Fundada em 1957, a paróquia mantém a tradição desde então, com exceção de 2020 e 2021, por causa da pandemiaÉrica Martin / Agência O Dia

Rio - A Zona Norte amanheceu em clima de celebração nesta quinta-feira (4). A Paróquia Salesiana de Santa Bárbara, em Rocha Miranda, recebeu milhares de fiéis para homenagear a santa considerada protetora contra tempestades, trovões e acidentes e que, no sincretismo religioso, é associada a Iansã, orixá dos ventos e das tempestades no Candomblé e na Umbanda.
A união entre tradições católicas e afro-brasileiras marca mais uma edição da festa, que já se tornou uma das maiores manifestações religiosas da região há quase 70 anos.
Fundada em 1957, a paróquia mantém o hábito desde então. Somente em 2020 e 2021, por causa da pandemia, a festa não ocorreu em suas proporções habituais.
Este ano, cerca de 10 mil pessoas circularam pela paróquia ao longo da programação, que começou com a alvorada e a procissão luminosa às 6h, e seguiu com missas celebradas ao longo de todo o dia. O recorde histórico diário de público aconteceu em 1965, quando cerca de 30 mil devotos passaram pela igreja.
Além das celebrações tradicionais, uma novidade desta edição foram as barracas de evangelização, onde fiéis puderam registrar testemunhos, fazer pedidos de oração, participar de desafios e levar brindes como medalhinhas, terços, chaveiros e fitas.
Um milagre de 900 gramas
A reportagem de o DIA foi à Paróquia e conversou com alguns fiéis. Um deles foi a professora Aline Santana, de 49 anos, que viveu um dos momentos mais marcantes de sua vida dentro da própria igreja, o qual motiva ela retornar todos os anos com a filha Maria Clara, hoje com 15 anos.
"Eu estava grávida e tive minha filha prematura, com apenas cinco meses e pesando 900 gramas. O médico disse que minha filha talvez não sobrevivesse. Saí do hospital atordoada e vim parar aqui. Chorei uma tarde inteira pedindo a Santa Bárbara que me deixasse levar minha filha para casa."
"Em março, consegui levá-la para casa. Voltei aqui para agradecer. Desde então, há 15 anos, venho todos os dias 4 de dezembro agradecer pela vida dela", completou.
Sincretismo vivo
A festa também se tornou ponto de encontro entre tradições religiosas distintas, mas profundamente conectadas pela figura de Santa Bárbara/Iansã.
Cristiane Lúcia, 42 anos, empreendedora e integrante do Candomblé, frequenta a celebração há anos. Para ela, a data carrega fé, memória e identidade.
"Sou muito devota de Santa Bárbara, sou feita de Iansã. O sincretismo para a gente é fundamental", contou.
"Hoje é meu recomeço. Há pouco mais de seis meses perdi meu pai, também muito devoto. Estar aqui é emocionante. É fé, é força, é energia dos orixás que nos movem todos os dias.", vibrou.
Cristiane relata ainda um episódio em que atribui à proteção de sua orixá a força para se recuperar de um grave problema de saúde.
"Seis meses depois de eu ter feito minha iniciação no candomblé, eu descobri um problema na vesícula. Operei, fiquei 22 dias internada. Mãe Iansã me mostrou o caminho. Estou aqui, firme e forte."
Pedidos por paz
Entre os muitos devotos, Sérgio José de Souza, 64 anos, ferroviário e ministro extraordinário da Consolação e Esperança da Diocese São Sebastião de Catedral, participa todos os anos da festa, e compartilhou alguns pedidos.
"Peço a Santa Bárbara que acabe com a violência, com o feminicídio, que cada um tenha compaixão. Não importa sexo e religião, temos que amar ao próximo", pediu Sérgio.
Tradição que se renova
Para a paróquia, o crescimento da festa é reflexo da força espiritual que Santa Bárbara representa tanto para católicos quanto para devotos das religiões de matriz africana. A cada ano, a organização busca manter viva uma tradição que atravessa gerações.
Com barracas, música, espiritualidade, lágrimas, alegria e uma mistura única de culturas e crenças, a Festa de Santa Bárbara em Rocha Miranda segue como uma das mais marcantes expressões de fé do Rio de Janeiro unindo povos, histórias e esperanças sob o nome da padroeira.
* Reportagem do estagiário Rodrigo Bresani, sob supervisão de Iuri Corsini