Por nara.boechat

Rio - Alex Pereira Barboza, 39 anos, dá um suspiro e tira os óculos escuros. Fica emocionado ao falar sobre as manifestações que varrem o país. MV Bill está inspirado. Mais do que nunca. Enquanto o disco recém-lançado ‘Monstrão’ chega às mãos dos fãs, o rapper — ou repeiro, como prefere ser chamado — começa a municiar sua metralhadora de rimas com o que tem acontecido nas ruas. Ele adianta ao DIA: duas músicas sobre o tema já estão prontas. Outra, em processo de criação, terá participação de Lenine.

Sentado no corredor do condomínio onde mora%2C na Cidade de Deus%2C MV Bill critica a truculência da políciaPaulo Alvadia / Agência O Dia

“É impressionante saber que uma porrada de gente espera para ouvir o que tenho a falar sobre o que está acontecendo no país. Antes, eu cantava e não sabia se aquilo ia chegar a algum lugar. Hoje, tenho 150 mil em uma rede social, 80 mil na outra... Escrevo sabendo que a voz vai ressoar. Que momento!”, vibra, sentado no corredor do condomínio onde mora, na Cidade de Deus.

Parece até profecia: no clipe da faixa-título do novo CD, uma máscara do ‘V de Vingança’ — um dos símbolos dos protestos — aparece bem no momento em que é cantado o verso “vagabundo não dorme, só cochila”. Tudo a ver, porque, como se diz por aí, ‘o Gigante acordou’. “O vídeo foi gravado em abril, antes de tudo começar”, ele lembra.

“Algumas das minhas músicas antigas já convocavam as pessoas para a manifestação contra o que as oprime. Mas elas saíram do meu imaginário, porque nunca tinha visto manifestações como essas. Já cheguei a dizer que considerava o povo brasileiro manso. Pacífico demais. Deitado eternamente em berço esplêndido. Preciso rever meus conceitos. Isso está mudando”.

Ainda não há previsão para divulgação do novo trabalho. Mais: crítico das gravadoras, MV Bill garante que só está falando sobre as músicas novas porque a carreira como artista independente lhe dá liberdade. “Se eu estivesse numa gravadora, não poderia contar nada. Diriam que o pessoal ficaria interessado no próximo trabalho... Para mim, não tem nada disso. O momento é inspirador mesmo e pronto”.

Minutos antes da entrevista, moradores da Cidade de Deus se aglomeravam. Era um ato de repúdio à forma truculenta, segundo eles, com a qual PMs abordaram um jovem. MV Bill engrossa as críticas. “A polícia ainda é autoritária. Outro dia, estava dirigindo e fui parado por um PM. Ele veio com a arma apontada. Ao me reconhecer, se desculpou. Se não fosse pessoa famosa, o clima de terror iria até o final”.

Ele cita o caso do pedreiro Amarildo, desaparecido desde 14 de julho. “A polícia tem que dar uma resposta. Do contrário, coloca em xeque a credibilidade das UPPs”, acredita.

Um ‘monstrão’ que é músico, ator e escritor

E o ‘monstrão’ não para. O quinto videoclipe do novo disco está saindo do forno — desta vez, a música é ‘Vibe da Nite’. A filmagem foi em Brusque, em Santa Catarina. E ainda há planos para televisão e literatura. Ele acaba de gravar ‘Se Eu Fosse Você’, nova série da Fox, inspirada no filme homônimo. “Meu personagem é um artista plástico falido, que depende da mulher”, diz ele, que este ano também encarnou o policial Tonhão na comédia ‘Odeio o Dia dos Namorados’, de Roberto Santucci.

“Não sabia que a minha cena era a mais maneira! O Santucci me tratava normalmente no set. Talvez tenha sido uma estratégia para não me deixar nervoso. Eu o chamei carinhosamente de diretor irresponsável”, gargalha.

Longe das câmeras, ele escreve dois livros com Celso Athayde, que também é um dos fundadores da Central Única das Favelas (CUFA): ‘CDD Anos 80’ e ‘Na Boca do Sapo’. O primeiro é sobre a trajetória de vida de MV Bill; o segundo, sobre a de Celso. “Escrevemos e assinamos juntos. Mas são livros distintos. Em algum momento, entretanto, eu apareço no livro dele e ele aparece no meu”, explica MV Bill, cujo livro de cabeceira é ‘Vale Tudo — Tim Maia’, de Nelson Motta. “É muito inspirador. Mostra a persistência do Tim”.

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