Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay: Toga usurpada
"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."
Clarice Lispector
Existem dois perigos a serem enfrentados nestas eleições. Um deles, clássico, é o presidente da República. No mundo lúcido, não há nenhuma pessoa, com um pingo de discernimento, que não classifique Bolsonaro como um ser odioso, ignóbil, baixo e vulgar. É uma figura de quinta categoria e que envergonha o país nos foros internacionais. Uma lástima! O outro é o ex-juiz, que foi o principal eleitor desse fascista que preside o Brasil. Um homem que mercadejou com a toga e que ousou prender o principal opositor do atual presidente para receber como contrapartida o Ministério da Justiça. Tão baixo e vulgar quanto.
É necessário enfrentar criteriosamente o que representa esse ex-juiz. Em primeiro lugar, temos que encarar a gravidade da postura de alguém que instrumentalizou o Judiciário para atingir objetivos políticos. Isso hoje é incontestável. Um julgador que foi parcial e que corrompeu o sistema de Justiça. Um magistrado corrupto. Essa é uma decisão da Suprema Corte do país.
Esse é o juiz candidato que quer usar a já desnudada narrativa de herói, mas que, ainda hoje, é sustentada por parte da grande mídia. E pelas viúvas de um Moro desmoronado intelectual e moralmente. A sombra de uma história inventada, falsa e pusilânime. Razão pela qual escrevi, algumas vezes, que o candidato Moro é a própria fake news.
Por isso, é importante que a discussão aconteça de uma maneira ampla e explícita. Não adianta apenas afastar o fascismo representado pelo atraso do Bolsonaro. É bom que nos posicionemos visceralmente contra esse títere que se insinua como salvador da pátria. O ex-juiz Moro, de triste memória, que não se inibiu a enlamear a toga em troca de um projeto próprio de poder.
O país deve estar atento a essas duas hipóteses de catástrofe. Um crápula já desmascarado que levou o Brasil de volta ao mapa da fome, ao flagelo da inflação e ao desespero do desemprego. Um desastre que se insinua contra o Estado democrático de direito. Esse é o enfrentamento óbvio e amplamente conhecido.
Mas o Brasil precisa refletir ainda sobre a aventura da candidatura do Moro. E ter clareza sobre o que representa esse projeto. O que pensa o candidato sobre a Economia, sobre a segurança, sobre a sociedade, sobre o papel da política num regime democrático e sobre o Brasil em um contexto mundial. Enfim, considerar o que realmente significa esse aventureiro que se vestiu de salvador da pátria com um propósito político fantasiado de justiceiro. E que, enquanto magistrado, serviu-se do Poder Judiciário para atender aos interesses pessoais. Sob o falso pretexto de combater a corrupção a qualquer custo, o ex-juiz e seu bando instrumentalizaram e corromperam o sistema de Justiça.
Nas poucas vezes em que disse a que veio, mostrou-se despreparado e com um projeto tão somente punitivo para o país. Seu pacote anticrime, fragorosamente derrotado no Congresso Nacional, e a proposta das tais dez medidas contra a corrupção, que nada tinham de combate à corrupção, nada mais eram do que retalhos mal costurados de programas antidemocráticos, mas com apelo midiático.
Em relação ao plano das dez medidas, bastaria uma delas ter sido aprovada, a que previa o uso da prova obtida por meio ilícito, que hoje esse candidato estaria se justificando sobre sua postura enquanto juiz. As descobertas do santo hacker teriam que ser escrutinadas, principalmente as relações promíscuas com os procuradores, com os advogados subservientes, com parte da grande mídia e com grupos norte-americanos de fortes interesses no Brasil. Além da questão do fundo bilionário que tinha propósito político partidário com certo escritório de advocacia - suspeitíssimo - que deve ser investigada.
Enfim, esse candidato que, enquanto juiz, vazou criminosamente conversas sigilosas e, ao ser questionado à época, afirmou que pouco importava a origem das conversas, mas sim o “conteúdo” delas, agora foge justamente do conteúdo revelado pela Vaza Jato, pois sabe que não há explicação para os crimes cometidos. É bom para a Democracia que nós nos dediquemos a mostrar quem é, o que pensa e quem representa essa candidatura. E, relembro, talvez a única verdade dita por esse estranho casal foi quando a “conja” afirmou que o Moro e o Bolsonaro eram a mesma pessoa.
O Bolsomoro ou o Moronaro são rigorosamente faces da mesma moeda. E devem ser desnudados em praça pública com a necessária responsabilização pelos seus inúmeros crimes cometidos. Vamos, porém, dar a ele, Sergio Moro, todas as garantias constitucionais que ele negou a todos enquanto magistrado. Inclusive o direito constitucional de ser recolhido à prisão tão somente após o trânsito em julgado.
Parafraseando o poeta: a vida dá, nega e tira. Recorro-me ao velho Pessoa, no Livro do Desassossego: “Ergo-me da cadeira com um esforço monstruoso, mas tenho a impressão de que levo a cadeira comigo, e que é a mais pesada, porque é a cadeira do subjetivismo.”
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