Pastor Henrique Vieira - Divulgação
Pastor Henrique VieiraDivulgação
Por Sidney Rezende

O Brasil vive transformações do tecido social quando o assunto é religião. Ao mesmo tempo que a opção católica perde força, os evangélicos avançam. Os fiéis que professam a orientação de matriz africana voltaram a ser fustigados por fanáticos radicais. É possível ser tolerante com a fé do outro? Sim. Mesmo sabendo que muita gente acredita que todos os padres católicos pensam da mesma forma e que todos os pastores são, para início de conversa, conservadores e adoradores do dízimo que recebem de seguidores. Não é assim, de maneira tão simplista. Pode-se lutar por uma sociedade mais justa, igualitária, democrática, e, ao mesmo tempo, se respeitar o livre exercício de crença de cada cidadão. Até mesmo o direito de quem não acredita em Deus.O pastor Henrique Vieira, o entrevistado deste domingo, tem se destacado por ter uma visão progressista na religião evangélica. Aos 33 anos, ele é pastor da Igreja Batista do Caminho, no Rio de Janeiro. De comunicação fácil, Vieira incluiu no seu discurso pautas delicadas, mas de fácil compreensão, como direitos humanos.

O senhor é um pastor progressista, muito diferente de outros que, apesar de muito populares, são confundidos com charlatanismo. Qual a sua diferença para eles?

Eu faço parte de uma tradição cristã comprometida com a justiça social, os direitos humanos, o respeito à diversidade, a promoção da paz e o diálogo inter-religioso. Existem pastores e pastoras no Brasil inteiro com uma construção teológica séria e compromisso efetivo com o Evangelho. Acredito que a marca principal é a centralidade do amor e do serviço ao próximo como sinais da presença de Jesus. Então, não há espaço para fundamentalismo, extremismo, preconceito, discursos de ódio, estímulo à violência, negação do valor da ciência. Também não há espaço para personalismo, pois não apontamos para nós mesmos, mas para Jesus e valorizamos a liberdade e a autonomia de cada pessoa.

Há como "converter" evangélicos conservadores em progressistas?

Acredito que não se trata de converter. Também vai além de um aspecto progressista ou conservador. Todas as pessoas que têm Jesus como referência devem refletir sobre o significado ético do Evangelho. Jesus amou incondicionalmente; quebrou preconceitos; não se utilizou da vingança; protegeu pessoas da violência; perdoou até seus algozes; condenou o acúmulo de riquezas e chamou os ricos ao arrependimento e à conversão; andou com os pobres e as pessoas desprezadas de sua sociedade; bateu de frente com o moralismo hipócrita dos líderes religiosos que exploravam o povo. Enfim, está no Evangelho e nos cabe seguir!

Em dado momento das conversas sobre a escolha de nomes que poderiam ser pré-candidatos à Prefeitura do Rio, o seu foi levantado, mas o senhor desistiu. No entanto, irá atuar de alguma forma na campanha eleitoral deste ano?

Procuro sempre me posicionar politicamente com transparência e honestidade. Defendo a Democracia, o Estado Laico, a justiça social, o combate à desigualdade, o direito dos trabalhadores e trabalhadoras e o combate às opressões estruturais de nossa sociedade. Acredito que não há democracia possível no Brasil sem o combate ao racismo estrutural e suas múltiplas e cotidianas violências. A partir destes valores, vou me posicionar. No Rio de Janeiro, estou empolgado com a pré-candidatura de Renata Souza à prefeitura. Ela representa todos estes valores e constrói um projeto coletivo e popular de transformação da cidade.

Quais os prós e os contras na aproximação de religião e política?

Uma péssima relação entre religião e política se dá quando a religião se torna projeto de poder com o objetivo de utilizar o Estado para impor ao conjunto da sociedade suas doutrinas. Um exemplo desta relação negativa é o atual prefeito do Rio de Janeiro e a bancada evangélica em Brasília. É algo vergonhoso e exatamente o contrário de cuidar das pessoas. Trata-se de projeto de expansão de poder, não de compromisso com a dignidade humana e com o povo. Quando a religião se traduz politicamente como serviço ao próximo, busca do bem comum, promoção da paz e defesa da causa dos pobres, então se apresenta uma relação positiva. São muitos exemplos bons na história também. As igrejas foram fundamentais na campanha para o desarmamento em 2003, sendo um local onde as pessoas deixavam suas armas. Atualmente existe o Movimento Negro Evangélico; Coletivo de Evangélicas pela Igualdade de Gênero; Coletivo Esperançar de evangélicos por Direitos Humanos; o Coletivo Fraterna de vozes pastorais pela Democracia; a Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito e muito mais exemplos de atuação política consequente, responsável e baseada no amor.

Qual o papel de uma pessoa espiritualizada neste momento de profunda dor com perdas crescentes de vítimas da Covid-19?

A espiritualidade não é uma vacina nem uma anestesia para a dor. Mas acredito que é motivo de consolo, de esperança e inspiração para a solidariedade. A espiritualidade nasce do coração humano em busca por Deus e pelo próximo. Então, o papel é chorar com quem está chorando, socorrer quem está no desespero, servir ao povo com amor e exigir políticas públicas de valorização do SUS e promoção de justiça social. Espiritualidade tem consequência ética e jamais pode ser compatível com indiferença ao sofrimento humano.

Tem gente que identifica na religião mais atraso do que avanço. Qual a sua visão sobre isso em uma sociedade complexa como a brasileira de hoje?

A religião é um atraso quando tomada pelo fundamentalismo e pelo extremismo colocando o dogma acima do amor, estimulando comportamentos intolerantes e violentos. Contudo, a religião quando vivida em amor (como é para ser) é fonte de entrega generosa, compaixão verdadeira, amor ético, desprendimento material e sinal de paz. Quando assim acontece, ela se manifesta como contribuição positiva para a humanidade.

Em seu livro lançado ano passado, "O amor como revolução", o senhor fala do poder revolucionário de pequenos gestos. Está faltando mais amor nos dias de hoje?

Acredito que falta sim. Existe uma idealização do amor e uma perda de seu sentido mais profundo. Amor é mais que sentimento, é atitude e decisão de vida. Amor é cuidar de si e possibilitar o crescimento do outro; amor é uma ética relacional e uma prática política que constrói ambientes onde as pessoas podem ser livres. Amor não combina com alienação e indiferença; rebela-se contra a exploração sobre os pobres, o racismo, o machismo, a lgbtfobia e toda forma de opressão e discriminação. Não existe a ideia de "se amar em casa" e que o mundo se exploda. O amor tem ética, efeito prático, cuida da vida e promove liberdade. Falta amor em nossa sociedade, sim, e, no caso do Brasil, temos um presidente que expressa exatamente tudo aquilo que é contrário ao amor.

O senhor está escrevendo um novo livro. Qual será o tema abordado?

Meu novo livro (estou terminando esse mês) é sobre Jesus! A partir de um resgate histórico, procuro demonstrar que Jesus é insuportável para todo e qualquer fundamentalismo. Inspiro-me no Evangelho e no samba-enredo da Mangueira quando diz que Jesus tem rosto negro, sangue índio e corpo de mulher e que não tem futuro sem partilha, nem Messias de arma na mão. Infelizmente, parte das Igrejas expulsaria Jesus em nome de Jesus! Estamos sob um governo autoritário que usa simbologias cristãs e vemos até crime organizado usando o nome de Jesus. Nada disso tem a ver com o Evangelho. Enfim, o livro é só mais uma singela contribuição para compartilhar o Jesus da Bíblia: que é amor, compromisso com a paz, com a justiça e com os oprimidos. 

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