Cesário Melantonio NetoDivulgação

O descaso com a Amazônia, permitindo avanço do desmatamento e das queimadas, somado às mudanças climáticas, eleva o risco de calor extremo, insuportável ao ser humano. A alta extrema da temperatura amazônica atingirá diretamente pelo menos doze milhões de pessoas no Norte e se estenderá por 16% dos 5.5565 municípios brasileiros. As alterações afetarão a sobrevivência humana, pois não seremos capazes de manter a nossa temperatura corporal sem adaptação.

O estresse térmico pode causar desidratação e exaustão e, em casos mais graves, até o colapso das funções vitais. Os danos ambientais e letais à vida humana na região resultarão até 2030, em perdas de até 0,84% na jornada de trabalho equivalente a uma perda de 850 mil postos de trabalho, principalmente na agricultura e na construção civil.

Apesar do obscurantismo ambiental do Executivo federal há algo admirável na persistência de empresários em tentar convencer as autoridades responsáveis a recuperar o protagonismo internacional que já tivemos na discussão global sobre ambiente. Com a aproximação da 26ª Conferência do Clima, em Glasgow, vale a pena voltar à carga, mesmo sem grande chance de êxito. O manifesto "Empresários pelo Clima" do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável é um bom exemplo do esforço nessa direção construtiva.

O texto demanda que o Planalto saia da letargia ecológica e prepare a retomada do crescimento econômico sob o prisma do cuidado com a base natural que sustenta a nossa Economia. Ações sustentáveis podem gerar receita adicional de R$ 637 bilhões ao Brasil. Esse movimento deve mirar o desmatamento da Amazônia e do Pantanal que tanto macula a imagem e a reputação brasileiras. A destruição da maior floresta tropical do mundo responde por 48% de toda a poluição agravadora do aquecimento global aqui gerada e 98% da devastação ocorre ilegalmente por falta de fiscalização.

Com um efetivo combate a esse delito, o Brasil garantiria já o cumprimento de 80% das obrigações nacionais no Acordo de Paris de 2015, texto que estipula a adoção de metas mais ambiciosas para conter em 1,5 grau centígrado o aquecimento atmosférico. O retrospecto do Planalto, entretanto, mostra-se desalentador, visto que, por dois anos consecutivos, o desmate amazônico se deu na casa dos cinco dígitos, acima de dez mil quilômetros quadrados, revertendo avanços obtidos ao longo de uma década.

O desmazelo federal pôs o Brasil na dianteira do processo predatório entre nove países amazônicos. Enquanto no bioma como um todo, a média de antropização abarca 15%, no Brasil a floresta já teve 19% de área alterada pela ação humana. Com esse prontuário ambiental negativo, chegaremos a Glasgow, em 31 do corrente, graças ao negacionismo governamental em questões do meio ambiente. Ainda que seja difícil e improvável uma mudança governamental, em direção à melhor Ciência, uma diplomacia racional e uma elite empresarial responsável podem tentar a retomada de uma trajetória de país antes visto como campeão em biodiversidade.

O aquecimento global afeta a saúde e o desempenho de nossos trabalhadores rurais, em especial, os cortadores de cana-de açúcar, submetidos a condições inadequadas de trabalho e à exposição direta ao sol. No campo social, os cientistas preveem fuga maior da população rural para os centros urbanos com despovoação de regiões com temperaturas elevadas por inadaptação humana ao estresse térmico.

Reverter essa trajetória de destruição florestal não implica só dar um basta às queimadas e ao desmatamento. Exige a recomposição das áreas afetadas e degradadas por meio do plantio das espécies destruídas pelo descaso e pelo consentimento tácito do poder público. Não é balela, muito menos conversa de ecochato, a defesa intransigente da floresta como recurso essencial à vida e com potencial para criar empregos, aumentar a renda e garantir desenvolvimento sustentável na Região Norte.

Os estudos científicos mostram que as ações criminosas contra a Amazônia e o Pantanal - desmatamento, queimadas, garimpos e introdução primitiva de monoculturas - provocarão gravíssimos danos socioeconômicos ao Brasil. Hoje a boiada encontra as porteiras abertas para passar com apoio deliberado governamental. Mas amanhã, o gado poderá morrer por falta de pasto. A destruição das riquezas nacionais pelo próprio governo que as deveria proteger é crime de lesa-pátria.

Por interesses eleitorais e financeiros se acelera a destruição ambiental objetivando ganhos, a curto prazo, de um grupo que pouco se importa com os interesses nacionais. Como dizia Sófocles: "É melhor falhar com honra do que ter sucesso com fraude". A única maneira de garantir acordos significativos em Glasgow é obrigar o Brasil, na base de pressão, a fazer concessões.

Após o desmatamento recorde, dos últimos dois anos e meio, do desmonte de órgãos de fiscalização, do apoio explícito a grileiros e garimpeiros, promessas vazias de conteúdo serão ignoradas pela COP 26. Para voltar a ser respeitado na Conferência do Clima e livrar os brasileiros do estresse térmico, o Itamaraty terá de fazer muito mais na área do meio ambiente.
Cesário Melantonio Neto