da fé. 
Na caminhada – uma realização da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap) e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania –, a maioria era de adeptos de religiões de matriz africana – que são os maiores alvos de intolerância religiosa. Dentre eles, a candomblecista e umbandista Flávia de Oxum relatou que sentiu recentemente o ódio contra as suas práticas religiosas.
No dia 13 de julho, a casa dela em Maricá, na Região Metropolitana, foi atacada: "Nós fazemos nossos eventos sempre dentro de casa, não tocamos até de madrugada, não incomodamos ninguém. Mesmo assim, invadiram e queimaram minha casa", recorda, citando as consequências do ataque à sua saúde: "Até hoje estou psicologicamente abalada. Tive herpes zóster, minha imunidade baixou muito".
Sobre a expressão "intolerância religiosa", Flávia propõe ainda uma reflexão: "Não se trata de tolerar, mas de respeitar. Você tolera um patrão chato, por exemplo, porque precisa do emprego. Mas religião, não. Vivemos em um estado laico. Não deveria haver desrespeito. Religião é cultuar os nossos antepassados. A gente se sente fortalecido. E esse evento está unindo crenças. Essa diversidade é importante".
"Eu nunca fui atacado, mas muitas pessoas da minha casa de santo, a Casa de Ogum, em Realengo, já. Teve caso de gente proibida de entrar em um estabelecimento, provavelmente, por causa da vestimenta", acrescenta candomblecista Anderson Júnior.
E os ataques são de todo tipo, incluindo verbais. O umbandista Andinho Souza, que compareceu caracterizado como Zé Pelintra à caminhada, revelou o que costuma ouvir e ler nas ruas e nas redes sociais. "Me dizem 'macumbeiro' e 'tá amarrado'", destacou, analisando ainda que discursos de ódio não estão atrelados a qualquer religião, pois são frutos do comportamento humano: "Jesus não fazia essa depreciação. Isso é coisa do homem. Eu posso não concordar com preceitos de outras religiões, mas tenho que respeitar. E esse evento nos traz essa reflexão".
Adriano Dias – kardecista e membro da Organização Social Com Causa, de Nova Iguaçu, apoiadora da caminhada – concorda: "Há pessoas que, a fim de ganhar destaque na Internet, propagam um discurso de ódio que acaba se convertendo em prática".
Para ele, o ataque à religião alheia é uma consequência do racismo. "Nós do kardecismo não sofremos muito com preconceito porque não tem a questão da indumentária. Mas tirei foto ali agora há pouco com dois rapazes vestidos de Zé Pelintra e se postar na Internet, já sei que vou receber crítica. A questão é racial", aponta.
Vestida com uma blusa que dizia "Exu não é diabo", a umbandista Monique Lins, que é branca, é um exemplo da correlação entre as causas — ela reconhece que não é alvo de ataques por religião devido à cor da pele. "Não sofro porque sou branca. Se fosse negra, aconteceria, provavelmente, porque o que existe é um pré-julgamento quando a pessoa é negra".
Católicos e evangélicos presentes
Um dos objetivos da caminhada é o respeito mútuo e o discurso em favor da diversidade não partiu só dos seguidores de religiões afro. "Em tempos cruéis, é importante que cada um conheça os seus direitos. O sagrado é pessoal. E inter-religiosidade é sobre isso", argumenta a evangélica Gilcelene Braga.
Membro da ONG Sementes da Democracia – que além da inter-religiosidade apoia ainda a ideologia feminista e queer (aqueles que não se encaixam em gêneros específicos) –, Gilcelene adota discurso semelhante ao do umbandista Andinho sobre o preconceito não ser resultado de qualquer religião: "A bancada evangélica no Congresso Nacional é cruel. Então nós que somos progressistas temos que botar a cara. Eles não nos representam. Jesus falava de inclusão".
Por falar em inclusão, três integrantes do bloco de Carnaval Afro Ayê Iná, que prega a diversidade religiosa, estiveram presentes na caminhada. E como não poderia deixar de ser, o trio estava composto por pessoas que praticam sua fé por meio de diferentes religiões. "Sou católica, mas vim porque gosto de participar. Sem preconceitos", enfatizou Maria Lúcia.
Já a candomblecista Roseli Santos, presidente do bloco, complementa: "Hoje estamos aqui reunidos pelos nossos ancestrais, pelos africanos escravizados. E é importante vir ao evento porque antigamente essa reunião não era possível".
Leis
Monique conta que, embora não seja alvo de agressões por conta da religião, ouve comentários indesejáveis: "Quando alguém fala que minha religião é coisa do diabo, eu desejo axé. Isso se não for nada agressivo. Se for, procuro meus direitos".
Uma forma de combater a intolerância é registrar ocorrência na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), na Lapa. Adriano Dias, da Com Causa, estimula a prática. "Quando acontece, as pessoas precisam registrar. Se não registram, dificulta a criação de uma lei. Nós já tentamos emplacar uma lei em 2018, ela chegou a ser sancionada, mas o Tribunal de Justiça derrubou por inconstitucionalidade, porque não registram os ataques".
Apoiador da caminhada há anos, o deputado estadual Carlos Minc (PSB) conta que já teve sancionadas duas leis criadas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Uma delas prevê punição a estabelecimentos que compactuem com racismo e intolerância religiosa. Já a outra busca a criação de mais unidades da Decradi pelo estado – as duas primeiras, em Nova Iguaçu e Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, devem iniciar atendimento à população em meados de outubro. "Esse já é um avanço, porque uma delegacia só na capital não dá conta", pontua Minc.
O desejo dos presentes é que os preceitos da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa sejam assimilada para o bem da sociedade. "O evento é importante para mostrar que para ser respeitado é necessário respeitar", finaliza o candomblecista Anderson Júnior.