Por gabriela.mattos
Rio - Durante quase 30 anos, quem frequentava a quadra do Salgueiro logo reconhecia a voz marcante que ecoava no espaço da Vermelha e Branca na Rua Silva Teles, no Andaraí, Zona Norte do Rio. Por trás dos microfones, o lendário Bira do R comandava os eventos da escola. Mesmo distante da função há quatro anos, Ubiratan Senjori de Souza Ferreira, de 79 anos, continua tendo o título de locutor oficial da agremiação.
Bira acumula 50 anos de histórias e experiências no Salgueiro. Com um vasto currículo na escola do coração, ele destaca a importância das agremiações de transmitir cultura para o povo. “A gente pode aproveitar para divulgar a cultura de nossa gente, para o povo mais humilde, que não tem condições de estudar. É o que nós podemos fazer, o samba tem essa função. Eu não morro sem provar isso”, enfatiza, emocionado.
Conhecido por sua voz marcante%2C Bira do R tem cinco décadas no SalgueiroMárcio Mercante / Agência O Dia

Formado em Direito e militar da reserva, Bira se dividia entre a Vermelho e Branco e o seu trabalho de controlador de voo no início da carreira. Ele conta que seu amor pelo Salgueiro começou em 1958, quando a agremiação levou para a Avenida Presidente Vargas uma homenagem aos 150 anos do Corpo de Fuzileiros Navais.

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“A bateria do Salgueiro batia igualzinha a banda marcial dos Fuzileiros Navais. Quando eu vi, falei: 'caramba, rapaz, que escola é essa?!' Aí me apaixonei por ela”, conta Bira do R, com sua forma peculiar de falar que lhe garantiu o apelido que carrega até hoje. Ele foi filho de um fuzileiro naval.
Bira enaltece o carnavalesco Fernando Pamplona, que, segundo o locutor, com seus enredos levou a história do país para os brasileiros.“Eu tiro o chapéu para o Pamplona. Falou de Aleijadinho, Dona Beija, Xica da Silva e Chico Rei. Ele falou dessas figuras que a sociedade não quer que apareça, mas que fizeram a história do Brasil", defende.

Ele defende ainda “Chico Rei”, de 1964, como o desfile mais inesquecível do Salgueiro. Na época, a escola ficou sem segundo lugar, perdendo o título para a Portela.  "O Salgueiro perdeu com o melhor Carnaval que já botou na rua. Estava maravilhoso e tinha o balé (com uma coreografia encenando Chico Rei lavando a cabeça numa pia batismal). O Carnaval foi de uma grandiosidade tamanha, que nem mesmo “Peguei um Ita no Norte” (campeão em 1993), a meu ver, não superou”, relembra saudoso.

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Bira do R, com passagens pela ala de compositores, onde fez algumas parcerias com ninguém menos que Nei Lopes, chegou a ficar afastado do Salgueiro por três anos, quando passou pela Estácio e a Império da Tijuca. Ele afirma que o trabalho de locutor é representar a escola por meio da voz.
“O comunicador que sabe lidar com o público vende a imagem da casa. Quando você está com o microfone na mão, tem que respeitar o público", ensina. Bira do R deixou de ocupar a função depois que sofreu um enfarto em 2013. "Você chega a um ponto que só tem um caminho: voltar. É terrível você ver um cara que tem uma projeção muito grande e você fica se arrastando na quadra. Tudo nessa vida se acaba", afirma, acreditando no potencial da nova safra, como Siromar, do Salgueiro, e Bocão, da Portela.
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Bom humor e ensinamentos
Entrevistado pelo DIA, sob um calor de mais de 40 graus na Cidade do Samba, Bira não perdeu o bom humor. Ao ser questionado sobre a data de um determinado acontecimento, o locutor logo mandou mais um ensinamento.
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"Sambeiro é aquele cara que faz samba, igual costureira, padeiro. Agora com sufixo “ista”, é aquele que ganha dinheiro sem fazer o troço. Dentista não faz dente e ganha dinheiro com aquilo que não faz. A língua-mãe vai ensinando a gente. Eu sou sambeiro. Já os sambistas é que sabem tudo de cór. 'Salgueiro ganhou no ano tal'... sabem tudo de cabeça, só data. Agora pergunta porque que o Salgueiro perdeu, porque ganhou, conhece o calor salgueirense? Aí não, então o cara é só uma máquina", explica, rindo, Bira do R.
O gesto da presidente do Salgueiro, Regina Celi, de dar o seu nome à brinquedoteca da Vila Olímpica da Vermelho e Branco enche de lágrimas os olhos do velho locutor. "O Bira não morreu, está nascendo de novo", diz, emocionado. "É impagável essa homenagem que ela me prestou."
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Com um enredo este ano inspirado na “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, e que homenageará carnavalescos como Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues e Joãozinho Trinta, Bira do R está confiante. “O enredo é fantástico. Conseguiram ajustar uma obra clássica da literatura mundial com o carnaval. Deu samba já!”, acredita.
A história de Bira do R foi a sexta da série ‘Personagens do Samba’, do DIA Online. As matérias especiais são publicadas todas as segundas, quartas e sextas-feiras. Na próxima quarta-feira, a vez é da Mocidade.
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Reportagem de Adriano Araújo, Gabriela Mattos e da estagiária Luana Benedito