Uma Bíblia foi deixada na porta de uma casa de umbanda após invasão e destruiçãoPedro Teixeira/Agência O DIA

Rio - Uma casa de Umbanda localizada no Maracanã, na Zona Norte, precisou abrir uma "vaquinha" nas redes sociais após ter o espaço destruído na noite da última segunda-feira (27). Na ocasião, os criminosos invadiram o terreiro, roubaram objetos e ao sair deixaram uma bíblia na porta. O caso foi registrado na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) na manhã desta quarta-feira (29).
Segundo a mãe de santo Fernanda, a Casa de Caridade Caboclo Pena Dourada foi alvo vandalismo e intolerância religiosa. Ao DIA, ela contou que o grupo faz uma série de ações na região e lamentou toda a destruição.
"Estou arrasada, porque foi muito esforço, foram três anos de muito trabalho e dedicação. São muitos mutirões, a gente atende toda a comunidade. No Natal, são mais de 150 crianças que damos presentes, fazemos o Papai Noel, doamos cestas básicas para várias famílias, é tanta coisa envolvida que eu ainda nem consegui ter raiva, estou desolada", explicou.
Imagens registradas pelos responsáveis mostram o espaço completamente depredado. Veja vídeo:
Ao todo, os criminosos furtaram diversos itens como: 10 ventiladores de parede, dois de mesa, dois de teto e um de torre, quatro ar-condicionados, dua geladeiras, um freezer, um motor freezer de bebidas, expositor de salgados, fogão industrial, microondas, botijão de gás, máquina de lavar, um televisor, computador, filtro de água, diversos disjuntores, tomadas e holofotes.

Inicialmente, Fernanda fez um relato emocionado nas redes sociais. "Arrombaram os portões, deixaram a casa toda aberta, arrombaram as janelas, entraram e destruíram tudo! Os atabaques foram jogados no chão, levaram todos os ventiladores, quebraram a imagem de Exu, deixaram tudo revirado e destruído, também roubaram as torneiras, então além de tudo a casa estava alagada, nada restou. Ainda deixaram uma bíblia na porta, não sei como a gente vai conseguir reconstruir tudo", disse.
Pela quantidade do material roubado, ela afirma não saber como o caso não chamou a atenção dos vizinhos. "Eles levaram tudo, fizeram uma mudança, não sabemos como a vizinhança não viu, porque assim, teve fogão industrial, geladeira e 10 ventiladores", complementou.
Os responsáveis pelo terreiro souberam da invasão através de um frequentador. "Eu tenho um filho de santo que mora na Rua Jorge Rudge, bem pertinho, então no domingo de noite ele foi passear com o cachorro, passou em frente, viu que estava tudo direitinho, mas na segunda de manhã viu a porta arrombada e me avisou, foi assim que a gente descobriu", contou Fernanda.
Por fim, a mãe de santo deixou um recado para à população. "Primeiro, nós não vamos nos calar, segundo que Jesus não aceita isso, se os Orixás não aceitam, Jesus também não. Isso, para mim, não é feito por ninguém religioso, é feito por bandidos, pessoas que, inclusive, mancham a imagem dos evangélicos deixando uma Bíblia sagrada na porta de um terreiro", finalizou.

Após o estrago, a casa criou uma "vaquinha" nas redes sociais na expectativa reconstruir o espaço. A meta é juntar R$ 20 mil. Até a manhã desta quarta (29), quase R$ 7 mil haviam sido arrecadados.
Luzia Lacerda, jornalista e diretora responsável pelo Instituto Expo Religião, levantou a possibilidade de bandidos terem utilizado a intolerância religiosa para tentar mascarar o roubo. "Nos casos anteriores, vemos uma destruição total dos assentamentos, mas esse caso vem um fato novo: um roubo pesado, que chega a R$ 20 mil. Essa bíblia pode ter sido colocada ali para pensarmos se tratar de um caso de intolerância ou estamos realmente tendo uma nova modalidade de intolerância religiosa", comentou.
"Além de quebrar o sagrado, que é gravíssimo, ainda há o roubo. Assim, a situação piora muito e o nosso movimento terá que ser diferente. Por isso, é muito importante que a Decradi investigue esse caso. Quebrar o sagrado e levar todos os bens, isso não vinha acontecendo. Nesse caso, teríamos que fazer uma chamada pública com todos os religiosos, com as polícias Militar e Civil, porque seria uma nova modalidade", concluiu.
Luzia ainda explicou ao DIA que as religiões de matriz africana passam por três diferentes camadas de preconceito no Brasil.
"As religiões de matriz africana passam por três processos de intolerância: a religiosa; a racial, já que a maioria das pessoas são negras, e contra a mulher, porque é uma religião matriarcal. Por isso, ela seria a que está em primeiro lugar nos casos de intolerância", ressaltou.
Em nota, a gerência para Povos e Comunidades Tradicionais da Prefeitura do Rio prestou solidariedade a casa e informou que está comprometida em contribuir com a comunidade no que for necessário. Dentre as medidas adotadas estão a inclusão do terreiro no Programa Casa Ancestrais, acolhimento socioambiental e suporte jurídico.

"Nós, povos tradicionais, representamos cerca de 5% da população e somos os mais atacados por atos de violência. A atuação da Gerência para povos e comunidades tradicionais é para promover direitos para as nossas comunidades e combater o preconceito", disse em nota.
 
Procurada, a Polícia Militar informou que agentes do 6ºBPM (Tijuca) foram acionados para atender ocorrência de furto na Rua São Francisco Xavier, no bairro Maracanã. No local, a equipe fez buscas, porém não foram localizados suspeitos, bem como o material roubado. 
De acordo com a Polícia Civil, a perícia foi realizada no local e outras diligências estão em andamento para apurar a autoria do crime.