Festas pré réveillon causam aglomerações em vários pontos do Rio - Reprodução TV Globo
Festas pré réveillon causam aglomerações em vários pontos do RioReprodução TV Globo
Por Thiago Gomide
Enquanto reflito a melhor maneira de começar essa coluna, dezenas de pessoas estão morrendo das decorrências desse vírus maldito. Tantas outras estão sendo infectadas sem defesas, muitas porque precisam trabalhar. E milhares estão mentindo que se encontram tristes com os óbitos de parentes ou amigos.
É bonitinho postar no Facebook frases de apoio aos médicos, do tipo “vocês são nossos heróis”. É uma gracinha, parafraseando Hebe Camargo, fazer stories no Instagram bancando de revoltadinho da estrela, do tipo “a morte do meu primo é culpa dessa política nojenta”. Ganha pontos quem envia correntes pelo zap desejando “good vibes” contra o coronavírus – normalmente até recebe um coraçãozinho de resposta. O problema é que diversos só fazem isso para a pose, para o like, para o compartilhamento. À noite estão na praia, aglomerando pelo desejo de aglomerar, para ir contra as medidas de enfrentamento da doença, porque sabem que não vai dar em nada.
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Super entendível alguém ir dar um mergulho para espairecer. Super entendível fazer esporte, ao ar livre, para também encarar essa doideira. Ir ao bar ou restaurante, respeitando o distanciamento, porque é duro o que estamos encarando. Mas é bem diferente de fazer festa, de juntar centenas de pessoas no pico da doença, com os hospitais privados e públicos lotados, com trabalhadores da área médica exauridos, sem previsão de saída para esse mal...Percebam que não é festinha para 3 ou 4. São encontros de dezenas, quiça centenas, de cidadãos. E nem rola o papo de movimentação de economia, porque esse tipo de ação está quilômetros de distância de ser roldana de desenvolvimento. Pior: com aumento de infecção, os hospitais estarão ainda mais sobrecarregados, onerando o Estado.
Feliz 2021? Balela. Mais um ano de individualismo de uma turma que ama falar em empatia, gratidão e fazer símbolo de vitória com dois dedos da mão. Feliz 2021? Imagina. Mais um ano em que as diferenças sociais e econômicas irão se acentuar, mostrando o que a música “Xibom Bombom” traduzia ao pé da letra: “Analisando essa cadeia hereditária/ Quero me livrar dessa situação precária/ Onde o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre”. É a velha máxima que, no Titanic, só teve balsas para uma parcela pequena de uma determinada classe. Feliz 2021? Entre posers, blasés e falsos profetas, teremos 365 dias de situações binárias, onde para não gostar de A necessariamente é preciso amar o B, ou não ser de esquerda significa ser de direita. E vice-versa, óbvio.
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Aquele montão de gente na praia é um raio-x de que perdemos como humanidade. A maioria sabe as consequências para esse tipo de atitude. Ignora-se quem está lutando pela vida, seja de jaleco ou entubado. Ignora-se que estamos nos transformando em um país atrasado, em conceito e gestos. É a valorização do Eu. Eu posso, eu faço, eu sobrevivo, eu preciso, eu sou, eu quero, eu tenho, eu arrebento, eu acabo, eu mando, eu me garanto, eu tenho dinheiro, eu, eu, eu.
Recebi inúmeras mensagens falando sobre como é importante olharmos o copo meio cheio ao invés do copo meio vazio. Respondi dizendo que não sou otimista nem pessimista. O copo meio cheio é um copo meio cheio, fim. Realista ao extremo para entender que é preciso ser pragmático para ultrapassarmos essa maré. Não basta acreditar que a vacina vai chegar. Não basta ficar torcendo que tudo vai dar certo. Muitos jogam fora a água do copo, o copo e a gente junto.
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Nas imagens da aglomeração na praia carioca, reconheci algumas pessoas, inclusive da época de escola. Distantes de mim atualmente, ainda bem. Fui no Facebook de uma delas para saber o que anda falando. Além de fotos em “conexão com a natureza”, mensagem copiada de Natal, tinha uma foto na praia de Ipanema com a legenda "vamos fazer valer a vida".



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