O presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia - Antonio Cruz / Arquivo/Agência Brasil
O presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo MaiaAntonio Cruz / Arquivo/Agência Brasil
Por Chico Alves
Não houve símbolo maior da mudança na relação entre o governo federal e o Congresso, prometida na campanha presidencial por Jair Bolsonaro, que o fim do "toma lá dá cá". Acabar com a concessão de vantagens que o Executivo costumava dar ao Legislativo em troca de votos em projetos de seu interesse seria um dos alicerces do relacionamento diferente com deputados e senadores. A chamada "Nova Política", porém, envelheceu rápido. A liberação de bilhões em emendas parlamentares para quem votar no projeto de Reforma da Previdência do governo, que atingiu ontem o seu ponto máximo, nada tem de diferente do que fizeram governos anteriores.

O dinheiro repassado é usado em projetos locais dos deputados, que poderão tirar proveito eleitoral de obras e melhorias para a população. O presidente tentou desmentir as acusações de que cedeu à chamada "Velha Política". "Tudo o que é liberado está no Orçamento. Gostaria de liberar tudo", disse Bolsonaro. O argumento, igualzinho ao usado pelos antecessores, contém uma meia verdade: realmente a previsão de emendas está no Orçamento. Mas só houve liberação para os parlamentares que prometeram votos a favor da reforma. "Quem vota contra não tem emendas liberadas. Qual a explicação para isso?", questiona o deputado Paulo Ramos (PDT-RJ). O valor desse repasse pode chegar a R$ 5,6 bilhões. "Nunca houve liberação de tantas emendas em um espaço tão curto de tempo", diz o deputado. "Isso prova que a reforma é ruim. Se fosse boa, o governo não precisaria dar compensação".

Bolsonaro alegou também que faz tudo às claras. "Não tenho mala, não tenho conversa escondidinho em lugar nenhum", disse ele, na tarde de ontem. Algumas horas depois, enquanto a sessão da Câmara se desenrolava, Rodrigo Maia (DEM-RJ) despachava em sua residência oficial, no Lago Sul, recebendo um séquito de líderes dos partidos do Centrão, que levavam reivindicações de emendas de suas bancadas. "Ouvidor-geral" dos pedidos, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se esforçou ao máximo para atender a todos. Horas depois, com alguns bilhões garantidos para os apoiadores, Maia seguiu para a Câmara e deu início à votação da reforma.

O próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, admitiu ao site Jota que a liberação de emendas em sua pasta foi um esforço para aprovar a reforma. A oposição acusa o governo de cometer crime de responsabilidade e promete ir à Justiça contra o expediente. Em meio ao "toma lá dá cá" de sempre, deputados apoiadores e governo certamente vão comemorar a aprovação do texto-base da reforma, para, depois passar á votação dos destaques. O projeto vai, em seguida, para o Senado. Quem não tem nada a comemorar são aqueles que acreditaram na tal "Nova Política". Essa já se aposentou.