A persistência da pandemia desaconselharia os festejos do Carnaval mesmo em julho. Com planejamento, porém, é possível salvar uma festa tão importante para o Rio
Por Nuno Vasconcellos
O brasileiro de um modo geral e o carioca em particular se habituaram ao longo de décadas a “esquentar os tamborins” no mês de janeiro. A expressão, para quem gosta do Carnaval, se refere às semanas que antecedem à folia, quando é hora de começar a preparar o corpo, o espírito e o bolso para os quatro dias de agitação. Para a grande maioria das pessoas, isso é sinônimo de alegria, de descontração e de gastos mais generosos. Para alguns setores da Economia, é um momento de trabalho intenso e é justamente aí que está o problema.
Vivendo uma fase de vacas magérrimas, o Rio de Janeiro não pode se dar ao luxo de abrir mão da receita gerada por um evento da magnitude do Carnaval. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), das receitas de R$ 8 bilhões geradas pelo Carnaval do ano passado em todo o país, mais de R$ 2,3 bilhões ficaram no Rio. A rede hoteleira local beirou 100% de ocupação durante a semana da festa — o que, naturalmente significa pleno emprego no setor. O mesmo vale para os restaurantes e os bares da cidade.
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E mais: cerca de 10 mil pessoas se credenciaram como vendedores ambulantes para a festa do ano passado. A situação da pandemia, no entanto, mostra que, ao invés de esquentar, é hora de esfriar os tamborins. Por mais que esse dinheiro faça diferença (e faz), é preciso também pensar na saúde da população. Resta saber se é possível zelar pela vida das pessoas e preservar, senão toda, pelo menos parte da renda que o Rei Momo traz para o Rio nos dias de folia.
CRIANÇAS SEM MÁSCARA — A questão é delicada e deve ser mantida, na medida do possível, distante das paixões. Os ânimos estão exaltados e basta que alguém defenda a flexibilização dos mecanismos de controle da pandemia para logo ser tratado como um inimigo da Saúde pública.
Na semana passada, por exemplo, o secretário da Saúde do Rio, Daniel Soranz, defendeu, com razão, a dispensa do uso de máscaras por alguns grupos — entre os quais, as crianças de até cinco anos. Isso bastou para Soranz — que tem adotado medidas eficazes para controle e tratamento da covid-19 — passar a ser acusado de negligenciar os cuidados com a doença. Em tempo: na Europa, mesmo em países que adotaram medidas rigorosas para controle do vírus, crianças de até dez anos estão dispensadas do uso da máscara...
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O xis da questão é: se uma proposta simples e defensável como a de Soranz já causou uma discussão acalorada, é possível esperar, para o caso do Carnaval, um debate mais inflamado ainda. Mesmo assim, e diante do peso da festa para a Economia da cidade, ele não pode ser evitado.
IMUNIDADE — Da mesma forma que não podem se dar ao luxo de abrir mão da receita gerada pelo Carnaval, a cidade e o estado também não devem por em risco a saúde da população. Pelo calendário do momento, os eventos oficiais de fevereiro foram cancelados e os desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, adiados para os dias 11 e 12 de julho. Isso, porém, não basta.
A taxa de contaminação no Rio voltou a crescer nas últimas semanas e qualquer descuido agora pode significar a contaminação pelo coronavírus justo no momento em que a vacina está chegando. Mesmo que corra tudo bem e a campanha de vacinação seja um sucesso, ninguém pode prever com certeza a data para em que se alcançará um nível de imunidade que permita a volta à normalidade. Diante dessa incerteza, algumas pessoas envolvidas com o Carnaval defendem que, ao invés de adiar os desfiles, o mais seguro seria simplesmente não fazer a festa este ano.
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É justamente esse o problema. Assim como não é razoável simplesmente defender que um evento das dimensões do Carnaval seja cancelado — devido ao prejuízo que isso pode causar à Economia e à Cultura cariocas — é preciso admitir que julho está logo aí. E nada indica que, até lá, teremos as condições seguras para a realização do Carnaval, que se caracteriza por aglomerações, pela proximidade entre as pessoas e por momentos de descontração que não combinam com os cuidados sanitários recomendáveis numa hora como esta.
A VEZ DA CIÊNCIA — É possível fazer algo para garantir que a festa aconteça sem que isso leve ao aumento da taxa de contaminação? A tentação inicial é responder que não: seria uma temeridade. O bom senso, no entanto, diz que, se as condições não existem, é possível cria-las. O primeiro cuidado a ser tomado, claro, é a intensificação da vacinação. Todos os esforços, a partir de agora, devem ser concentrados na direção de uma campanha ampla e sem atropelos.
Outro cuidado a ser tomado é a testagem em massa da população — providência que, no caso específico do Rio, passou a ser tratada como prioridade desde a chegada de Eduardo Paes à prefeitura, no último dia 1º. Se os seis meses que nos separam da data marcada para a festa não bastam para se conseguir a imunização geral da população, eles são mais do que suficientes para se elaborar um esquema de testagem que garanta um Carnaval seguro para o maior número de pessoas.
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Isso é possível? Com as informações de momento, a resposta é não. Na semana passada, por exemplo, Paes acertou ao recuar de uma decisão que permitiria a volta de público aos estádios de futebol. A justificativa foi justamente a dificuldade para se fiscalizar o cumprimento das regras de distanciamento recomendadas para essa situação. A cada dia que passa, porém, surgem novas modalidades de testes que fornecem resultados muito mais rápidos e confiáveis.
Com base neles será possível elaborar um esquema que, por exemplo, só permita o acesso ao Sambódromo a quem apresentar o resultado de exames feitos, no máximo, 48 horas antes. Desde o início da pandemia, vem sendo disseminada a noção de que os cuidados com o coronavírus exigem a paralisação de toda e qualquer atividade econômica. Chegou a hora de cobrarmos das autoridades e da ciência a criação de um ambiente seguro para os que já estão na cidade e os que virão para a festa.
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(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)