Lucélia Santos - Reprodução
Lucélia SantosReprodução
Por Sidney Rezende

A projeção internacional de Lucélia Santos como atriz cresceu depois que a telenovela brasileira "Escrava Isaura" foi exibida em 79 países, sempre com sucesso de público. Mas ela também é diretora, autora, produtora brasileira e, ainda, ativista em favor do meio ambiente.

Por um ano, morou em Portugal enquanto gravava a novela "Na corda bamba", do canal TVI e escrita por Rui Vilhena. Para ela, se ausentar do Brasil este período foi conveniente para sua saúde mental, já que chegou a tornar pública sua revolta à atual situação política e econômica do país. Numa entrevista no ano passado, Lucélia disse que se sentia "perseguida". "Eu sempre tive uma posição de esquerda, assumidamente. Sempre tive do lado dos trabalhadores e das populações mais afetadas...". A atriz está convencida que o Governo Bolsonaro é o "pior momento do Brasil desde a ditadura militar".

Nesta entrevista ao Informe do Dia, Lucélia Santos se joga inteira a explicar sua maior preocupação com o Brasil neste momento e abraça a causa ambiental com todas as suas forças. Por morar no Rio de Janeiro, a atriz está muito envolvida com a preservação da floresta do Camboatá, onde a Prefeitura da cidade defende a construção de um autódromo. E olhar para a tribo Xavante também é outra das suas preocupações.

A sua dedicação à preservação do meio ambiente só é comparada com a sua entrega ao ofício de atriz, de representar. Quando despertou em você esta vocação de dedicar seus dias ao planeta?

Eu não consigo identificar exatamente em mim quando foi que tudo começou. Sempre fui diretamente ligada à natureza, a natureza mais profunda, ou seja, a minha própria alma ligada ao mar, à floresta, à montanha e tudo que é e produz vida. Mais tarde, já sendo eu, militante de direitos humanos, onde comecei na anistia dos presos políticos brasileiros durante a ditadura militar, foi que me liguei aos companheiros verdes Gabeira, Sirkis, Minc, Herbert Daniel, Guido Gelli, liszt Vieira. Foi quando fundamos o Partido Verde. Daí, encontrei Chico Mendes nessa época, abracei seu projeto em defesa das florestas, da Amazônia e dos povos originários, e nunca mais parei de militar nessa direção.
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As suas raízes no Rio de Janeiro são profundas. Qual foi a sua reação quando soube que se pretendia permitir a construção de um autódromo em Deodoro, em plena floresta do Camboatá?
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A construção desse autódromo nesse local é completamente absurda. Nós lutaremos com todas as forças para impedir que isso aconteça. Isso destruirá uma das últimas reservas urbanas numa área que é completamente necessitada de árvores e natureza.
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Você também tem dado atenção ao que acontece com os Xavantes, no Mato Grosso, e outros povos indígenas. O que o moradores das cidades precisam saber - e não sabem - do sofrimento destes brasileiros?
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O Brasil conhece muito pouco o Brasil. As pessoas não sabem e não reconhecem os seus irmãos que vivem nas florestas, ou seja, os povos originários e particularmente os povos indígenas. Desde a escola primária, aprendemos errado em livros sobre a história dos indígenas no Brasil. Nós aprendemos do ponto de vista do branco europeu, colonizador e que se considera superior às outras culturas. É nesse lugar que nós estamos. Os povos indígenas brasileiros estão sofrendo nesse momento mais do que a grande maioria da população com a Covid-19. O governo os trata como lixo. Querem se livrar dos indígenas. Pensam e acham que os indígenas atrapalham. O que está ocorrendo com essas populações, nesse momento, pelo governo Bolsonaro, é algo da ordem do genocídio.
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Como tem sido a ação dos deputados e senadores nas discussões de projetos de Lei que interessam a causa indígena?
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O povo pediu, o Congresso aprovou a lei 1142 em caráter emergencial de proteção às populações indígenas. Bolsonaro foi lá e vetou 22 itens absolutamente fundamentais. Neste momento, estamos lutando para derrubar os vetos. Estamos criando uma campanha que se chama "Derruba Veto", em que pretendemos pressionar deputados e senadores a votarem a favor do auxílio às populações indígenas.
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A imprensa brasileira tem dado a importância para os assuntos indígenas como a estrangeira? Você já foi requisitada em outras ocasiões para entrevistas no exterior, o mesmo acontece quando você está no Brasil?
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Essa questão tem que ser contextualizada, porque a imprensa brasileira, de uma forma geral, é bastante limitada nessa questão ambiental. Evidentemente que na Europa, principalmente, existe uma imprensa mais preocupada com a questão ambiental, até mesmo por causa do contexto em que eles vivem. Some-se a isso o fato de o Brasil estar sob o comando de um fascista, que é o Bolsonaro, e que tem ódio a ambientalistas e a tudo o que é meio ambiente. Você viu ele falando que é mentira? Ele deu entrevista com a cúpula de outros presidentes da Amazônia Legal do mundo e disse que é mentira, que não está pegando fogo coisa nenhuma. Ele é tão estúpido, dizendo que aquilo é úmido e por isso não pega fogo, tudo isso é mentira. Ou seja, um nível de ignorância, mas o problema é que não é ignorância. O problema é que isso é o projeto deles. É o projeto do Salles, deixar a boiada passar. Então, têm todas essas questões. Temos um governo que anda para trás, num país que tem uma consciência limitada por fake news, junto com uma imprensa que, além de ser censurada e agredida presentemente, nunca demonstrou realmente um pensamento mais profundo sobre a questão ambiental. Então, tudo isso somado, na Europa, você fica mais confortável, porque as pessoas estão dialogando mais com a questão ambiental.
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O Governo Bolsonaro tem sido acusado de negligenciar do seu papel de fiscalização e cuidados com a Amazônia. O que mais a aflige?
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O governo Bolsonaro tem um plano muito claro com relação às terras indígenas, às populações indígenas e originária de um modo geral, incluindo Quilombolas ribeirinhos, Extrativistas, e etc e ele sabe perfeitamente o que desejam fazer nessas regiões.
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O ministro Ricardo Salles tem sido impiedoso, mas ninguém impede suas políticas. Por que isso acontece?
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O garimpo, a extração de madeira, os grileiros de terra, e o agronegócio são o projeto desse governo, são o que o Sales defende arduamente sem nenhum pudor. Eles estão fazendo tudo o que desejam de uma forma criminosa através de invasões, violações, agressões e violência contra as populações locais. Mas isso não se trata de um descaso ou falta de atenção, muito antes pelo contrário, é um projeto determinado, focado e dirigido contra os povos que vivem nas florestas. Todo tipo de desmonte das instituições defensoras desses povos, como Funai e Incra, tudo que diz respeito à reforma agrária ou às questões ligadas à terra estão sendo tratadas de acordo com os interesses desse governo.
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A elite econômica brasileira tem compromissos concretos com o meio ambiente do país?
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A elite econômica brasileira é parte dessa ação. Eles desejam fortemente cumprir a suas metas econômicas doa a quem doer.
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A cultura brasileira tem sofrido ataques e os artistas sofrem dobrado por causa da pandemia. Qual o caminho que você recomenda a ser seguido neste momento para não privar a população da sua arte?
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Na questão cultural, eu confesso que estou bastante confusa. Não acho razoável por uma necessidade nossa de realizar o nosso trabalho que é sempre ligado ao público seja no set de gravação filmagem ou nos palcos dos teatros, sempre dependemos de aglomerações e pessoas. Assim sendo, no momento de pandemia que, de longe, não encontra uma solução a médio prazo, visto que temos mais de 3.200.000 infectados. E escala ascendente. Não há controle, a pandemia cresce, o número de óbitos aumenta, já passando de 105.000 famílias que perderam seus queridos parentes. Eu não me sinto encorajada a romper o isolamento social que tenho seguido com critério de respeito e integridade. Considero que o isolamento social é a única arma que nós temos nesse momento como combate à infecção. Vejo que a população está ansiosa e louca com a prolongada quarentena. É uma situação muito difícil mesmo. Mas não creio que os artistas devam correr riscos, e, irresponsavelmente, colocar outros em risco. Ou seja, fazendo o que o Bolsonaro faz, estimulando que as pessoas vão para rua, para bares, praia, encontros de aglomeração precipitados, uma vez que ainda não temos a vacina contra a Covid-19.

 

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