Paulo Guedes - Reprodução
Paulo GuedesReprodução
Por Chico Alves
O grande cartunista, humorista e pensador Millôr Fernandes disse certa vez uma frase que poderia servir de parâmetro a nossas relações sociais e políticas: "Para algumas pessoas, a hipocrisia já é um avanço". Dessa forma, Millôr indicava que é melhor o esforço de certas figuras ao fingir em público os bons modos que não têm, do que o despudor de quem se orgulha de seus maus bofes. Nesses casos, a sinceridade é tóxica. A lição serve a muitos nesses tempos de ódio e pode ser útil a uma personalidade que antes era vista nos ambientes perfumados dos economistas como alguém folclórico por seus arroubos, mas educado: o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Como se sabe, essa aparência caiu por terra desde que dedicou a Brigitte Macron um comentário digno de frequentadores dos piores botecos. Como se não bastasse a grosseria do presidente Bolsonaro contra a primeira-dama francesa, quando o assunto já sumira do noticiário e parecia pertencer ao passado, eis que o ministro reprisa a ofensa. Foi além. Depois de confirmar o que disse o chefe, que a senhora Macron seria mesmo feia, o apolíneo Guedes mergulhou ainda mais no machismo: " Não existe mulher feia. O que existe é mulher vista pelo ângulo ruim". O pesadelo piorou quando muitos na plateia de 600 empresários em Fortaleza caíram na gargalhada e... aplaudiram o stand up de mau gosto.

O episódio tem extensão diferente do que aconteceu com Bolsonaro, pois o presidente já é reconhecido internacionalmente por suas caneladas. Até então, Guedes estava fora dessa categoria, algo recomendável para quem lida diretamente com investidores internacionais acostumados com outro tipo argumentação. O insulto gratuito deve ter mudado radicalmente a imagem do ministro da Economia junto a essa elite internacional endinheirada, que ao menos guarda para si os instintos selvagens.

Como não existe nada tão ruim que não possa piorar, Guedes voltou ao noticiário ontem por conta das consequências de seu comentário sobre a sra. Macron. Cobrado por pessoas que o viram passar na orla do Leblon, ele a princípio argumentou, mas depois teve mais um de seus conhecidos ataques de raiva: “Na terceira abordagem como essa, eu largo tudo e vou embora. Aí vocês vão ver o que é bom, como é que fica”, relatou o colunista Ancelmo Góis.

Pode-se dizer que faltam muitos atributos ao ministro Paulo Guedes, mas autoestima ele tem de sobra. Não se olhou no espelho ao criticar Brigitte Macron, assim como parece que há muito tempo não olha os péssimos índices econômicos para ter a impressão de que é imprescindível ao país. Não é. A hipotética saída de qualquer autoridade do governo na sua pasta, todos sabem, seria ruim para o Brasil nesse momento recessivo. Nada, porém, que um país com tantas cabeças pensantes não consiga superar.

Além da autoestima, Guedes mais uma vez exibe arrogância. Sabe-se agora que no íntimo daquele personagem de perfil técnico, engravatado, acostumado a se relacionar com a nata do capitalismo mundial, existe um homem das cavernas que se sente à vontade para exibir seu machismo e suas bravatas em público, assim como alguns bêbados antiquados o fazem nos botecos rastaqueras. Em defesa dos pés-sujos, diga-se que esses personagens são cada vez menos frequentes.

A repercussão dos comentários do ministro sobre a primeira-dama francesa poderiam tê-lo feito refletir. Domar a impetuosidade e medir as palavras seriam boas providências. Se a mudança sincera é algo tão difícil para Guedes, recomenda-se que ao menos siga o ensinamento de Millôr e se esforce um pouco para fingir que é civilizado.