Cientista político Paulo BaíaArquivo Pessoal

A reação inédita de apoiadores do atual presidente após o resultado das eleições — que acamparam nos arredores de quartéis, pedindo intervenção militar — é um convite para refletir sobre a nova direita que deu as caras no país em 2018 e vem tomando força desde então. Para discutir as consequências para a sociedade e para o próximo governo Lula, O DIA conversou com o cientista político Paulo Baía. Na última semana, o entrevistado foi homenageado com a maior honraria da Assembleia Legislativa — a Medalha Tiradentes —, como reconhecimento de sua trajetória acadêmica e de sua contribuição para elaboração de políticas públicas no país.
O DIA: Tradicionalmente, o campo da esquerda brasileira sempre foi mais organizado do que o da direita. Isso mudou?
PAULO: Nós temos uma direita nova, que não é a tradicional brasileira e que deu vida à antiga, mais tímida. De 2015 para cá, temos uma direita popular e um líder com uma fala ideológica clara, sem retoques, que é Jair Bolsonaro. E vale lembrar: ele perdeu a eleição por apenas 2 milhões de votos.
Quais as consequências para o próximo governo Lula?
O novo governo terá que trabalhar dentro de uma ideia de frente ampla — que, aliás, foi a característica da campanha já no início, com a escolha de Geraldo Alckmin para vice. A vitória só se deu em função de um discurso e de um palanque estendidos. Note-se que não foi uma escolha baseada em cálculo eleitoral, e sim político, consciente de que um grande arco de alianças seria necessário para governar. A extrema direita mostrou nas urnas que tem poder popular. Não se pode dizer que o Bolsonaro era um candidato como outros do passado: ele efetivamente faz o discurso da extrema direita, que agora está organizada na frente dos quartéis.
E o que isso significa para a política?
Significa que a política será mais franca, mais direta. Acho isso positivo. Por exemplo, as discussões atuais sobre responsabilidade fiscal, social e teto de gastos estão mais límpidas. O governo Lula tem um eixo político explícito, assim como o contraponto também. Não é um jogo de cena hipócrita, pois os interesses estão visíveis.
Como o senhor vê o futuro da democracia brasileira dados todos os questionamentos que vêm acontecendo este ano?
A essência da democracia comporta inclusive sua contestação. É o sistema que permite até a ação dos antidemocratas: num governo autoritário, como na Rússia ou no Irã, isso não é possível. O contraponto é que as instituições têm que necessariamente aceitar os desafios e funcionar, pois são o contrapeso às permanentes tentativas de derrubar a democracia. Agora, como responder a isso? Com os freios: o do Legislativo em relação ao Judiciário, do Judiciário em relação ao Executivo e Legislativo, para que um segure o outro. Desde 2018, com a greve dos caminhoneiros, temos visto um estado permanente de tensão. Naquela época, a pauta já era intervenção militar. O Legislativo foi omisso, mas os outros poderes agiram bem. Foi a sinalização de que havíamos mudado de patamar, tendo uma oposição de um novo tipo — que é o que estamos vendo agora com o bloqueio das estradas. Trata-se de uma presença organizada, com acampamentos em frente a quartéis de todas as unidades federativas, com comando único e linha de divisão de tarefas — e financiada, já que há refeitórios e banheiros químicos.
Dizia-se que a eleição de Bolsonaro em 2018, com tão poucos recursos, havia sido um ponto fora da curva. Essa fala se mantém, dado o resultado de 2022?
A eleição de 2018 foi disruptiva, ela mudou o nível de política no Brasil. Não só por causa do resultado, mas também pelo seu formato de comunicação: a relação direta via WhatsApp tem um peso enorme. Na época, achava-se que o Bolsonaro perderia por não ter recursos ou tempo de rádio e TV. O que podemos falar sobre 2022 é que não houve mudança, tanto que os apoiadores de Bolsonaro foram muito bem sucedidos no primeiro turno. A diferença é que a oposição não foi pega de surpresa, e, com isso, a dinâmica mudou. A campanha do Lula também se organizou para uma campanha em rede e um enfrentamento com as mesmas armas — tivemos fake news de ambos os lados, por exemplo.
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