Marcus Vinícius Faustini, secretário de Cultura do município do Rio de Janeiro
Marcus Vinícius Faustini, secretário de Cultura do município do Rio de Janeiro Reprodução
Por Thiago Gomide
Às 5 da matina do 31 de dezembro, o celular desse colunista vibrou. Quebrando a escuridão do quarto, uma mensagem no zap: “Será que podemos gravar nessa manhã?". A educação do interlocutor se associava a outra fama dele no meio cultural, a de começar o trabalho muito cedo, contrariando a ideia de que todo artista “faz samba e amor até mais tarde e tem muito sono de manhã".
Aproveitando que trouxe Chico Buarque para a roda, impossível não pensar na música “Subúrbio” enquanto escrevo sobre o escritor, dramaturgo e cineasta Marcus Vinícius Faustini. “Fala, Maré/ Fala, Madureira/ Fala, Pavuna", compôs o poeta, evocando a distância entre as zonas cariocas e a importância das vozes. Faustini defende isso há décadas, sendo ele um artista que nasceu na Baixada Fluminense, cresceu na comunidade do Cesarão, em Santa Cruz, e enfrentou os mais complicados desafios para ontem (1) assumir a Secretaria de Cultura do município que por séculos foi a capital cultural do país.
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Em dezembro de 1996, precisando levantar grana para montar sua primeira peça teatral, Faustini foi atrás de mais um bico: se vestir de Urso para agitar a garotada de um shopping center em Madureira, pertinho do Mercadão. O calor fez o rapaz emagrecer mais um bocado. Nada que roubasse o sorriso. O dinheiro ajudou a tirar o projeto do papel. De 25 anos para cá, tantos outros foram realizados, em campos intelectuais diferentes, cruzando a cidade, conhecendo as diferenças e juntando pessoas de guetos (às vezes) muito distantes.
A expectativa da nova gestão não é à toa. Faustini fala com gente de A a Z, de Campo Grande ao Leblon, e se for preciso, pode se (e fazer a equipe) vestir de Urso no verão. Trafega pelo povo dos livros, do teatro, do cinema, do circo e até da comunicação. Foi um dos apresentadores do programa “Palanque”, na rádio Roquette Pinto (94,1 FM) e “A Roda”, na TV Globo. Faustini foi criador da Agência de Redes para Juventude, projeto que contribuiu para que jovens “moradores de favelas e periferias transformem ideias em projetos de intervenção em seus territórios”.
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Coisas do Rio – Quais serão os primeiros passos da Secretaria de Cultura em 2021?

Marcus Vinícius Faustini – A cidade do Rio de Janeiro sempre foi, desde os anos noventa, um dos principais laboratórios de cultura, inclusão social, de projetos sociais de cultura, de jovens talentos de periferia, de projetos que trabalham no território de excelência artística. Isso, nos últimos quatro anos, foi inibido e interrompido. Nós vamos retomar. É a grande missão transformar a cidade do Rio de Janeiro no grande farol de Cultura e inclusão social do país. Toda mãe que vive em periferia sabe o quanto um projeto de cultura é importante na vida de um filho para o desenvolvimento pessoal ou desenvolvimento até escolar. Na descoberta de talentos e possibilidades também. A nossa missão principal é voltar a fazer o Rio se tornar a capital cultural. E a capital cultural onde a cultura funciona como inclusão.

CdR – E na prática?

MVF – Na prática significa que a gente vai territorializar o orçamento da cultura, fazendo chegar mais oportunidades em várias regiões da cidade, como não tinha antes. Vamos retomar todos os projetos, as ações e aprimorá-los para que a cultura seja um direito em toda a cidade, apoiando pequenos projetos, organizações, produtores que queiram colocar a sua arte e sua cultura para desenvolver pessoas e territórios. É a grande missão da cultura carioca. Isso vai ajudar a desenvolver o mercado da cultura. Na medida que a gente tiver mais diversidade, mais inclusão, a gente vai ter mais possibilidades de ter novas dramaturgias. Se a gente cria, por exemplo, uma ação para revelar novos dramaturgos, novos escritores, nós vamos ter mais histórias que podem virar séries, novelas, filmes. Novos autores com novas visões. A inclusão é a centralidade para a criação de um mercado cultural forte e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento do mundo do espetáculo. O Rio também é uma atividade de espetáculo, que vai do carnaval aos espetáculos musicais. Nós queremos retomar essa tradição, pensando a inclusão social como eixo central da cultura em todas as regiões da cidade.

CdR – Como vai ser a territorialização do orçamento?

MVF – Olha, a territorialização do orçamento na gestão anterior do prefeito Eduardo Paes já teve experiências, né? Já teve editais voltados para algumas favelas, então isso não é uma novidade. Nós iremos aprimorar.

CdR – Qual vai ser a função dos equipamentos culturais, que compõem a maior rede da América Latina? Como será a gestão?

MVF – Os equipamentos culturais são dos piores legados do governo Crivella. Nós estamos pegando muitos equipamentos deteriorados. Três deles, por exemplo, muito importantes, o telhado está comprometido e isso prejudica inclusive o acervo. Estamos preparando, junto à Secretaria de Infraestrutura, porque temos um desafio de orçamento na Prefeitura muito grande, uma ação de inteligência para aproveitar os recursos que têm e reformar esses equipamentos. Mas, ao mesmo tempo, nós queremos aprofundar a relação dos equipamentos culturais com os territórios, com o bairro, com a vida das pessoas. Que eles não sejam só casas de espetáculos. Tem que ser casa de espetáculo, abrigar a produção da comunidade artística, mas se relacionar também com o que está ao redor. Vamos abrir uma consulta pública já nos primeiros meses para população opinar sobre o tipo de atividade que aquele centro cultural pode ter.

CdR – Dá um exemplo.

MVF – Os equipamentos culturais, como o (Espaço Cultural Municipal) Sérgio Porto (no Humaitá), podem abrir de manhã para serem ocupados por mães que estão com as crianças, que não têm muito espaço público para poder brincar, e oferecer atividades. Pode abrigar empreendedores locais como, por exemplo, a Arena Jovelina e as lonas culturais. Nós vamos pensar os equipamentos culturais para que eles tenham relação com os territórios. Com isso, vamos ouvir a população. Além disso, vamos fazer o trabalho de emergência de reformas nesses locais. Esse também é um eixo central. Nós temos cinquenta equipamentos culturais e esses equipamentos sempre foram os patinhos feios, às vezes até deixados de lado por algumas gestões. Nós vamos tratá-los como prioridade, como orgulho do bairro, como orgulho da cultura carioca.

CdR – Mas como vão ser feita as escutas da população?

MVF – Serão feitas por meio digital e por bairro, junto das subprefeituras, com os grupos culturais que atuam nessas regiões, porque mesmo sendo a maior rede de equipamentos culturais da América Latina, a gente não está em todos os cantos da cidade. O Rio de Janeiro tem uma característica muito importante que é de uma cultura que cria espaços. Você tem uma biblioteca comunitária, como por exemplo em Antares, do Jessé Andarilho, que criou uma biblioteca em uma banca de jornal. Nós vamos apoiar também projetos que criaram equipamentos culturais e ampliar o conceito de rede. O conceito de rede não pode ser só dos centros culturais da Prefeitura, tem que apoiar também as experiências da sociedade civil. Vai ter escuta e vai ter mapeamento para a gente lançar um modelo transparente de escolha.

CdR – O que esperar de um próximo edital?

MVF – O próximo edital das lonas e arenas já vem com novidades para abrigar grupos locais, as organizações gestoras, para abrigar as festas tradicionais, como as que já existem. Nós não estamos inventando isso. Isso já existe na experiência de algumas gestões das lonas e arenas. Nós vamos transformar o que funcionou em modelo, para que o equipamento faça sentido para a vida das pessoas no território. A gente precisa ter uma cidade alegre, uma cidade vibrante, uma cidade pulsante. Eu fui criado no Cesarão (comunidade em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro) grande parte da minha juventude e foi muito difícil ser um artista jovem de periferia ali nos anos oitenta e noventa, sem apoio, sem políticas públicas que ajudasse o desenvolvimento de artistas, né? Então nós vamos criar de novo a retomada de bolsas de pesquisas para artistas se desenvolverem, desenvolverem seus talentos, desenvolverem espetáculos. Isso precisa ser ofertado para a população.

CdR – Vai ter fomento em 2021?

MVF – Vai ter fomento em 2021. Esse é um compromisso do prefeito Eduardo Paes, um fomento para impulsionar o empreendedorismo cultural, pensando na inclusão, na diversidade, no desenvolvimento da economia da cultura, no desenvolvimento da estética dos espetáculos. Então vai ter fomento para ajudar a cultura carioca, no próximo verão, voltar a ser farol do Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo.

Quer saber mais detalhes do fomento que está sendo discutido?
Ouça aqui a fala do secretário.
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Agência de Redes para Juventude
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Marcus Vinícius Faustini se desligou de sua criação para assumir a Secretaria.

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Comunicação
A Secretaria de Cultura está planejando “colocar os seus canais de comunicação para divulgar o melhor da cultura carioca. Hoje o carioca sabe pouco o que acontece no Rio de Janeiro de Cultura. É tarefa da Secretaria de Cultura divulgar os artistas, comunicar o que acontece, para que o carioca se conecte mais com a cultura. A Secretaria de Cultura não pode ser só a rede social para botar uma filipeta comunicando de um evento. Ela tem que contar a história desses artistas, das comunidades, dos projetos. Nós vamos dar uma prioridade nisso. Isso é muito importante”.

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Ericka Gavinho

A advogada Ericka Gavinho foi escolhida por Faustini para assumir a subsecretaria de Cultura.
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Gavinho é uma das vozes mais importantes no debate sobre fomento. As falas públicas dela sobre liberdade de expressão valem a pena serem escutadas com atenção.
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Guia afetivo da Periferia
A professora Heloísa Buarque de Hollanda, pela excelente editora Aeroplano, lançou o livro “Guia Afetivo da Periferia”, do Faustini.
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Helô, como é conhecida, aceitou e está na Comissão de Cultura do Município.
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Histórias com Heloísa

Certa vez, esse colunista e o poeta Omar Salomão, filho do também poeta Waly Salomão, estavam desamparados pela perda de um edital. Heloísa aconselhou: “a cada 10 projetos que proponho, um vai para frente. Esse é o cálculo”.

Voltamos à ativa rapidinho.

Quando apresentava o Sala Debate, no Canal Futura, liguei para a professora para convidá-la para um programa sobre “mulheres no século XX”.

Ao saber o horário do programa, ao vivo, relutou. “9 da noite? Na hora da novela?”. Tive que usar da amizade até com o Papa para conseguir. Ela foi e, pra variar, arrebentou.
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Ciência e Tecnologia
O publicitário Vinicius Oberg é novamente o secretário de Ciência e Tecnologia de Teresópolis.
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Oberg foi o criador da agência República, que há doze anos apontou que sofreríamos problemas graves de investimentos no Rio de Janeiro se não mudássemos a forma de nos relacionar com investidores.
Que tenha sorte!