Arte Coluna Nuno 20 dezembro - Arte Paulo Márcio
Arte Coluna Nuno 20 dezembroArte Paulo Márcio
Por Nuno Vasconcellos
As autoridades de Saúde do Brasil tiveram tempo de sobra para traçar um plano consistente e claro o suficiente para informar aos cidadãos os passos da campanha de imunização contra o coronavírus. Puderam acompanhar a evolução das vacinas que começaram a ser desenvolvidas tão logo o mundo reconheceu o estado de pandemia. Dispuseram das informações necessárias para definir, com base na curva de evolução dos casos da covid-19, por onde começar o trabalho e a quem priorizar na distribuição do medicamento...
Mesmo com tudo isso à disposição, a impressão que se tem diante do “Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19” é a de que o governo ainda não tem muita clareza sobre detalhes importantes da campanha que fará a vacina chegar à população. Elaborado para atender a uma determinação do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), o documento apresentado numa solenidade em Brasília, na quarta-feira passada, está mais para uma carta de intenções do que para um plano digno desse nome.
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Por toda parte do texto há lacunas a serem preenchidas. A mais evidente delas é a inexistência de uma data para o início da campanha. Na apresentação do programa, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mencionou que o início estava previsto para “meados de fevereiro”. No dia seguinte, disse que poderá ser antes, na segunda quinzena de janeiro, quando o país deverá contar com 24,7 milhões de doses para dar início ao programa.
Um dos problemas do texto é que, a partir daí, os prazos para imunizar o conjunto da população são excessivamente elásticos. Se forem seguidos ao pé da letra, o país só estará totalmente imunizado ali pelo inverno de 2022. Será que a população tem paciência para esperar tanto tempo?
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A ausência da data para o início da campanha tem duas razões. A primeira é que os laboratórios que desenvolveram a vacina ainda apresentaram à Anvisa a documentação que atesta a eficiência de seus medicamentos — e, sem a comprovação, é temerário aprovar o que quer que seja. A outra é a inexistência, até o momento, de uma proposta firme de compra por parte do governo das vacinas a que poderá ter acesso.

AGLOMERADOS URBANOS — Quando houver uma definição em relação à data, os profissionais da Saúde e os idosos, que têm recebido tratamento prioritário nos países onde a campanha já teve início, serão os primeiros a receber o imunizante. Esse é, sem dúvida, o ponto mais concreto do plano. Daí por diante, nada está definido com precisão, nem mesmo os grupos que deverão receber a vacina depois que os profissionais de Saúde e os idosos estiverem imunizados.
O texto poderia, por exemplo, ter dito que os grandes aglomerados urbanos são, depois dos idosos, os alvos prioritários da imunização. Atenção! Ninguém está defendendo aqui que os moradores das grandes cidades tenham regalias em relação a quem vive nas regiões mais remotas. Nada contra, portanto, o estabelecimento de um plano capaz de atender às populações ribeirinhas ou às comunidades quilombolas, conforme sugerido no documento. Não é aceitável, porém, simplesmente ignorar que há outros brasileiros em situação tão ou mais vulnerável do que a desses grupos.
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Cidades como o Rio e os municípios vizinhos, onde boa parte da população está exposta a condições que facilitam a propagação da doença, deveriam ter a preferência. E as pessoas que “se aglomeram” por necessidade, no transporte público sempre lotado e ineficiente, deveriam puxar fila. Outro critério que poderia ter sido adotado, e que também colocaria o Rio adiante de outras cidades, seria iniciar a campanha pelos lugares em que a rede pública de Saúde já não dá mais conta de oferecer tratamento digno às pessoas infectadas.

HOSPITAIS DE CAMPANHA — Dados da Secretaria Estadual da Saúde mostram que, apenas na capital, cerca de 500 pessoas que apresentam quadros que exigem internação não conseguem vagas nos hospitais. É triste. Esta coluna defendeu, no artigo intitulado “Crônica do Descaso Anunciado” publicado no dia 2 de agosto, que os hospitais de campanha bancados com dinheiro público se tornassem “equipamentos permanentes de atendimento à população mais vulnerável do Rio”. Isso, naturalmente, não aconteceu. Se tivesse, não haveria a carência de leitos que se vê agora...
A campanha de vacinação que se iniciará agora poderia — conforme é possível perceber, pelo próprio plano do governo — ter sido mais bem planejada caso algumas providências tivessem sido tomadas no devido tempo. O documento prevê, na página 32, por exemplo, que a visita dos agentes de Saúde “pode ser uma estratégia aos que têm mobilidade reduzida”. Poder, pode — claro. Mas, para isso, é preciso que os agentes de Saúde saibam onde estão aqueles que merecem esse tipo de atenção.
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Em tempo: até 2016, o Rio dispunha de um cadastro sobre o histórico de saúde de cada cidadão — os que, naturalmente, tinham necessidades de atendimento domiciliar. É nessa hora que se percebe a importância desse tipo de recurso, desativado sem maiores explicações pelo ainda prefeito Marcelo Crivella no início de seu mandato.
Isso é apenas um detalhe. O essencial é que, da forma como foi elaborado, e por mais que o país tenha uma tradição de 47 anos em programas de imunização em massa, como o próprio documento deixa claro, o plano do governo, infelizmente, não cumpriu o papel de tranquilizar a população. Tomara que o texto apresentado tenha servido apenas para atender à cobrança do STF e que algo mais consistente será posto em prática. Tomara.
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