Ana Flávia Cavalcanti
Ana Flávia CavalcantiDivulgação/Globo
Por Filipe Pavão*
Rio - Ana Flávia Cavalcanti já marcou presença na TV, no teatro, no cinema e, recentemente, estreou no streaming. A atriz, de 38 anos, dá vida a enfermeira Inês em "Onde Está Meu Coração", série que aborda a dependência química do crack e chegou ao Globoplay neste mês. "Essa série balança muito a gente porque trata a pauta da droga. Está muito linda apesar de um pouco triste. Você se abala, mas tem final feliz", garante.
Publicidade
"Na série, é uma mulher branca de olho azul, a Leticia Colin, que é viciada em crack. A Dra. Amanda vem de uma família super rica, na qual o pai é medico, a mãe é uma empresária de sucesso e a filha é uma cardiologista que usa crack, se vicia e vive uma situação bastante dura. A gente apresenta para o grande publico o que é a droga, o que causa na vida da pessoa e, de alguma forma, tira a imagem do cracudo como o homem negro", conta.
Ela descreve sua personagem como uma inspiração para outros dependentes químicos. "A Inês é uma enfermeira e ex-viciada que já passou bastante coisa e agora está bem, está trabalhando. Ela apresenta para a Dra. Amanda que é possível sair dessa, que há esperança", diz Ana Flávia.
Publicidade
Em diferentes telas
Recentemente, a atriz conferiu a reprise de "Malhação - Viva A Diferença", gravou "Amor de Mãe", estrelou o longa "Corpo Elétrico", dirigiu, produziu e atuou no curta "Rã", além de ter encenado em performances que denunciam o racismo, como "A Babá Quer Passear". Ela associa essa vontade de trabalhar em diferentes frentes a sua curiosidade, ascendência em Sagitário e, claro, vontade de levar representatividade negra.
Publicidade
"É desejo de abrir frente. Há uma falta muito grande de representatividade da população que é vista como minoritária, mas, na verdade, é maioria. É minoritária em direitos. Isso dá um pouco de agonia. A gente não se sente representado e a sociedade branca, rica e heteronormativa não muda por ela mesma, não está interessada em apresentar outros corpos e outras possibilidades de relação em suas narrativas", reflete a atriz, que ainda completa: "Essa maior representatividade só acontece porque nós, artistas pretos e pretas, estamos produzindo, escrevendo, roteirizando, dirigindo as nossas histórias."
Local de fala
Publicidade
Ela adianta, inclusive, que quer produzir um documentário sobre o trabalho doméstico no Brasil, tema que é pouco tratado no audiovisual brasileiro, mas é a realidade de sete milhões de mulheres, incluindo muitas de sua família. Além disso, também já tem um filme escrito que aborda sexualidade.
"Teve agora Dona Lurdes, em 'Amor de Mãe', o filme 'Que Horas Ela Volta', da Anna Muylaert, com a própria Regina (Casé) também, mas fora isso, a gente não vê representatividade. É uma pena... Tenho um outro curta-metragem escrito também, o 'História de Amor Entre Duas Mulheres Lésbicas', que tem total a ver com a minha vida sexual e amorosa", revela.
Publicidade
Vivências
Criada pela mãe empregada doméstica em um cômodo de menos de 20m² ao lado da irmã, com um banheiro e tanque do lado de fora, Ana Flávia usa a arte e o espaço conquistado para dar voz a questões vividas durante a infância e que geralmente não tem visibilidade no audiovisual mainstream.
Publicidade
"A casa que cresci está no meu coração e valorizo muito hoje, mas o que não valorizo é que nesse bairro a gente não tinha muitas possibilidades de escolha. Isso é injusto e tenho vontade de combater. As vivências que tenho de criança e adolescente são parecidas com a maioria do Brasil. Recebo feedbacks de pessoas que olham meu trabalho e pensam: 'caraca, isso aconteceu comigo também. Quero ver mais sobre mim, meu universo e minha família'. Isso é a minha maior potência e meu maior orgulho", conta Ana, que ainda reflete sobre a falta de representatividade na TV nos anos 80 e 90.
"Cresci assistindo aos programas da Globo e do SBT. Eram programas tenebrosos e, para ser sincera, cruéis. Aquele café da manhã que rolava na Xuxa era cruel porque a população pobre estava passando fome no pós-ditadura. Você acordava e via aquelas paquitas louras dançando, sexualizando e tomando aquele café de rainha, tinha até favo de mel. A gente ficava vidrado e eu não esqueço", lembra.
Publicidade
*Estagiário sob supervisão de Tábata Uchoa