Concurseiros fizeram prova para vaga no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro)Reprodução

Rio - Candidatos que realizaram a prova do concurso público para o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), aplicada pela banca do Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e Assistencial Nacional (Idecan) em setembro deste ano, denunciaram ao DIA possíveis irregularidades nas primeiras fases. Após dois adiamentos, as avaliações foram realizadas no Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Brasília (DF), Salvador (BA), Fortaleza (CE) e Goiânia (GO).

Entre as principais críticas apontadas pelos concurseiros, estão a falta de transparência no edital e no cronograma, notas discrepantes com as mesmas justificativas de correção, a reaplicação da prova de espanhol para alguns candidatos e as significativas alterações de notas.

Falta de transparência

O primeiro aspecto citado pelos pretendentes ouvidos pelo DIA é que o edital do concurso, publicado pelo Idecan em dezembro de 2023, prevê um cronograma com diversas datas até a publicação do resultado definitivo da prova objetiva. No fim, o documento apresenta uma observação: “as datas posteriores a essa atividade serão informadas por meio dos editais subsequentes, a serem publicados oportuna e previamente na página do concurso”.

No entanto, nenhum edital subsequente foi publicado com o cronograma referente a correção e recursos das provas discursivas. De acordo com o candidato A., que preferiu não ser identificado, vários concurseiros perderam o prazo de dois dias - de 12 a 13 de novembro - para contestar a nota que receberam, mesmo acessando diariamente ao site da banca.

“Estou em um grupo que reúne mais de 400 candidatos e muitos relataram que não souberam do prazo de recurso. Teve gente que deixou de pedir, porque a banca não publicou um novo cronograma”, explicou A.

Já o candidato B., que também não quis ter sua identificação divulgada, contou que também entrava no site do Idecan frequentemente, mas não encontrava atualizações. Com isso, buscou as redes sociais e encontrou, nos comentários de uma publicação do Inmetro, pessoas reclamando que não concordavam com a nota que receberam.

“Eu entrei nos comentários e tinha um pessoal falando assim: ‘corrijam as discursivas, minha nota está errada’. Eu pensei: ‘como assim nota errada? Ainda não tem resultado da prova discursiva’. As pessoas estavam confusas e alguém comentou que precisava entrar na Área do Candidato. Sendo que, na página da banca, tinha um link chamado ‘resultados’. Quando você clicava no link, não tinha nada. Eu fui eliminada por nota baixa, na discursiva, sem poder nem entrar com recurso”, contou B., que estava entre as dez primeiras colocações para o cargo que aplicou após a nota definitiva da avaliação objetiva.

D. contou ao DIA que, em um momento, entrou na Área do Candidato e percebeu que o prazo do recurso havia sido alterado e estava novamente aberto aos candidatos, mesmo tendo passado da data estabelecida pela banca. Horas depois, porém, voltou ao normal.

“O prazo para recurso antes estava do dia 12 a 13 de novembro e depois mudou para 13 a 27 de novembro, direto no sistema. Eu tirei print disso. Depois, eles fecharam de novo, mas e se alguém conseguiu fazer recurso nesse prazo? A gente não sabe quanto tempo ficou aberto”, destacou.

Repetição do texto de correção

Quando alguns candidatos tiveram acesso à correção das provas discursivas, discordaram da nota que receberam. Conversando entre si, eles perceberam que as justificativas dos avaliadores eram iguais, mesmo que os valores fossem totalmente diferentes. O DIA teve acesso a diversas avaliações e constatou a discrepância. Por exemplo, o mesmo texto de correção foi enviado tanto a uma candidata que recebeu nota 96 de 100 e quanto para outra que foi avaliada com 33 pontos.

“Saudações! Desde já, agradecemos sua participação! Foi solicitado que fossem abordados os 7 princípios da ISO 9001:2015, que são: Princípio 1: foco no cliente; Princípio 2: liderança; Princípio 3: engajamento das pessoas; Princípio 4: abordagem de processos; Princípio 5: tomada de decisão baseada em evidências; Princípio 6: melhoria; e Princípio 7: gestão de relacionamentos. Além dos 7 princípios da qualidade, também foi solicitado discutir os objetivos de cada um e comentar sobre dois desses princípios. Observação: Salientamos que os princípios não foram citados na íntegra, no entanto alguns deles foram mencionados, direto ou indiretamente, sendo: Foco no cliente e Melhoria. Isso torna sua redação aceitável para atribuição de nota relacionada aos aspectos solicitados, justificando a pontuação. Diante do exposto, ressaltamos que os aspectos 1, 2, 3 e 4 não foram atendidos integralmente, conforme solicitado; no entanto, é possível atribuir uma nota pela abordagem.”

A avaliação foi dividida entre quatro aspectos: apresentação, legibilidade, ordenação das ideias e pertinência e conhecimento sobre o tema. Esse mesmo texto de correção apareceu repetidamente no espaço dedicado a cada um dos itens. A pessoa que tirou 96, por exemplo, obteve 30 dos 30 pontos possíveis na legibilidade, mas o texto destacou que este aspecto não foi atendido integralmente.

O enunciado da questão pediu para o concurseiro citar os sete princípios de qualidade e comentar a respeito de dois. No entanto, candidatos alegam que tiveram acesso a respostas de pessoas que não introduziram nenhum dos princípios e, mesmo assim, tiveram notas altas. Já outros citaram alguns e foram mal avaliados.

“Essa semana, uma pessoa que também prestou o concurso veio conversar comigo. Ela não citou nenhum princípio da norma e a banca atribuiu à redação dela nota 83. Ela me mandou a redação dela, as notas e o parecer da banca. Eu fiquei com essa prova justamente para mostrar à Justiça que houve essa quebra de isonomia”, reclamou o candidato C., que também preferiu não ser identificado.

“Uma questão de nota, muitas das vezes, fica parecendo que é algo muito pessoal, que a pessoa está reclamando da nota que recebeu. Mas, como a gente tem esse grupo e todo mundo começou a falar, fica muito claro que é uma irregularidade sistêmica. Parece que foi um computador que corrigiu e botou a nota. Também é interessante ver que muitas pessoas que tiraram essa nota irrisória foram pessoas que foram muito bem na prova objetiva”, acrescentou o candidato D., que pediu para não ter a identificação divulgada.

Alterações das notas

O candidato A., que estava entre os três primeiros colocados no seu cargo após o resultado da prova objetiva, recebeu uma nota baixa na avaliação discursiva e conseguiu entrar com um recurso. Seis dias depois, entrou no site da banca e percebeu que havia recebido cerca de 60 pontos a mais. A. ainda contou que diversos outros candidatos também relataram melhoria nas notas. Em um caso analisado pelo DIA, uma pessoa que havia sido avaliada abaixo de 20 pontos passou para 99, se aproximando do melhor resultado possível.

“A minha nota mudou drasticamente e eu fiquei super feliz. Eu pensei: ‘resolvido, viram meu recurso'. Não falaram nada, só mudaram a nota do sistema. Mudaram a nota dos quatro aspectos lá e mudaram a nota total”, contou.

O resultado definitivo, já com os recursos deferidos ou não, aconteceu no dia 2 de dezembro. Quando a lista foi divulgada, A. percebeu que sua nota tinha voltado a ser a mais baixa, de quando ela ainda não havia entrado com recurso. A banca, então, comunicou que estava corrigindo um problema no sistema e publicou uma nova lista. A nota de alguns voltou a ficar majorada, mas outros, como A., permaneceram com a avaliação baixa.

“Eu passei 14 dias com a nota alta no sistema. Tenho colegas que a nota aumentou para 72, outros para 90, para 60… Então não foi um erro sistemático, que todos receberam um aumento igual. A nota permaneceu por 14 dias. Eles divulgaram a lista definitiva do resultado com as notas baixas de todo mundo. As pessoas que tiveram a nota majorada ficaram sem entender. Então, eles deferiram e indeferiram diversos recursos e retificaram a lista definitiva. A maioria das pessoas que tiveram a nota majorada por 14 dias tiveram a nota aumentada. Outras pessoas, como eu, ficaram com a nota baixa”, lamentou.

“A banca fez isso sem uma explicação, não explicou nada. Se foi um erro, não explicou que tipo de erro que foi. Por que foi um erro seletivo? Por exemplo, no meu cargo tem várias pessoas que foram de 8 para 90. Então, por que o fulano foi de 8 para 90, o outro foi de 29 para 90? Por que a minha nota não foi retificada como as dos demais? Não estou falando só por mim, falo por outras pessoas que passaram pelo mesmo que eu”, criticou.

Reaplicação da prova de Espanhol

A Idecan divulgou, no dia 1º de setembro, que os candidatos às vagas de analista executivo em Metrologia e Qualidade deveriam refazer a prova de língua espanhola no dia 15 de setembro. Isso aconteceu porque a primeira avaliação saiu com o gabarito para os concurseiros que aplicaram para esse cargo. No entanto, quem realizou a prova de língua inglesa não sofreu qualquer mudança.

Com essa decisão, os pretendentes tiveram uma hora, duas semanas depois da primeira avaliação, para responder a cinco questões, enquanto os outros estudantes fizeram as provas discursiva e objetivas em cinco horas. A segunda, inclusive, contava com 90 questões.

O candidato E., que também não quis ser identificado, ressaltou que, no primeiro dia, as provas de Inglês e Espanhol tinham os textos, as perguntas e as respostas na língua escolhida pelo estudante. No entanto, na reaplicação da prova de espanhol, algumas questões estavam em português.

“No dia da prova, para esse cargo, a prova de língua estrangeira espanhol contava com a resposta certa em negrito. Eles remarcaram, para 15 dias depois, para a prova ser reaplicada para quem fez a prova de Espanhol dentro deste cargo. Só que a prova era o texto em espanhol, as perguntas em português e as respostas em português. Se a gente for comparar, dentro do cargo, quem fez em inglês e quem fez em espanhol, quem fez em inglês foi prejudicado”, lamentou E.

Falta de comunicação

Os candidatos também relataram ao DIA que tiveram problemas ao tentar se comunicar com o Idecan. No edital, foram disponibilizadas três formas de contato: por e-mail, telefonema ou um chat no site da banca. No entanto, concurseiros relataram que só conseguiam se comunicar após horas de tentativas e, muitas vezes, não recebiam respostas para suas perguntas.

“Eles têm um canal de comunicação por e-mail, mas simplesmente não respondem. Inclusive, no telefone, quando a gente liga, eles pedem para mandar e-mail. Após o resultado definitivo, eu enviei um para a banca, explicando a situação, e não me responderam até hoje. No chat, a gente fica horas esperando para ser atendido. Quando somos atendidos, eles dão uma resposta padrão. Por exemplo, a gente perguntava quando seria o próximo cronograma e eles respondiam: ‘não temos cronograma, a próxima data é essa’. Se você pergunta muitas coisas, eles respondem: ‘aguarde novas informações no site’. Sempre assim”, lamenta o candidato A..

D. ainda ressaltou que foi por meio do chat que algumas pessoas descobriram que as notas foram divulgadas dentro da Área do Candidato, e não publicamente no site.

“É muito difícil falar com a banca, muitas pessoas ficam esperando horas e horas no chat. O curioso é que a banca estava fornecendo essas informações no chat para algumas pessoas que conseguiam ficar horas e horas do seu dia na conversa, esperando para falar. Então, a informação sobre recurso estava sendo passada de maneira individualizada. Fico pensando como a banca se dispõe a dar essas informações individualizadas para cada pessoa que consegue falar com eles ao invés de publicar no site, como estava previsto no edital”, questionou.

“Se você não conseguisse entrar em contato com eles, não havia outra forma de saber”, acrescentou C..

‘Muito frustrante’

Os candidatos ouvidos pelo DIA também abordaram a sensação de impotência e as situações que passaram para conseguir participar do concurso público. Um grupo de 60 concurseiros assinou uma carta enviada ao Ministério Público Federal (MPF), relatando o caso e pedindo que o certame seja investigado.

“É muito frustrante. Eu abdiquei de muita coisa e estudei durante um ano para essa prova. Foquei nela e fiquei entre os primeiros colocados na prova objetiva. Foram 90 questões, uma prova extremamente cansativa, e eu fiquei muito feliz com o meu resultado. Isso é brincar com a vida das pessoas. Eu procurei um profissional de redação que avalia em outras bancas, como FGV e Sebrast. Ela corrigiu minha redação e falou que nunca viu uma redação tão boa com uma nota tão baixa”, desabafou A..

Já B. contou que fez outro concurso recentemente e tirou nota 85 na avaliação discursiva, mas ficou com menos de 30 na prova do Inmetro. “Eu faço discursiva treinando no curso de estratégia sempre acima de 80. Então me assustei. Nunca fiz um concurso com tanta irregularidade escancarada”, afirmou.

O candidato D. também disse que não tem mais confiança de que o certame esteja sendo realizado com integridade.

“Como uma instituição que certifica a qualidade realiza um processo seletivo com tão pouca transparência? Isso precisa ser investigado pelo Ministério Público. Eu acho que virou uma grande questão coletiva mesmo. Ninguém mais está tão preocupado com a sua causa individualmente. Todos querem que isso seja investigado”, explicou D..

“Eu tive que viajar mil quilômetros para fazer uma prova que praticamente me jogou fora. É desanimador. Eu já sou servidora pública, já fiz vários outros concursos e em nenhum eu me senti tão desanimada como esse”, lamentou E..

Por fim, C. contou que se afastou do doutorado que estava fazendo para se dedicar totalmente à prova e ficou tomado por um sentimento de frustração.

“É difícil, porque eu me dediquei exclusivamente a esse concurso. Eu tinha um grande interesse na instituição, então fiquei cinco meses estudando direto. Inclusive, faço doutorado e tive que ficar um tempo longe dele para estudar para o concurso. Parece que a gente não tem poder. Mesmo falando que tiveram essas irregularidades, falamos com a banca, com a própria instituição e não somos ouvidos. A sensação é de impotência, frustração e incapacidade”, concluiu.
Toda a situação foi enviada ao Ministério Público Federal (MPF) no último dia 4 de dezembro e constou como recebido pelo Gabinete de Procurador da República no dia 5 de dezembro.
Procurado, o MPF ainda não se pronunciou. Já o Inmetro informou, por meio de uma nota, que tem adotado todas as medidas técnico-administrativas para tratar as reclamações relacionadas ao concurso público. 
"Destacamos que todas as manifestações registradas em nossos canais de atendimento, incluindo a Ouvidoria, são encaminhadas à banca responsável pela execução do certame, bem como à comissão de fiscalização do contrato e à Procuradoria Federal Especializada junto ao Inmetro. Essas entidades têm medidas de prevenção cabíveis dentro dos prazos legais", comunicou a autarquia.
Por fim, o Inmetro reforçou que tem o compromisso de apurar todas as reclamações apresentadas pelos candidatos e colaborar com os órgãos de controle e reforçando as ações de fiscalização. 
"Ressaltamos que a gestão e a fiscalização do contrato estão empenhadas em garantir o cumprimento adequado e eficiente das cláusulas pactuadas, sempre com o objetivo maior de prestar esclarecimentos transparentes à sociedade e garantir a integridade do processo seletivo.  Seguimos trabalhando para que todas as demandas recebam o devido encaminhamento, resguardando os direitos dos participantes e a excelência na execução do contrato", concluiu.
O que diz a Idecan
Em nota, a Idecan confirmou que o cronograma foi disponibilizado até a data da publicação do resultado definitivo da prova objetiva. Em seguida, foram publicados editais de convocação para as provas, mas que competia ao candidato a responsabilidade pelo acompanhamento das fases do concurso. 
Em relação às notas, a banca informou que realizou uma apuração interna sobre a situação e, após a conclusão, retificou as notas dos candidatos que recorreram. "Vale frisar que, durante a reanálise, alguns candidatos puderam acompanhar a modificação em tempo real, o que pode ter causado estranheza pela mudança repentina", explicou a Idecan.
Por fim, a banca afirmou que não prejudicou os candidatos ao cargo de analista executivo em metrologia e qualidade que prestaram a prova de espanhol. "Além de ter sido conferido um prazo razoável com a divulgação necessária para a reaplicação, a prova foi elaborada com o mesmo grau de dificuldade. A medida garantiu avaliação de forma justa e isonômica nos mesmos moldes dos demais candidatos", reforçou.
"Em seus mais de 25 anos, o Idecan sempre prezou pela isonomia, transparência e confiabilidade durantes os processos seletivos", concluiu a banca.