O 56º carnaval da Banda de Ipanema embala foliões na Zona Sul da cidade, com homenagens aos cantores de samba Teresa Cristina e Moacyr Luz - Fernando Frazão/Agência Brasil
O 56º carnaval da Banda de Ipanema embala foliões na Zona Sul da cidade, com homenagens aos cantores de samba Teresa Cristina e Moacyr LuzFernando Frazão/Agência Brasil
Por Thiago Gomide
Na década de 1960 não havia quitinete mais animada em Ipanema que a de Hugo Leão de Castro, escrevente de imóveis pela manhã e um dos mais instigantes boêmios pela noite. Aqueles 25 m² lotavam. Um desavisado das leis do copo e da convivência era capaz de chamar a NASA para constatar que dois corpos podem sim ocupar o mesmo espaço.

Em uma das inúmeras festas promovidas por Hugo, ele seria batizado com o apelido que garantiria fama e o status de lenda. Preparada para alguns amigos, mais de cinquenta pessoas surgiram na feijoada. Sem ter panelas suficientes, o anfitrião aproveitou o bidê como um lugar seguro, higiênico e diametralmente perfeito para acomodar o caldo, as orelhas e afins. Nascia Hugo Bidet.

As histórias dele corriam o Rio de Janeiro. Andava de bolsa, fato raro na época. Tinha como companheiro inseparável um ratinho que se chamava Ivan Lessa (em homenagem ao jornalista e feroz crítico cultural). O bicho era adorado pela moçada dos bares. Um dia, andando no parapeito da janela, o rato caiu. A comoção foi tanta que levaram para o Hospital Municipal Miguel Couto. Nenhum plantonista quis atender o Ivan Lessa.

Ainda no campo dos animais, é impossível esquecer do dia que o bar Jangadeiro, em Ipanema, reduto de inúmeros bebedores famosos, parou para ver Bidet de farda militar, em cima de um cavalo pangaré, pedir um chope gelado. Foi rejeitado, mas caso tivesse ressaca, nada melhor que o "Coquetel do Zé", uma injeção inventada por um vendedor de farmácia que prometia eliminar as consequências do excesso. “Segundo Hugo Bidet, o remédio era tão bom que, uma hora depois, o paciente já sentia vontade de beber de novo", escreveu Mário Peixoto, no livro “Ipanema de A a Z”.

Hugo Bidet está na seleção que criou a Banda de Ipanema. Sem saber tocar um acorde de qualquer instrumento que valha, gostava de pousar com um trombone em pleno desfile do bloco. Ao certo ninguém percebia que era pura encenação daquele rapaz que se virou profissionalmente também como ator, roteirista de TV e artista plástico.

O cartunista Jaguar se inspirou em Bidet para criar o “Capitão Ipanema", sempre acompanhado do ratinho Sig, tão conhecido na época do jornal O Pasquim. A Feira Hippie, da praça General Osório, tem as digitais de Hugo Bidet. Foi ele quem teve a ideia de expor naquele espaço obras de arte – na sequência os hippies chegariam.

Em 1977, uma cena inesperada: após escrever uma carta de despedida, Hugo Bidet se deu um tiro no céu da boca. Não morreu de primeira. Pelo contrário, saiu ao corredor atrás de ajuda. Um vizinho quase desmaiou. Na maior calma do planeta, Bidet ainda fazia graça. Até o hospital, foi cumprimentando os conhecidos. Nove dias depois, a conta chegaria.

Por falar na Banda de Ipanema

Nascida um ano após a chegada dos militares ao poder, em 1964, a Banda de Ipanema sempre marcou a cidade pela irreverência. Contra a censura, o próprio Hugo Bidet chegou a desfilar com rolhas na boca.
A Banda foi criada por uma turma grande, encabeçada por Albino Pinheiro. Ziraldo e Zélio estão no time.

Ainda na Banda

Quem conta essa história deliciosa é Ruy Castro, no livro “Ela é Carioca":

Perto de chegar a hora do desfile da Banda, um mendigo, com medalhinhas na barba, chama atenção na porta do bar Jangadeiro, na praça General Osório. Recebe algumas moedas e até notas de dinheiro, inclusive em dólar. Comovida pela situação do rapaz, uma senhora tenta entender o passado do pobre homem e doa uma grana generosa após escutar as lamurias cheias de detalhes.

Paulo Goés, farrista de primeira, um dos criadores da Banda de Ipanema, estava encarnando o personagem. “ Deu para pagar os músicos da Banda e ainda sobrou para um chope", escreveu Ruy Castro.