Mergulhar ou não? Praia de Icaraí tem histórico recente de água limpa, mas receio ainda permanece
Relatórios de balneabilidade divulgados pelo Inea mostram que o mar do bairro, que ficou estigmatizado por causa da poluição no passado, está próprio para banho
Praia de Icaraí está própria para banho; alguns frequentadores aproveitam, enquanto outros seguem receosos - Pedro Ivo / Agência O Dia
Praia de Icaraí está própria para banho; alguns frequentadores aproveitam, enquanto outros seguem receososPedro Ivo / Agência O Dia
Rio - A condição da Praia de Icaraí, em Niterói, na Região Metropolitana, é regularmente discutida entre os moradores e frequentadores da cidade. Alguns afirmam não ter coragem de mergulhar no mar do bairro da Zona Sul do município, que é banhado pela Baía de Guanabara, enquanto para outros, o banho salgado é uma rotina semanal. Apesar do debate, os últimos relatórios de balneabilidade do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) mostram que a praia está própria para banho - para espanto e desconfiança de muitos.
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Desde 2017, os informes de qualificação anual do Inea da Praia de Icaraí consideram o estado do mar como "regular", o que significa que, em 70% do tempo, a água esteve própria para banho. Entre julho, agosto, setembro e início de outubro deste ano, o Inea coletou 112 amostras de água em quatro pontos diferentes da praia para avaliação da balneabilidade. Destas, conforme mostra o relatório disponível no site do instituto, 41 resultaram como impróprias, apenas 37% do total, com 71 sendo próprias.
Em comparação, a Praia do Leblon, na Zona Sul do Rio, que é banhada pelo Oceano Atlântico, teve 84 coletas em três pontos diferentes no período, e 46 das amostras (cerca de 55%) estavam poluídas. O número é quase 20% maior em relação ao de Icaraí.
Desde o fim de agosto até a coleta mais recente, no dia 7 de outubro, todas as 24 amostras de água recolhidas nos pontos à esquerda da Pedra de Itapuca e em frente à Praça Getúlio Vargas foram consideradas limpas. Já nas outras duas áreas, localizadas em frente à Rua Otávio Carneiro e à Mariz e Barros, as últimas amostragens poluídas foram armazenadas, respectivamente, nos dias 9 e 12 de setembro. Ou seja, há pelo menos um mês, a Praia de Icaraí está totalmente própria para banho, em toda a sua extensão.
Os resultados da amostra podem variar, no entanto, de acordo com determinados períodos do ano. Em janeiro e fevereiro, por exemplo, foi constatado que a água estava imprópria para o banho na maioria das avaliações. Segundo o Inea, isso ocorre, principalmente, em razão de fatores naturais, como recorrências de chuvas e trocas de maré, que influenciam diretamente nos testes.
O órgão ainda explica que a análise de balneabilidade é feita por meio de testes microbiológicos. Os pesquisadores avaliam a quantidade de enterococos, bactérias derivadas das fezes humanas que são comuns no esgoto, presentes em cada 100 ml de água. "Uma praia é considerada imprópria para banho se a última amostra apresentar mais de 400 NMP (Número Mais Provável) de bactérias, ou se, nas últimas cinco coletas, dois ou mais resultados ultrapassarem o limite de 100 NMP", informa o órgão.
Além disso, a prefeitura de Niterói disponibiliza placas ao longo da orla de Icaraí, que avisam se, naquele dia, o mar está ou não propício ao banho.
Moradores dividem opiniões
Recentemente, a página Niterói Para Todos fez uma pesquisa, questionando se os moradores tem coragem ou não de mergulhar na Praia de Icaraí. Entre os 324 que votaram, 55% afirmaram que tomam banho no mar do bairro, enquanto 45% dizem não mergulhar.
Administrador da página e morador da cidade, Thiago Mendes, de 41 anos, contou ao DIA que se refresca em Icaraí desde 2019, mas que só "tomou coragem" depois de muitas pesquisas.
"Quando mergulhei pela primeira vez, fiz um post no Instagram e o pessoal me zoou muito, falando que sairia com seis dedos. Os moradores de Niterói costumam ter medo da água da praia, que, pelas questões históricas de poluição, é várias vezes chamada de 'Cocoraí'. Eu comecei a mergulhar, justamente, por conta dos relatórios do Inea. Quando vi os índices de aprovação, confiei, e nunca tive nenhum problema", relata o criador de conteúdo.
Ele contextualiza que, por conta do difícil acesso às praias da Região Oceânica da cidade, em razão do trânsito e da distância, Icaraí acaba sendo uma saída rápida para os moradores do bairro que querem se refrescar em um dia de calor. "Muita gente também frequenta a praia para praticar esportes, assim como eu. Depois das atividades, a grande maioria mergulha. Acredito que, com o mar cada vez mais limpo e projetos de melhorias da orla, dos quiosques, a Praia de Icaraí pode se tornar uma grande potência na cidade", opina Thiago.
O advogado Bruno Rodrigues, 43, faz coro: "O que mais me faz gostar de tomar banho em Icaraí é a proximidade de casa. Eu desço, ando 10 minutos e já chego na praia. Não pego trânsito e nem demoro a chegar, o que sempre acontecia quando eu costumava ir às praias oceânicas, como Camboinhas e Itacoatiara. Antes de ir, é só olhar os índices e ver se está própria para mergulho."
Aline Reis, 35, que administra uma outra página sobre a cidade nas redes sociais, chamada "NiteroIcaraí", explica que vai ao bairro quase diariamente para checar o estado da água e informar aos seus seguidores. "De um tempo para cá, tenho notado que o mar está realmente limpo, transparente, e o tom da água bem azulado. Não vejo sujeira de lixo e, às vezes, até gravo peixinhos nadando ali", detalha.
"Também entro sempre lá, nesta terça-feira (8) mesmo, fui e estava limpíssima. De manhã, bem cedinho, também vejo vários idosos se exercitando na água. Será esse o segredo da vida longa?", brinca Aline.
Em contrapartida, mesmo com os índices positivos, algumas pessoas ainda não se sentem seguras o suficiente para tomar um banho de mar em Icaraí, principalmente por conta do histórico de poluição e do esgoto que era despejado na água.
"Moro na cidade do Rio, mas frequento Niterói diariamente desde quando comecei a estudar na UFF. Sempre ouvi sobre a fama da Praia de Icaraí ser suja, da água ter um odor diferente, escura… Mesmo sendo algo bem cultural, acabou ficando na minha cabeça. O medo de entrar é relacionado a essa sensação de estar fedendo, com o corpo grudento. Nas vezes que passei por lá, a água também não estava muito agradável, então nunca foi uma praia que me atraiu", relata a estudante de biologia Nathália Cerasoli, 24.
Já para a geógrafa Ana Guilhermina, 22, o que incomoda é o fato da praia ser banhada por uma baía, e não por um mar aberto. "Em um oceano, a água se renova mais, dispersando os contaminantes e resíduos. Por isso, essa questão da Baía de Guanabara ser mais limitada me desagrada. Também fico nervosa de pensar na quantidade de esgoto que já foi despejado ali. Não consigo mergulhar em praias com esse histórico, mesmo com as avaliações positivas", desabafa.
Limpeza da água da Praia de Icaraí
Procurada, a Águas de Niterói, responsável pelo saneamento do município, informou que, desde 1999, é feito um trabalho de expansão da cobertura de esgoto da cidade, que hoje é de quase 96%. Segundo a concessionária, Niterói conta com uma rede coletora de 850 km de extensão e nove Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), que tratam 100% do efluente recolhido, e a melhora na balneabilidade da Praia de Icaraí é atribuída à essas atividades.
"Como resultado desse trabalho, a Praia de Icaraí retomou a balneabilidade na maior parte do ano, com o retorno de espécies marinhas como tartarugas e arraias, o que, segundo o boletim do Inea, são bioindicadores que reforçam a qualidade da água", afirma a empresa, em nota.
Na areia, a prefeitura ressalta que equipes da Companhia de Limpeza da cidade retiram os resíduos espalhados pela Praia de Icaraí diariamente, com tratores agrícolas e limpadores de praia acoplados.
Prainha da Glória está própria para banho
Divulgadas nesta terça-feira (8), análises do Inea mostraram que a água da Prainha da Glória, localizada na Região Central da cidade do Rio, está limpa para os banhistas aproveitarem. Segundo o órgão, isso se deve às ações de despoluição e recuperação da Baía de Guanabara, que iniciaram após a compra da concessão dos serviços de saneamento pela Águas do Rio.
Dentre elas, está a obra no Rio Carioca, que, antes, escoava para a Praia do Flamengo, na Zona Sul, e que foi desviado para o Interceptor Oceânico. Isso fez com que fosse evitado o despejo de 20 milhões de litros de água contaminada diretamente na praia. A concessionária ressalta que evita o desague de 92 milhões de litros de água contaminada com esgoto nas praias oceânicas e da Baía de Guanabara diariamente.
*Reportagem do estagiário Gabriel Rechenioti, sob supervisão de Iuri Corsini.
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