Nuno7novARTE KIKO

Antes que este colunista seja acusado de insensibilidade diante da situação dos brasileiros vulneráveis, é bom deixar claro que, neste espaço, nunca faltou apoio ao pagamento de um auxílio social destinado a socorrer as famílias mais necessitadas. Sempre que o tema foi mencionado, foi dito aqui que uma parte do orçamento federal deve ser reservada para o socorro às famílias que não dispõem de recursos sequer para cobrir as necessidades mínimas de sobrevivência. É obrigação do Estado zelar por elas.
Dito isso, vamos ao fatos. A aprovação na madrugada de quinta-feira, por 312 a 144 votos, da Proposta de Emenda Constitucional destinada a assegurar recursos para bancar o Auxílio Brasil, a nova versão do Bolsa Família, deve ser analisada com cuidado. No calor da discussão, fica fácil apontar o dedo na direção do presidente Jair Bolsonaro e acusá-lo por tudo que a PEC dos Precatórios, como a emenda ficou conhecida, tem de ruim. Vista em seus detalhes, porém, ela nada mais é do que a reafirmação de um velho hábito da política brasileira, de criar despesas sem se ter a segurança da origem dos recursos para bancá-la.
A ideia, desde o início, era conseguir recursos que garantissem o pagamento de uma bolsa mensal de R$ 400 aos 14,6 milhões de famílias beneficiadas pelo programa anterior. O programa vale até dezembro de 2022. Para que o benefício seja mantido depois de janeiro de 2023, será preciso voltar a discutir o assunto e encontrar novas fontes para se obter dinheiro. Quando isso acontecer, tomara que os parlamentares se dediquem ao tema com um pouco mais de zelo e criem um programa que, além de abrangente, seja estruturado e sustentável no longo prazo.
O que se espera é que, da próxima vez que auxílio estiver em debate, se olhe de uma maneira diferente para a lógica do orçamento federal. É preciso deixar de vê-lo apenas pelos aspectos contábeis e pela necessidade de se remanejar recursos sem ferir os princípios da responsabilidade fiscal. É preciso buscar mecanismos permanentes de financiamento, que livrem o governo (qualquer governo) da obrigação de trocar favores caso queira ter dinheiro para seus programas.
Nenhum presidente da República, seja ele Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro Gomes, João Doria, Rodrigo Pacheco, Sérgio Moro ou qualquer outro que venha a ser eleito em 2022, conseguirá recursos para os programas sociais, por mais vitais que eles sejam, se o orçamento continuar engessado como é e consumido quase que totalmente pela folha salarial que sobe por si mesma e por outras despesas obrigatórias.

“FOLGA ORÇAMENTÁRIA” — A PEC aprovada na madrugada de quinta-feira (que ainda será submetida ao Senado, mas deve permanecer como está) prevê a redução de R$ 89 bilhões para R$ 44,4 bilhões da rubrica orçamentária destinada ao pagamento dos precatórios — que são as ações judiciais transitadas em julgado e que devem ser pagas pela União. Com isso, R$ 44,6 bilhões poderão ser destinados ao novo programa.
Não é tudo. Para se chegar aos R$ 91 bilhões de “folga orçamentária” (eufemismo usado por Suas Excelências para se referir ao dinheiro que conseguiram obter), ainda houve uma mexida criativa nos critérios que definem o limite máximo dos gastos federais. Antes, o teto era calculado com base na inflação acumulada em 12 meses até junho do exercício anterior. No caso deste ano, o cálculo seria feito com base na variação da inflação entre julho de 2020 e junho de 2021. Agora, vale a taxa do ano inteiro.
Dos R$ 91 bilhões “liberados”, cerca de R$ 50 bilhões serão destinados a alimentar o caixa do novo Auxílio Brasil. Ótimo. Restam, portanto, R$ 41 que terão outros destinos. Cerca de R$ 24 bilhões, por exemplo, devem cobrir as despesas com o aumento do salário mínimo e de benefícios previdenciários. O restante será distribuído de acordo com os critérios de gastos obrigatórios com Saúde e Educação e... emendas parlamentares. O dinheiro para isso é uma ninharia diante da bolada que se “liberou” no orçamento: “apenas” R$ 300 milhões. Mas qualquer milhão a mais que um candidato tiver para gastar num ano eleitoral, como será 2022, pode fazer a diferença entre a derrota e a vitória nas urnas.

SEM SURPRESAS — Uma das poucas certezas em relação a esse programa, que não tem sequer sua sobrevivência garantida para além de 2022, diz respeito ao grupo mais prejudicado: os titulares dos precatórios. São pessoas e empresas que foram lesadas pela União no passado, esperam há anos pelo pagamento daquilo que é seu por direito e que, agora, terão que esperar ainda mais.
Tirando esse grupo, que inclui pessoas com nome, endereço e CPF (ou CNPJ) conhecidos, não é o caso de se discutir quem ganha nem quem perde com a medida: na sociedade, todos, mesmo os beneficiados pelo Auxílio Brasil — que ganharão agora uma ajuda que poderão perder já em 2023 — saem no prejuízo. Com o tempo, e num cenário de inflação em alta, logo os R$ 400 que ganharão a partir de janeiro terão um poder de compra menor do que os R$ 226,80 previstos inicialmente.
O país, é bom repetir isso a todo instante, precisa de um programa como o Auxílio Brasil. Mas ele deve existir num ambiente que dispense malabarismos fiscais para se obter dinheiro. No Brasil, o que vale é ter recursos para gastar e a prova disso é a quantidade de votos de deputados da oposição que votaram a favor da PEC dos Precatórios ou se ausentaram do plenário para não ter que votar contra. Votaram pela PEC, 15 deputados do PDT, dez do PSB, dois do Cidadania e 22 do PSDB. Entre os ausentes, havia oito deputados do PT e quatro do PSOL.
Assim como é fácil culpar Bolsonaro por tudo de ruim que existe na PEC, é igualmente fácil criticar esses parlamentares por jogarem o jogo conforme as regras. Enquanto a lógica do orçamento for a atual, o governo terá que fazer manobras para conseguir recursos e essas manobras, tanto para quem as propôs quanto para quem ajudou a aprová-las, serão vistas como eleitoreiras — independentemente do papel que seus partidos exerçam no jogo político.
O que é preciso mudar é a maneira de se encarar o orçamento. Enquanto não houver respeito ao dinheiro do contribuinte, ficará difícil criar um ambiente saudável e capaz de permitir a implantação do programa social mais eficiente que existe: uma Economia dinâmica e forte, capaz de gerar empregos de qualidade e de pagar salários dignos aos trabalhadores.

TRANSPARÊNCIA — Tocando em outro ponto sensível da vida brasileira, o advogado Augusto Arruda Botelho, um dos principais criminalistas do país, acaba de lançar 'Iguais Perante a Lei', livro que procura desvendar os bastidores da Justiça Penal. O livro discute o papel do Ministério Público, explica o instituto do Habeas Corpus e, entre outros temas relevantes, desmistifica algumas questões em torno dos ritos processuais e do exercício do direito de defesa.
“Não há nada de errado, muito pelo contrário, em discutir a Justiça no dia a dia. É saudável e salutar que ela se aproxime do cidadão”, diz Arruda Botelho em um dos trechos do livro. “O problema é fazer afirmações categóricas sobre questões técnicas. Direito é uma Ciência. Os processos têm uma regra, que está escrita na letra da lei, e não naquilo que achamos justo ou que gostaríamos que fosse”, conclui.
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