Rio - Especialistas ouvidos pelo DIA têm expectativa de pouco impacto do enxugamento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na Segurança Pública. As atividades de 13 delas serão encerradas na cidade do Rio. Moradores e lideranças locais, por sua vez, demonstram preocupação com o fim de projetos sociais nessas comunidades.
Morador do Vidigal, na Zona Sul do Rio, Maurício Silva, 62, reprova a mudança. A favela foi uma das que perderam sua UPP própria e será absorvida pela UPP da Rocinha.
"Eu acho errado. Cada local tem suas características e dinâmicas. O Vidigal é completamente diferente da Rocinha. A população é menor. Tem uma classe média que mora no Vidigal. A UPP funciona bem, se adaptou e não enfrenta hostilidade. Os turistas se sentem seguros", comenta o morador.
O pesquisador Robson Rodrigues, do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Uerj, avalia que os efeitos pretendidos não serão alcançados. Rodrigues defende uma reforma administrativa nas polícias para resolver o problema do déficit de efetivo policial.
"Reformulações são normais, dependendo do estilo de cada gestor, mas, pela experiência e análises históricas, acho que o efeito será contraditório com a motivação. Se o objetivo é recuperar efetivo dos batalhões, me parece que mesmo recuperando esses policiais, não vai ter o resultado desejado. Os batalhões são os maiores vilões no consumismo de efetivo", afirma.
Rodrigues destaca que a polícia de proximidade, implementada nas UPPs, presume o diálogo e o respeito aos policiais e aos moradores das comunidades. "A palavra-chave da proximidade é o respeito mútuo, respeito à comunidade. Se a comunidade não foi chamada pra conversar, o maior interessado não foi ouvido", pontua.
Para a presidente da Associação dos Moradores da Barreira do Vasco, na Zona Norte do Rio, Vania Rodrigues da Silva, a preocupação é com o fim dos projetos sociais. Ela não foi informada sobre a mudança e pediu uma reunião para entender o que será feito.
"Me prontifiquei a procurar a UPP para saber como vai ficar isso. Minha maior preocupação é com os projetos sociais das crianças. Ninguém estava sabendo. Graças a Deus, a relação da UPP com a população é a melhor possível: não tem confrontos, operação, não tem medo. É uma boa convivência", relata. Em uma sala anexa à UPP e no clube do Vasco da Gama, são ministradas aulas de jiu-jítsu, conta a presidente da associação.
Apesar de discordar de políticas de ocupação militarizadas para solucionar questões de segurança pública, o coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF) Daniel Hirata reconhece que as UPPs obtiveram resultados consistentes na redução de uma série de indicadores criminais até 2013.
"De 2014 para frente, começa uma desmontagem do projeto. E nós testemunhamos aqui talvez um dos capítulos finais. Com o fim das UPPs, temos o fim da última política pública em segurança. Do ponto de vista prático, é um fim melancólico e lento. Ainda que tenha um impacto local nessas áreas, muitas vezes a UPP já não atuava como anteriormente. O impacto, acho que é mínimo do ponto de vista das ações nos territórios", avalia Hirata.
Diretor-executivo do Instituto Papo Reto, Raull Santiago concorda que a medida representa a decadência das UPPs. "O sucateamento dessa política de segurança, que na prática só trouxe a polícia, sem conexões reais com outras estratégias de investimento em impacto social positivo, teve um impacto inverso, criando outras formas de conflito e violência. Mesmo policiais de UPP ficam expostos a essa falência", afirma.
Para o diretor do instituto voltado para os direitos das populações de favelas e periferias, não houve um diálogo profundo nem escuta ativa na criação ou no enxugamento das UPPs. "Que haja coragem em nossos governantes para investir em outras formas de garantir o melhor que este estado pode ser, a partir do cuidado e respeito com seus cidadãos, em especial de quem vive a nossa realidade de ausência de direitos básicos plenos nos territórios de favelas e periferias", defende Raull Santiago.
O DIA questionou a Secretaria de Polícia Militar sobre a continuidade de projetos sociais das UPPs encerradas, mas o órgão não respondeu a essa questão. Em nota, a PM informa que a medida permite que mais de 1.100 (mil e cem) policiais sejam empregados em ações de reforço do patrulhamento das ruas do Rio de Janeiro.
"O Projeto de Reestruturação das Unidades de Polícia Pacificadora, que começou a ser implementado em agosto deste ano, tem como objetivo central o aumento do número de policiais militares no patrulhamento e ampliar a sensação de segurança dos cidadãos fluminenses", diz a nota.
A mudança unifica as UPPs e enxuga a máquina administrativa das unidades. A Polícia Militar diz que vai continuar atuando operacionalmente nas comunidades. O efetivo foi realocado da atividade administrativa das UPPs para a atividade-fim dos batalhões de área.
"Cabe destacar que tal estratégia não representa uma mágica de multiplicação de policiais, mas sim um grande esforço que permitirá um substancial aumento de efetivo no policiamento nas ruas, a partir de um choque de gestão na estrutura administrativa das UPPs, que seguirão subordinadas à Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP)", completa.
Com a mudança, o número de UPPs passa de 29 para 16. Desse total mantido pela PM, nove unidades terão as atividades e efetivo ampliados. Além do agrupamento, duas UPPs foram reposicionadas, transferindo suas estruturas para batalhões de suas regiões. A unidade do Andaraí, que passa a ser gerida pelo 6º BPM, é um desses casos.
Confira a nova estrutura das UPPs:
- 1ª UPP/2º BPM - Santa Marta, assumindo a comunidade do Cerro Corá - 2ª UPP/5º BPM - Providência -3ª UPP/19º BPM - Pavão, assumindo a comunidade do Tabajara - 4ª UPP/19º BPM - Babilônia, assumindo a comunidade do Chapéu Mangueira - 5ª UPP/23º BPM - Rocinha, assumindo a comunidade do Vidigal - 6ª UPP/3º BPM - São João - 7ª UPP/3º BPM - Jacaré - 8ª UPP/3º BPM - Lins - 9ª UPP/6º BPM - Turano - 10ª UPP/6º BPM - Borel, assumindo as comunidades do Salgueiro e Formiga - 11ª UPP/6º BPM - Macacos - 12ª UPP/16º BPM - Complexo do Alemão, assumindo as comunidades da Fazendinha, Nova Brasília e Alemão. - 13ª UPP/16º BPM - Complexo da Penha, assumindo as comunidades Vila Cruzeiro, Chatuba, Parque Proletário e Fé/Sereno. - 14ª UPP/22º BPM - Adeus/Baiana - 15ª UPP/22º BPM - Manguinhos, assumindo a comunidade do Arará - 16ª UPP/4º BPM - Mangueira, assumindo a comunidade da Barreira do Vasco