Familiares levaram corpos de mortos na megaoperação na Penha e Alemão para praçaReginaldo Pimenta / Agência O Dia
Comissão da Alerj recebeu 383 denúncias de violação de direitos humanos em 2025
Relatório aponta que sete a cada dez registros envolvem pessoas pretas ou pardas e a maioria ocorreu no sistema prisional
Rio - A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (CDDHC) da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) recebeu 383 denúncias de violações de direitos humanos até novembro deste ano. O Relatório Anual 2025, divulgado nesta quarta-feira (10), aponta que sete a cada dez registros envolvem pessoas pretas ou pardas e a maior parte dos casos ocorreu no sistema prisional.
O relatório reúne dados coletados até o dia 7 de novembro, por telefone, "Zap da Cidadania", presencialmente, por e-mails e cartas. Os números são divididos em duas categorias, sendo uma delas de atendimentos, que podem gerar múltiplas denúncias em um único relato e uma pessoa pode originar vários registros de violações. Já os acompanhamentos ocorrem quando a Comissão segue prestando apoio às vítimas, oficiando órgãos e fazendo encaminhamentos jurídicos e sociais, entre outras ações.
As 383 denúncias representam 203 atendimentos e 180 acompanhamentos, que somados resultaram uma média de 2,84 por dia de trabalho. O relatório não conta com dados da megaoperação nos Complexos da Penha e do Alemão, Zona Norte, que deixou 121 mortos, porque ainda não estavam registrados no sistema no momento do fechamento. Segundos a Comissão, as violações se concentraram no sistema prisional e os principais violadores registrados foram pessoas físicas e agentes do governo estadual.
Ao todo, foram registradas 93 violações contra pessoas pretas - 50,5% do total de denúncias -, distribuídas em 44 atendimentos - 48,4% do total de atendimentos -. Somando pretos e pardos, são 128 violações (69,5% das denúncias) em 61 atendimentos (67,1% dos atendimentos). Já nos acompanhamentos, houve 75 violações envolvendo pessoas pretas, chegando a 116 quando incluídas pessoas pardas. A maioria das vítimas é composta por homens entre 25 e 29 anos.
"O relatório reflete o compromisso institucional da CDDHC com a população fluminense, especialmente com aqueles que mais sofrem com a ausência de políticas públicas e a persistência de desigualdades estruturais. A sistematização contempla atendimentos diários, diligências parlamentares, audiências públicas, visitas cidadãs e o acompanhamento de casos emblemáticos que mobilizaram redes de proteção e exigiram intervenções complexas", explica a presidente da Comissão, deputada estadual Dani Monteiro (PSOL).
Pela primeira vez, a saúde aparece como principal motivo de denúncia, com 23 registros (6,01%), sendo 21 (5,48%) de saúde mental. Entre os acompanhamentos, o tópico também liderou, com 29 ocorrências (16,11%), seguida de demandas jurídicas, com 17 (9,44%). Até novembro, a CDDHC enviou 116 ofícios, dos quais 28 tratavam do acompanhamento de operações policiais. Do total, somente 28 tiveram retorno, o que representa aproximadamento 24% dos enviados. "A baixa resposta institucional continua sendo obstáculo central ao monitoramento das operações e seus impactos", aponta o documento.
Procurado, o Governo do Estado ainda não se pronunciou. O espaço está aberto para manifestação.
Violações à saúde em presídios
O levantamento alerta para "condições alarmantes da ausência do direito à saúde" nos presídios do Rio, por meio de denúncias recebidas ou de visitas feitas pela Comissão. O relatório afirma que dentro das prisões, o acesso a serviços básicos é "limitado, fragmentado e, muitas vezes, inexistente" e que o sistema penal "frequentemente se converte em um espaço de adoecimento físico e mental", propício à disseminação de doenças infecciosas.
A alimentação precária, falta de ventilação adequada, acesso restrito à água potável e higiene básica, bem como a ausência de medicamentos e profissionais de saúde são fatores pontuados pelo relatório que agravam a situação, atingindo principalmente pessoas negras, pobres e periféricas. O texto ainda ressalta que muitas mulheres chegam à cadeia com histórico de violência doméstica, abuso sexual e uso prejudicial de substâncias, mas não recebem acompanhamento psicológico ou ginecológico, e que gestante cumprem penas em "condições incompatíveis com a maternidade".
'ADPF das Favelas' reduziu número de vítimas em operações
Segundo o relatório, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, que ficou conhecida como "ADPF das Favelas", ajudou na redução de baleados em operações nas comunidades. Dados do Instituto Fogo Cruzado revelam que entre 2019 e 2024, a ADPF das Favelas salvou nove vidas por semana no estado. Houve redução de 50% no número de vítimas de balas perdidas em operações policiais, queda de 45% no total de pessoas baleadas e diminuição de 60% dos agentes de segurança baleados em serviço.
A medida foi implementada em 2019 e ganhou repercussão após a morte do menino João Pedro Mattos Pinto, baleado durante uma ação das polícias Civil e Federal, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana, durante a pandemia de covid-19, em 2020. Em junto deste ano, a Justiça do Rio decidiu que três policiais civis envolvidos na morte do adolescente, que já haviam sido absolvidos, irão a júri popular.
Relatório lembra mortes em operações
O documento destaca a atuação da Comissão na defesa dos direitos humanos nos casos de mortes em operações policiais. O texto lembra de Herus Guimarães Mendes da Conceição, de 23 anos, morto a tiros por um policial militar, em junho deste ano, em uma ação do Batalhão de Operação Policiais Especiais (Bope) no Morro do Santo Amaro, no Catete, Zona Sul. Na ocasião, equipes realizaram a ação no momento em que a comunidade recebia quadrilhas juninas de todo o estado para uma festa.
À época, a Polícia Militar justificou que a operação foi emergencial, para verificar a presença de diversos criminosos fortemente armados na comunidade, se preparando para uma possível investida de rivias. Além da morte de Herus, outras cinco pessoas ficaram feridas. Os agentes envolvidos no caso chegaram a ser afastados e o comando do Bope exonerado. Entretanto, segundo a CDDHC, o comandante então exonerado voltou a ser nomeado para outro cargo da corporação.
O inquérito da morte do jovem foi concluído em setembro pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que entendeu que o PM que fez os disparos agiu em legítima defesa putativa, quando acredita estar em uma situação de risco. No entanto, no início de dezembro, o Ministério Público do Rio (MPRJ) denunciou por homicídio qualificado os policiais Daniel Sousa da Silva, que atirou, e Felippe Carlos de Souza Martins, responsável por manter a operação mesmo com a festa de quadrilha em andamento.
"A violência de Estado não produz apenas estatísticas de mortos e feridos; ela instaura um trauma coletivo que afeta a saúde mental, destrói laços comunitários e retira dos moradores o direito fundamental ao lazer, a cidade, a segurança e, mais fundamentalmente, o direito à vida", diz o documento da Comissão. O relatório ainda relembra a ação nos Complexos da Penha e Alemão, considerada a mais letal da história do país, com 122 mortes, sendo 117 suspeitos e 5 agentes de segurança.
A CDDHC afirma que enquanto a operação ocorria, recebeu denúncias de invasões de residências e ofensas verbais, bem como a impossíbilidade de sair de casa, levar crianças para escola ou buscar atendimento médico. No último dia 28, a Corregedoria da PM prendeu quatro sargentos e um subtenente por crimes cometidos na megaoperação. Além disso, o MP já denunciou nove agentes do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) por acusações de condutas com desvio de finalidade e abuso de poder.
Ações contra mortes de crianças e adolescentes
No combate às mortes de crianças e adolescentes, a Comissão protocolou no primeiro semestre do ano o Projeto de Lei "Maicon de Souza Silva", que propõe a inclusão do "Dia da Prevenção e Enfrentamento aos Homicídios de Crianças e Adolescentes" no calendário oficial do estado, em 15 de abril. A data marca a morte do menino de 2 anos, em 1996, em um tiroteio entre PMs e bandidos na favela de Acari, Zona Norte. A proposta busca reforçar as memórias das vítimas e a necessidade de políticas públicas de prevenção.
Também no primeiro semestre, a Comissão e a Defensoria Pública do Rio acolheram a família de Gabriel dos Santos Vieira, de 17 anos, morto ao ser baleado em um confronto entre policiais e criminosos, no Engenho da Rainha, Zona Norte. Na ocasião, a vítima estavan na garupa de uma motocicleta, a caminho de uma festa de debutante, onde se apresentaria como dançarino. O adolescente trabalhava como pizzaiolo, ajuda a mãe no salão de beleza e participava de apresentações de dança.
Em 2025, a CDDHC participou da revisão da política estadual de prevenção e enfrentamento aos homicídios de crianças e adolescentes do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedca/RJ), contribuiu para a criação de um protocolo de garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes durante a realização de operações policiais e elaborou a proposta da campanha de prevenção e enfrentamento aos homicídios de crianças e adolescentes.

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