Alegoria da Imperatriz Leopoldinense dedicada a XangôRenan Areias/ Agência O Dia

Rio - Vestida de branco para Oxalá, a Imperatriz Leopoldinense promete um banho de axé na Marquês de Sapucaí na noite de 2 de março de 2025. No ano em que completa dez carnavais na carreira, Leandro Vieira conduz o seu primeiro enredo totalmente afro no Grupo Especial, intitulado "Ómi Tútú ao Olúfon - Água Fresca para o Senhor de Ifón".

A escola de Ramos vai apresentar a saga do orixá Pai da Criação, que em visita à outra realeza, o amigo fraterno Xangô, sofre os percalços de não ter oferecido nenhum agrado a Exu, o senhor dos caminhos. Prestes a chegar ao reino de Oyó, onde receberia, finalmente, tratamento de rei, o senhor de Ifón, como também é conhecido, acaba apontado como ladrão e é preso injustamente por sete anos.

No mito narrado pela Imperatriz, Oxalá só alcança sua redenção quando Xangô, encontrando-lhe irreconhecível, manda buscar água fresca para lavá-lo. Por isso, uma das alegorias vai levar cinco mil litros para a Avenida, adianta o carnavalesco.

"O banho de Oxalá não pode ser a seco, né? A gente vai levar essa água que se renova, que transborda como um elemento de axé mesmo, purificador. O enredo é debruçado sobre o mito. E esse mito se desdobra no rito das Águas de Oxalá, celebrado pelos terreiros de Candomblé", explica Leandro.

Refletindo a história iorubá, a abertura do desfile será alvíssima, à moda Arlindo Rodrigues, acrescenta. "Oxalá é o senhor da cor branca, do algodão, do marfim e da prata. O enredo convida ao uso dessa cor, e a Imperatriz tem um histórico bonito. Teve um grande carnavalesco aqui, o Arlindo Rodrigues, que pavimentou essa estrada do uso do branco bem trabalhado pela escola", lembra.

No entanto, essa candura não permanecerá por muito tempo na Sapucaí. Em seu caminho, o Rei de Ifón terá os trajes sujos por travessuras de Exu. Apesar das três mudas de roupa branca levadas na viagem, Oxalá chegará encardido ao reino de Xangô. Os três orixás que fazem parte do mito serão representados no desfile pelos respectivos símbolos.

"Xangô, o senhor do vermelho, do fogo. Exu, o dono das cabaças, do calor e da quentura dos caminhos. Esses signos estão presentes ao longo do desfile o tempo todo. O desfile sugere essa cartela cromática que vai perdendo o branco do desfile, deixando de ficar imaculado para ganhar outras cores", explica Leandro Vieira.

Os momentos em que o Rei da Criação fica manchado de "vinho de palma, dendê e carvão", citados no samba-enredo, serão registrados ao longo das alas. O carnavalesco conta que procurou dar um contorno heroico à saga deste personagem que sofre empecilhos e enfrenta a prisão até chegar à redenção. Questionado sobre efeitos surpreendentes para o público, Leandro Vieira desconversa: "Isso, só no dia mesmo".

Duas realezas

O carnavalesco destaca a afinidade que o orixá homenageado tem com a Imperatriz Leopoldinense, atual vice-campeã do Carnaval. "Oxalá é muito particular no que diz respeito ao visual. E a Imperatriz se consagrou com essa roupa de corte, babados e volumes de saia. Ele veste saia, usa leque, gosta de laço. Tem uma indumentária ritualística", exemplifica.

Além disso, o Rei de Ifón usa coroa. Em 2025, o símbolo maior de Ramos voltará à Avenida em contornos africanizados. "O samba diz: 'Quem governa esse terreiro ostenta seu Adê', que significa coroa em Iorubá. Acho que tem tudo a ver com a Imperatriz porque o enredo conta a história de uma realeza. Não a realeza da monarquia europeia, mas uma realeza retinta. Isso possibilita figurinos épicos", explica o carnavalesco.

Décimo Carnaval de Leandro

Dez anos depois de seu início como carnavalesco na Caprichosos de Pilares em 2015, Leandro Vieira aponta que ainda há espaço para ineditismos. Este será o seu primeiro enredo inteiramente afro no Grupo Especial. A estreia, claro, teria de ser dedicada ao seu próprio orixá.

"Achei que era bonito celebrar aquilo que me guarda, que abre meu caminho, que me deu alguma coisa. É a primeira vez que faço um enredo inteiramente afro, de ponta a ponta, com todos os figurinos africanizados e com uma estética ligada à narrativa dos orixás", conta.

O artista introduziu o estilo na abertura da homenagem à Maria Bethânia, no campeão "A Menina dos Olhos de Oyá (2016)", pela Mangueira. E, no ano seguinte, a temática também foi pincelada em "Só com a ajuda do santo", também pela Verde e Rosa, quando um elemento alegórico sincretizou Cristo e Oxalá. Esse tripé chegou a ser retirado do Desfile das Campeãs a pedido da Arquidiocese do Rio.

Um enredo com temática afro-religiosa era almejado desde o retorno de Leandro a Ramos, em 2019. Este ano, o carnavalesco decidiu acatá-lo em celebração à escola e à comunidade.

"Estou vivendo uma fase tão feliz, que tudo que a comunidade me pedir eu tenho que atender quase como uma obrigação. Acho que é um ano todo de festa para mim e para a escola. Tudo sopra a favor, e a água transborda por uma limpeza mesmo, que se Deus quiser e Oxalá permitir, vai resultar no campeonato", conclui.

A Imperatriz Leopoldinense será a segunda escola a desfilar no domingo de Carnaval, em busca do décimo título.