Por clarissa.sardenberg

Rio - Se a questão é manter vivo o Circo Voador, a baixinha de 64 anos Maria Juçá vira uma gigante com a mesma energia de uma adolescente cheia de hormônios em ebulição. E parte para dentro da briga, seja com o desafeto Perfeito Fortuna (um dos fundadores do Circo, com quem teve uma cisão nos anos 90) ou com os ex-prefeitos César Maia ou Luiz Paulo Conde. “No entanto, sou amiga e transito muito bem entre inimigos declarados, como Lobão e Herbert Vianna ou Yuka e Falcão, do Rappa”, relativiza a diretora da lona da Lapa.

Os êxitos, fracassos e ‘tretas’ que vivenciou desde 1982, quando foi convidada a integrar a equipe do Circo Voador, estão no livro ‘A Nave’, (Ed. do Autor, R$ 59,90), um calhamaço de 703 páginas (“O texto original deu mais de mil páginas, tive que dolorosamente reduzir. São muitas histórias”), que Maria Juçá lança nesta quarta-feira, às 19h, na livraria Blooks (Praia de Botafogo 316).

Maria Juçá acompanhada por Chico Science e Nação ZumbiDivulgação

“E, no segundo semestre deste ano, sai um documentário sobre o Circo, que também vai se chamar ‘A Nave’, dirigido por Tainá Menezes. É o primeiro filme dela, uma jovem cineasta de 30 anos, amiga da minha filha. Ela conseguiu a façanha de editar para 1h10 as cerca de 8 mil horas do nosso acervo”, detalha Juçá.

O livro conta a história da autora desde antes de integrar a trupe, e inclui passagens divertidas e curiosas, como o dia em que ela fumou um cigarro de maconha com Bob Marley. “Um ano antes de ser convidada para o Circo, eu trabalhava na equipe da Rádio Cidade, e o Bob veio ao Rio para uma entrevista coletiva. Aqui, foi apresentado a ele um baseado gigantesco, até hoje fico assustada quando lembro, era da grossura de umas quatro canetas”, espanta-se. “Eu só lembro de dar um trago e meu olho começar a rodar, que nem se tivesse enfiado o dedo na tomada. Só que logo mandaram apagar, porque, de acordo com os rastas, as mulheres não podem participar dessas rodinhas de fumo. Mas eu quebrei o protocolo!”

Circo Voador terá história contada em livroFelipe Diniz / Divulgação

‘A Nave’ traz ainda depoimentos exclusivos de Frejat, Tom Zé, Lenine, Lobão, Gilberto Gil, Angela Ro Ro e Marcelo D2, entre muitos outros. Estão lá relatados o show para lançamento da candidatura do Macaco Tião à prefeitura do Rio; a transmissão ao vivo do programa ‘Perdidos Na Noite’ (que Fausto Silva comandava na Band); a apresentação do Titãs no início da carreira para apenas 13 pagantes; o dia em que o punk Jello Biafra disse que só subiria ao palco da lona se tomasse banho em uma jacuzzi (e acabou na banheira da casa de Renato Russo); o fechamento do estabelecimento depois da comemoração da vitória das eleições pelo prefeito Conde, em pleno show do Ratos de Porão; o reencontro do Planet Hemp, quando 5 mil fãs (o Circo comporta 2 mil) derrubaram as grades e quebraram até os banheiros; a lata de cerveja que jogaram da plateia no James Taylor; e quando Tim Maia ficou de mal com Juçá, injuriado com a faixa em que estava escrito “Tim Maia está rouco, Tim Maia está louco”, que ela colocou na porta do Circo após ele não ter comparecido a uma apresentação marcada lá. “Depois fizemos as pazes e ele fez mais uns 15 shows no Circo”, diverte-se ela.

Maria Juçá só não se reconciliou ainda com o antigo colega de lona, Perfeito Fortuna (hoje responsável pela Fundição Progresso). “Somos de mal um com o outro, mas não queremos o mal um do outro. Ele atesta que o Circo deveria acabar e que a Fundição seria sua sucessora, como algo mais grandioso. Mas lá é um espaço gigante, e eu acho que precisamos manter essa usina experimental para as novas gerações de artistas, como é o Circo Voador. Só volto a falar com ele se ele beijar minha mão!”, sugere, às gargalhadas.


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